Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um jornalismo desvinculado dos fatos

Esta semana, a Rede Globo deu um excepcional exemplo de anacronismo jornalístico. Ao fazer a cobertura da eleição norte-americana, a extensão do clã Marinho pressupõe que os EUA ainda são um país capaz de liderar economicamente e moralmente o Ocidente. E praticou o melhor jornalismo desvinculado dos fatos possível.

Já foi o tempo em que os EUA eram o maior e mais importante parceiro do Brasil. Desde a década de 1970, a participação dos EUA no PIB mundial só tem declinado. A fatia dos americanos no comércio mundial também recuou bastante na última década. As perspectivas futuras do desempenho da economia americana são sombrias. A crise monetária pode levar o país a uma profunda e demorada recessão. Os americanos consomem 25% do petróleo mundial e somente tem 3% das reservas do planeta. O custo das operações militares realizadas para garantir o suprimento de petróleo já chegou à estratosfera.

Moralmente, os EUA estão no seu pior momento. À medida em que sua importância econômica planetária declina, os americanos recorrem cada vez mais às armas para impor sua vontade. No início do século 20, os EUA faziam uma guerra a cada 20 anos. Neste princípio de século 21, a Casa Branca não fica sem despejar bombas em algum país distante por mais de cinco anos. Apesar de atolado em duas guerras (Iraque e Afeganistão) George W. Bush e seu candidato admitiram publicamente que podem muito bem iniciar outra (contra o Irã).

Dependência e pragmatismo

Tortura, restrição de direitos civis, apoio descarado a ditaduras, violação da soberania de outros países, prisão e transporte ilegal de suspeitos ao redor do planeta, desprezo pelo Direito internacional, esvaziamento dos órgãos multilaterais, restrição ao trabalho de jornalistas em zonas de conflito etc. A relação de péssimos exemplos da nova moralidade pública americana é tamanha que encheria vários livros. Livros que os governantes dos outros países podem ler, mas não devem seguir.

No maravilhoso mundo virtual televisivo do clã Marinho, o declínio da economia e da moralidade americana parecem não preocupar os jornalistas. Na série de reportagens levada ao ar, os publicitários da Rede Globo fizeram tudo, menos investigar os fatos. E por falar em fatos, quando é que a TV tupiniquim começará a dar maior atenção e destaque às eleições chinesas e russas?

A China, que já é a maior credora dos EUA, cresce economicamente 10% ao ano há mais de uma década e está dando mostras de que pode realmente ajudar o mundo a contornar o obstáculo financeiro que Wall Strett colocou no meio do caminho. A Rússia, por sua vez, recuperou seu vigor militar e venceu os últimos lances do Grande Jogo para controlar o petróleo do Cáspio. Enquanto isto, em terras tupinambás, as eleições gringas ainda ganham mais destaque na TV do que as dos países que certamente liderarão o planeta a partir da próxima década. A dependência de uma potência em declínio é mais ou menos deprimente do que o pragmatismo internacional?

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Advogado, Osasco, SP