Felipe Massa sofreu acidente sério na Hungria, mas felizmente se recuperou tão rápido que surpreendeu a todos. Um grupo de estudantes tomava chope na cantina, quando chegou o jornal Folha de S.Paulo.
Laura leu a notícia e ficou assustada:
‘Gente, que horror! Ele não vai sobreviver, está tão magrinho, só pesa 28 quilos! Olha só aqui no jornal está o peso dele, coitadinho!’
‘Não é isso, Laura’, disse o Carlos. ‘O nº 28 é a idade dele.’
‘Idade? Ah, bem! Mas aqui só diz Felipe Massa, 28, bateu etc. e eu pensei que fosse o peso. Que alívio!’
‘Pois eu também estranhei outro dia uma notícia que dizia: Gisele Bündchen, 23, grávida… Eu achei que fosse o nº do sutiã dela.’
‘Sutiã 23 para Gisele, aquela peituda? Imagine!’
‘Mas, se esse dado numérico é referência da idade, por que se omite a palavra anos?’, perguntou Maurício.
‘É uma boa pergunta!’, confirmou Juliana.
Um vocábulo terrível
O professor Rafael, que ouvia tudo em silêncio, explicou:
‘Esse sistema é comum nos Estados Unidos. Lá, só se faz assim. Até nos arquivos, nos cadastros, nos processos, a idade das pessoas se indica só com os algarismos correspondentes.’
‘Mas, por quê?’, insistiu Maurício.
‘Veja bem. Se você pergunta a uma garota norte-americana: `Qual é a sua idade?´, ela responde: `Eu sou quinze.´ A garota brasileira responderia à mesma pergunta dizendo: `Eu tenhoquinze anos.´ Para os norte-americanos, a idade é algo que você é. Para os brasileiros, a idade é algo que você tem. Essa é a diferença, a resposta.’
‘Mas por que adotar o modo norte-americano, que não é do nosso costume? Não entendo! Isso não é um erro de português?’
‘Na nossa língua, sim. Se você não indica o significado do número entre vírgulas, ele pode se referir a peso, busto, altura, nota, qualquer coisa.’
‘Então, é só para puxar o saco dos gringos? Nelson Rodrigues disse bem: brasileiro tem complexo de vira-lata, tem que abanar o rabo quando o dono aparece. Temos que copiar tudo do inglês e dos norte-americanos?’
‘Não é isso’, continuou Rafael. ‘Para entender essa prática, nós precisamos voltar à década de 40, ou de 50, no Rio de Janeiro. Havia lá um jornal de grande circulação cujo redator-chefe era um homossexual enrustido. Não era assumido e franco, como são os de hoje, livres de preconceitos. Ele detestava o sotaque carioca. Aquele som chiante, herdado dos portugueses, iguala algumas palavras, como `anos´ e `ânus´; que soam algo como `ânuch´ com aquele som chiado no final. Por isso, toda vez que o nosso redator- chefe enrustido precisava escrever ou, principalmente, pronunciar a palavra `anos´, ele se encolhia, sentia-se mal, e sempre tentava fazer a substituição da palavra ou de toda a frase por outra expressão. O vocábulo `anos´ era terrível para ele, que escondia a sua opção sexual. Precisava eliminá-lo definitivamente.’
Pura imitação
‘E como foi que ele achou essa solução?’
‘Numa de suas viagens aos Estados Unidos, ele conheceu o modo norte-americano. Teve um estalo! Um verdadeiro alívio! Era a solução. Para acabar com o uso da palavra incômoda, bastava adotar o sistema inglês. Por que não copiá-lo? O problema estava resolvido. Determinou que todos os seus redatores utilizassem o modo norte-americano, mais simples, mais prático, tornando desnecessária a repetição maçante da palavra `anos´ em tudo o que se referisse a pessoas. Houve algumas resistências, mas a sistemática teve que ser adotada, com ou sem o acordo dos que escreviam.’
‘Não acredito!’, disse Laura. ‘Então foi isso?’
‘E ficou valendo até hoje?’ perguntou Carlos. ‘Por quê?’
‘Pura imitação’, explicou o professor Rafael, ‘pois é costume entre os jornalistas copiar tudo que parece novo ou moderno, sem questionar a sua origem. Parece bem, então está bem!’
‘Francamente! Que frescura!’, concluiu Carlos.
‘Não leio mais esse jornal’, prometeu Laura, revoltada.
E aí, meu caro leitor, sabia disso? Você concorda com a Folha?
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Contador e administrador aposentado, Valinhos, SP