O pensamento ético em minha vida exerce muito influência. Na verdade considero a moral mais importante que a ética. Pois, se a moral é minha e a ética é dos outros, e eu não me importo com que os outros pensam, posso atropelar minha ética e seguir somente com minha moral, coisa que muita gente faz, mas não assume. Em uma das disciplinas da pós-graduação em Assessoria de Comunicação, da Universidade Potiguar (UnP), fui perguntado se podem existir duas éticas. Uma no trabalho e outra em casa. Respondi que sim com o mesmo argumento anterior. Se a ética é a ciência que estuda os meus comportamentos morais e minha moral são os meus costumes. Acredito que somente eu posso me julgar antiético ou não. Fazendo valer a máxima de que: “Quem é você para me julgar?”
Uma das profissões que sofrem mais conflitos éticos é a de jornalista. Esse profissional fica à mercê do veículo em que trabalha para ora falar bem de uma situação, administração pública ou política, ora falar mal das instituições ou pessoas físicas que há pouco tempo abordou de maneira negativa. Nunca passei por isso e espero não passar, pois acredito que “imprensa é oposição e o resto é armazém de secos e molhados”, como disse Millôr Fernandes.
Um bom exemplo de ética no jornalismo, para profissionais e estudantes, é o personagem Lowell Bergman, vivido por Al Pacino em O Informante. Bergman é produtor do programa 60 minutos, da CBS. Ao final do filme, ele enfrentará a alta cúpula da CBS que, com medo de retaliações das empresas de cigarro, resolve editar a entrevista de Jeffrey Wigand, vivido por Russel Crowe, ex-biologista da empresa tabagista Brown & Williamson. A entrevista bombástica, na íntegra denunciava a empresa onde Wigand trabalhava, acusando-a de saber dos efeitos maléficos da adição de um novo produto à composição do cigarro. Porém, com a edição do programa, feita com o auxílio dos advogados da CBS, todas as partes da denúncia foram extraídas retirando todo o contexto da entrevista do personagem de Russel Crowe.
Outro conflito ético
Fascinante e bem escrito, O informante é muito mais que um ótimo filme que aborda, entre outras coisas, o jornalismo e a liberdade de imprensa. É possível encontrar, desde as primeiras cenas, conflitos éticos tanto no âmbito profissional quanto pessoal. Após ser demitido, Jeffrey Wigand assina um contrato de confidencialidade e, caso cumprisse o contrato, a empresa tabagista pagaria seus direitos trabalhistas e o plano de saúde de sua família, principalmente de suas filhas.
Entrelaçado a isso, o personagem de Crowe vive um dilema. Ele sabe que a nova substância é maléfica à saúde dos usuários e serve para viciá-los cada vez mais. Além de Jeffrey saber desses malefícios, a empresa Brown & Williamson também sabia, o que para a justiça revelaria a intenção de prejudicar o usuário. Entre pensamentos de denunciar sua ex-empresa, Jeffrey enfrenta um confronto ético. Revelar uma informação, após ter assinado um contrato afirmando que manteria segredo, assim protegendo sua família, ou ir contra sua ética profissional e familiar e revelar um assunto de interesse público?
É nesse contexto que o personagem Lowell Bergman, Al Pacino, entra. Ele tenta convencer Jeffrey a revelar o segredo através de uma entrevista ao programa 60 minutos, da CBS. Sem cortes, sem edição. O acordo é feito. Jeffrey quebra sua ética profissional, como ex-funcionário da empresa tabagista, e quebra sua ética familiar como pai, que é proteger, entre outras coisas, sua família.
É curioso notar que Jeffrey só decide denunciar sua ex-empresa quando é demitido dela. Entrando em outro conflito ético, no caso de sua formação acadêmica, a Biologia, que é a mesma ética da área macro da Saúde: Preservar a vida. Sendo que foi o próprio Jeffrey quem ajudou a desenvolver a nova substância maléfica aos usuários. Esse conflito, mais uma vez demonstra que a moral individual permitiu ultrapassar a ética profissional, já que ninguém sabia da inclusão da nova substância nos cigarros.
Um meio de transformação
Após aceitar a conceder a entrevista ao programa 60 minutos, o filme entra em outro conflito ético dentro do jornalismo e da liberdade de imprensa.Quando a entrevista está pronta para ser veiculada, Al Pacino e sua equipe descobrem a presença de um dos advogados da matriz da CBS que está avaliando o conteúdo. Depois de tal avaliação, é decidido editar a entrevista, a fim de contar os trechos denunciantes. Nessa hora entra um Al Pacino brilhante em seu papel de jornalista experiente e calejado, sem o estereótipo do bom moço, mas com a essência dos grandes jornalistas, que é a verdade.
O ponto alto do filme está nas discussões entre o jornalista e os diretores da televisão. Enquanto os diretores tentam minimizar os cortes, alegando a situação econômica ou as retaliações que a CBS pode sofrer da bilionária indústria tabagista, o jornalista explica o interesse público, a relevância da verdade para a sociedade norte-americana. Estão em risco os nomes de dois jornalistas conceituados, os personagens de Al Pacino e de Christopher Plummer, apresentador do programa60 minutos e um dos mais respeitados na profissão nos Estados Unidos, além do bem maior do jornalismo, que é a verdade dos fatos.
Ao final, a entrevista vai ao ar com os cortes propostos pelos advogados e a alta direção da emissora, o que faz o personagem Lowell Bergman cair em desilusão até se demitir, em represália à edição da entrevista que foi contra todos os preceitos éticos e morais do jornalismo e de sua liberdade. Ao final do filme, com ajuda de outros veículos de comunicação, pela primeira vez na história uma empresa tabagista, no caso a Brown & Williamson, é condenada pela inclusão da substância maléfica aos usuários do cigarro com a ajuda da imprensa, assim como já tinha acontecido no caso Watergate – abordado no filme Todos os homens do presidente – e nos abusos cometidos contra os norte-americanos pelo senador Joseph McCarth – retratados no filme Boa noite e Boa Sorte.
Esses fatos ressaltam a necessidade da verdade ser inerente à profissão de jornalista. A maior matéria-prima do jornalismo não é a notícia, mas sim, a verdade. Sem ela, não posso exercer a função de jornalista, como afirmou Gay Talese. Talvez seja utopia, romantismo ou qualquer outra nomenclatura que queiram dar, mas eu acredito piamente que o jornalismo é um meio de transformação, e não somente a prática de redigir informação, como muitos acreditam.