Na terça-feira (22/6) pela manhã, a imagem da repórter Maria Julia Coutinho (Bom dia Brasil – Globo) empunhando um caderninho durante uma matéria sobre estágio profissional despertou minha atenção. A princípio, parece extremamente retro nestes tempos de iPad, iPhone, teleprompter, ponto eletrônico e Netbook, um repórter da maior TV aberta do Brasil usar um simples caderninho para se orientar durante uma reportagem.
A atitude da jornalista sugere uma pergunta embaraçosa. Pode um caderninho ser mais útil que todos os gadgets eletrônicos que a própria mídia gosta de incensar?
Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, em Não contem com o fim do livro, afirmam que:
‘U.E. – Num certo momento, os homens inventaram a escrita. Podemos considerar a escrita como o prolongamento da mão e, nesse sentido, ela é quase biológica. Ela é a tecnologia da comunicação imediatamente ligada ao corpo. Quando você inventa uma coisa dessas não pode mais voltar para trás. Repito, é como ter inventado a roda. Nossas rodas de hoje são iguais às da pré-história. Ao passo que nossas invenções modernas, cinema, rádio, internet, não são biológicas.’
‘J.C.C. – Você tem razão em apontar isto: nunca tivemos necessidade de ler e escrever quanto em nossos dias…’
Uma nova tendência jornalística
Que dizer de uma repórter que prefere escrever seu roteiro de reportagem num caderninho? Sua atitude é modesta e, no entanto, perfeitamente adequada. Um caderninho pode ser facilmente manuseado com uma mão enquanto a outra fica livre para o microfone. Um iPad ou Netbook não podem ser operados sem as duas mãos e, ao contrário do bom e velho caderninho, precisam de baterias e estão sujeitos a apresentar defeitos ou mau funcionamento.
O caderninho empunhado por Maria Julia Coutinho na reportagem é um livro em branco a ser manuscrito pelo seu proprietário. Na obra citada, Eco e Carrière fazem a apologia do livro e falam do prazer biobliofílico de colecionar obras raras, dentre as quais os manuscritos medievais. Ponto para a jovem jornalista global. Com ou sem intenção, ela pode ter se tornado a primeira representante de uma nova tendência jornalística. Uma tendência que une a tradição do livro à moderna comunicação de massa. Em algumas décadas, caderninhos como os de Maria Julio Coutinho poderão se tornar objetos raros, colecionados com carinho pelos amantes dos livros e do jornalismo.
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Advogado, Osasco, SP