‘Vale a pena ser jornalista?’. Deparei com este título num artigo escrito por Fernando Evangelista na edição de dezembro da revista Caros Amigos e reproduzido neste Observatório. Depois do relato de diversas circunstâncias que colocaram em xeque as suas certezas a respeito da profissão, o autor concluiu, enfático:
Vale (a pena) se tivermos ânimo para ultrapassar as fronteiras proibidas, fronteiras bloqueadas pela censura, pela ignorância, pela mentira. Vale ser tivermos os olhos bem atentos, para ver o delicado, o diferente, o invisível. É preciso coragem para se comprometer, para dizer o que se vê e o que se sente, sem medos nem manuais.
Penso que a educação, a escola e a formação profissional têm um papel fundamental para fazer valer a pena ser jornalista, ou seja, para ultrapassar as fronteiras da desinformação e abrir os olhos para as crueldades e arbitrariedades que vêm sendo cometidas contra seres humanos em nome do capital. Em outras palavras, penso que a formação de jornalistas cidadãos comprometidos com cidadãos seja o ponto de partida para valer a pena ser jornalista.
Num mundo globalizado, de alto desenvolvimento tecnológico, mas que ainda tem muito que aprender e implementar no que diz respeito às relações humanas, pensar a educação é desenvolver um sentimento de cidadania e alteridade. Como observa Gilberto Dupas (2001: 123):
(…) é preciso buscar condições para que uma nova hegemonia mundial, que inclua mas não constranja o capital, possa construir um mundo melhor, utilizando-se dos avanços da ciência em benefício da grande maioria de seus cidadãos.
Assim, é importante que as escolas de Jornalismo tenham como parte do seu projeto pedagógico o estímulo ao diálogo, à troca e a uma visão holística do aluno. É imprescindível como forma de sobrepujança do humano ao capital uma formação comprometida com a cidadania centrada ‘na pessoa’ do estudante, como observa Carl Rogers (1973), e responsabilizando politicamente o educando, como diz Paulo Freire (1987).
Na formação profissional do jornalista, a convivência democrática com a diferença, com pontos de vista díspares (seja de autores, professores ou colegas), complementares e inquietantes e, ao mesmo tempo, o exercício diário de lidar responsavelmente para si e para o outro (seja a fonte de informação, seja o público) com a diversidade, são elementos importantes para uma conduta profissional cidadã. No entanto, esse resultado só será conseguido se a cidadania for discutida – e praticada – na escola; na formação do jornalista.
Jornalismo e novas tecnologias
Embora a formação curricular do jornalista seja importante para a apreensão do conceito de cidadania por fundamentá-lo teoricamente, só cidadãos e espaços cidadãos formam, de fato, cidadãos. Currículos, professores e práticas laboratoriais que não abram o aluno para o diálogo com as diferenças e a realização de suas potencialidades dificilmente conseguirão formar jornalistas comprometidos com os direitos humanos, com a democracia, com ética e com a responsabilidade cidadã da profissão.
Assim, ao pensarmos um modelo de formação para o jornalista do século 21, que inevitavelmente terá como instrumentos profissionais as novas tecnologias do mundo globalizado, não devemos apenas nos preocupar com o currículo, mas também com a relação do discente com o mundo acadêmico, com o docente e, principalmente, com a construção de sujeitos autônomos.
Postular a presença da cidadania na formação do jornalista neste novo momento da ordem econômica mundial significa estimular a reflexão, a revisão e a reestruturação de valores democráticos. Talvez possamos pensar uma formação em que o jornalismo tenha um espaço amplo a ocupar no contexto da ciberdemocracia, como propõe Lévy, (2003); na efetivação de um mundo em que o poder (de poucos) seja substituído pela potência (de muitos).
É neste sentido que Gadotti (2000) estabelece também as suas reflexões sobre educação. Para ele, neste novo milênio deve-se ter em vista uma cidadania não apenas nacional, baseada no conceito de Estado-nação. Educar significa, sobretudo, preocupar-se com uma cidadania planetária em que os indivíduos não mais podem ser vistos como parte de ‘blocos’, mas como pessoas que necessitam estabelecer laços de colaboração em nome da sobrevivência do próprio planeta.
Refletir sobre a formação que deve ser proposta ao estudante de jornalismo é pensar, junto com ele, que tipo de mundo se quer para os próximos anos e se queremos, de fato, o jornalismo como um elemento integrador de uma comunidade global e democrática. A partir daí, formando cidadãos que estejam a serviço de cidadãos, a educação e a escola estarão dando a sua contribuição para que valha a pena ser jornalista.
O caminho é árduo, mas uma educação cidadã é também um trajeto possível e necessário para um mundo mais justo e mais humano, mesmo que a lógica desumana do capital e sua ideologia não o queiram. Como concluiu Evangelista, ‘Só vale a pena ser jornalista se for – como cantou Torquato Neto – para ‘desafinar o coro dos contentes’.’
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Professor, jornalista, doutorando e mestre em Ciências da Comunicação pela USP e especialista em Jornalismo Político e Econômico