Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um enfoque a ser revisto

Sábado, dia 7 de agosto. São pouco mais de 11h e acabo de ler o texto ‘Lula na África: Solidariedade, resgate histórico e novos negócios’ no boletim eletrônico Em Questão (www.brasil.gov.br/emquestao). Constato, com certa surpresa, que todas as informações ali contidas já foram divulgadas no correr da semana, tanto pelos jornais como pelas emissoras de TV. Fico, então, com a impressão de que a Secretaria de Comunicação do Planalto chegou atrasada, foi ‘furada’ pela mídia ou não tem novidades para contar.

Jornalista há 38 anos, eleitor do PT há 20 e defensor diário do governo do Lula, sinto que a surpresa se transforma em preocupação. Isso porque, além de não ver novidades nesse noticiário, percebo nele a falta de análise mais abrangente a respeito do indiscutível acerto da política externa, conduzida pelo ministro Celso Amorim.

É. Lula está mesmo decidido a buscar rotas alternativas para o comércio exterior e, a cada dia, consolida posição de liderança entre os países emergentes. Espetacular, isso. Sobretudo, quando a aproximação com povos igualmente explorados ao longo do tempo vem juntar-se a conquistas como a que o Brasil obteve semana passada junto à Organização Mundial do Comércio.

Luz de alarme

De repente, uma informação aparentemente boa acende uma luz de alarme na cabeça deste ‘dinossauro’ aqui: ‘O Brasil também tem interesse de entrar no mercado do petróleo gabanês, que é um grande produtor africano’. Tudo bem, nada impede que o Brasil invista em prospecção e exploração do petróleo no exterior. No entanto, há precedentes desastrosos, dos quais o pessoal da Petrobras deve se lembrar.

Foi na década de 1980. A construtora Mendes Júnior e a Interbrás formaram consórcio para operar no Iraque. As duas empresas deslocaram para lá máquinas, equipamentos e recursos humanos suficientes para executar grandes obras nos setores da construção civil e do petróleo. Só que as coisas não saíram como elas esperavam.

A Mendes Júnior teve de deixar para trás máquinas e equipamentos. Saiu quase corrida do Iraque, amargando enorme prejuízo por descumprimento unilateral de contratos, pelos iraquianos. O mesmo aconteceu com a Interbrás, apesar de as empresas terem descoberto e mapeado Manjnoon, um dos maiores campos petrolíferos daquele país e do mundo. A Mendes Júnior balançou, mas está aí. A Interbrás fechou.

Daí, a luz de alarme. Com tanto petróleo a explorar na Bacia Sedimentar de Santos, por que pensar em exploração no exterior, justo no momento em que se quer e se precisa gerar empregos aqui? Por que impregnar o Brasil ainda mais com a presença de estrangeiros, se a Petrobras detém hoje a tecnologia para extração de petróleo offshore?

Sem atualidade

Por que promover leilões entre empresas transnacionais e não prestigiar a Petrobras, salvaguardando-a também de calotes eventuais? Lembra a Braspetro? Esgotadas as possibilidades aqui, tudo bem. Mas nesta altura do jogo? Veja se os americanos abrem leilões para exploração do petróleo no Texas ou em qualquer outro lugar onde saibam que ele existe em quantidade.

Não é de hoje que o país vem sendo ocupado. Mas só que agora o Brasil tem um governo que o povo escolheu para acabar com isso. Soube de intromissões inaceitáveis cometidas por americanos, ingleses e japoneses em Roraima. Mais precisamente, nas terras dos atroaris e dos cintas-largas. Se eu soube, milhares de outras pessoas devem ter sabido também. E o governo, é claro, deve estar careca de saber. Como fica a nossa chamada soberania? Vamos ter de consultar os Estados Unidos para expulsá-los das reservas indígenas, de onde extraem ouro, diamantes e pedras preciosas? Pedir licença, como precisamos para colocar em vigor a Lei do Abate? Ou vamos retaliar, como no caso da identificação em aeroportos, sob alegação de reciprocidade?

Então, prezados(as), já que o informativo da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República não tem compromisso com a atualidade do factual e distribui informações já veiculadas, não seria o caso de mudar o enfoque? De torná-lo essencialmente analítico? Reitero minha irrestrita confiança no Lula, em vocês e em todo pessoal do governo federal. O Brasil já tem outra cara. Daí estes comentários.

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Jornalista