No domingo (29/4) faleceu uma das pessoas mais interessantes que já tive a oportunidade de conhecer e conviver: Octavio Frias de Oliveira, o ‘seu’ Frias, publisher da Folha de S.Paulo.
Diferentemente de muitos que conviveram com ele pelo lado do jornalismo e da informação, nós nos relacionamos no trato dos negócios. Durante mais de dez anos fui diretor, membro do conselho de administração e do conselho editorial do jornal. Algumas das passagens que vivenciei mostram um pouco do empresário, dirigente de mídia e ser humano que foi ‘seu’ Frias.
Em momentos de dúvida sobre o rumo que o jornal deveria seguir, ele dizia para pensarmos no leitor e completava: ‘Na dúvida, sempre escolha o lado melhor para o leitor’. ‘Seu’ Frias sempre dizia que podíamos fazer quase tudo, só não podíamos enganar o leitor. Ou seja, devíamos ser transparentes, deixando sempre claro o que é publicidade e o que é editorial. Era tão fanático pelo leitor que se referia a ele como ‘Sua Excelência, o leitor’.
No fundo, ‘seu’ Frias sabia que seu jornal só seria forte se fosse independente de influências políticas e econômicas e, para tal, deveria ter uma grande base de leitores. Portanto, os tratava com todo o respeito. Disse-me uma vez que ‘inteligente é aquele que se cerca de gente melhor que si próprio para dirigir uma empresa’. E sempre que alguém na empresa dizia que estava muito preocupado com alguma coisa, ele respondia: ‘Ótimo! Se você está preocupado, eu posso ficar tranqüilo’.
Queixas severas
Em anos de empresa nunca o vi passar por cima da decisão de um diretor e, apesar de ser o acionista majoritário, nunca quebrou a hierarquia. Respeitava profundamente a cadeia de comando dentro da empresa.
Certa vez, na época da inflação estava preocupado em saber se estávamos calculando corretamente o valor das assinaturas vendidas em parcelas. Chamou-me para que pudesse explicar como havia chegado àqueles números. Eu puxei minha HP e comecei a fazer os cálculos de juros compostos. Ele me interrompeu perguntando como saberia se as contas estavam sendo feitas corretamente, uma vez que ele não tinha nenhuma familiaridade com aquele tipo de calculadora. Foi quando peguei um lápis e tive que fazer os cálculos ‘na unha’. Ele acompanhou a exposição, entendeu e se convenceu que sabíamos o que estávamos fazendo. Nunca mais tocou no assunto.
Apesar de muito envolvido na edição e divulgação das grandes questões do jornal e do país, quase diariamente ligava-me para questionar sobre a sobra dos exemplares na banca. Ao contrário da situação dos juros compostos acima, ele não se conformava muito com os números e explicações. Sabia que esta sobra, embora necessária, era dinheiro jogado fora.
‘Seu’ Frias, em seu próprio ritmo, acompanhava todas as áreas do jornal. Gostava da ousadia. Ao nos depararmos com um roteiro de filme publicitário da Folha sobre o qual tínhamos dúvidas se seguíamos ou não em frente por achar seu teor um pouco forte demais, ele sempre era o primeiro a opinar para irmos adiante. Adorava novidades. Vibrava com todos os projetos promocionais que apresentávamos. Era um inovador nato. A Folha foi um dos primeiros jornais a lançar fascículos educativos, a instalar rotativas off-set com grande capacidade de cores e a informatizar a Redação.
Certa vez estávamos na véspera de um grande evento: a inauguração do novo Centro Gráfico da Folha. Foram convidados para a cerimônia centenas de empresários, ministros, governadores e o presidente da República à época, Fernando Henrique Cardoso. Mas naquele mesmo dia, Clóvis Rossi, colunista do jornal, havia escrito um artigo muito forte contra o presidente e este mandou avisar que não viria ao evento. Eu estava na sala do ‘seu Frias’ quando eles conversaram por telefone. O publisher da Folha, com toda a sua senioridade, ouviu a reclamação do presidente e disse: ‘Fernando, ele não te chamou disso. Pare com essa história. Não faça isso [não vir ao evento]’. É importante notar que todo este diálogo ocorreu sem que em nenhum momento ‘seu’ Frias fosse desrespeitoso com o presidente. No dia seguinte, lá estava Fernando Henrique Cardoso.
Alguns dias depois, encontrei Clóvis Rossi no estacionamento e ele não sabia do ocorrido. Incrível, o presidente da República liga fazendo queixas severas contra um jornalista da casa e ‘seu’ Frias contornou a situação e sequer comentou o ocorrido com o jornalista.
Ensinamentos valiosos
‘Seu’ Frias era muito franco. Muitas vezes, ao final do dia e já com as rotativas a mil por hora, eu o encontrava no pátio do jornal na Barão de Limeira (rua em São Paulo onde fica a sede da Folha), ambos indo embora. O ‘circo da distribuição’ do maior jornal do país começava seu espetáculo para fazer a Folha chegar a milhares de leitores em todo o Brasil. O pátio de carregamento era uma grande bagunça organizada. E ‘seu’ Frias me puxava de lado e dizia: ‘Meu filho, isto para mim é realmente um grande milagre, não é mesmo?’. A mim só restava concordar.
E tarde da noite ‘seu’ Frias seguia de carro (sem qualquer blindagem) com toda sua simplicidade, percorrendo uma das regiões mais violentas de São Paulo, guiando sozinho pelo centro.
Era comum algum figurão ser convidado para os famosos almoços no 9º andar do prédio da Folha. Em certas ocasiões, quando um deles fazia alguma colocação, ‘seu’ Frias não se acanhava em fazer seu clássico comentário: ‘Isto é besteira, meu filho!’. E todos respeitavam seu ponto de vista.
Quando me desliguei da empresa, procurei-o para despedir-me. Ele me disse que, se algum dia precisasse de algo e não o procurasse, ele ficaria triste comigo. Fiquei contente em saber que um dos homens mais interessantes e poderosos do país tinha essa consideração por mim.
Estes são apenas alguns dos ensinamentos que ‘seu’ Frias deixou. Tenho-me esforçado para utilizá-los com sabedoria no meu atual desafio de administrar o maior jornal de economia e negócios do país, a Gazeta Mercantil.
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Diretor-geral da Gazeta Mercantil