Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um perfil e um texto-legenda

A ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia em que a corte fez história porque começou – segundo a Veja nº 2024, de 5/8/2007) – a ‘eliminar uma praga que corrói suas instituições e devora a esperança dos cidadãos: a praga da impunidade’, foi a grande injustiçada pela mídia na semana que passou.

Enquanto todas as atenções se voltaram – merecidamente, aliás – para o ministro Joaquim Barbosa e seu relatório, a presidente do Supremo virou foto-legenda ao dizer:

‘Este julgamento mostra quanto são equivocadas algumas opiniões sobre a eficiência deste tribunal. No momento em que encerramos um julgamento que muitos consideram histórico, tenho dificuldade de acreditar que alguma corte suprema do mundo se reúna para apreciar denúncia dessa complexidade com esse nível de detalhe, com esse esforço analítico’.

Apresentada pela imprensa, na data de sua posse, como ‘a ministra mais elegante do Brasil’ (Globo Online, 29/4/2006), Ellen Gracie merecia um pouco mais de atenção neste momento. E não só ela. A hora seria perfeita para mostrar que fim levaram as mulheres que tiveram papel importante na montagem do quebra-cabeças do mensalão, como a secretária de Marcos Valério, que com sua agenda começou a desvendar o esquema; a mulher de Marcos Valério, que com suas lágrimas comoveu o presidente da CPI; e tantas outras que fizeram parte – como acusadas ou como testemunhas – do maior escândalo político do país nos últimos anos.

Questão de prioridade

Passado o impacto do primeiro julgamento, quem sabe a imprensa volte suas atenções para a presidente do Supremo e mostre que ela está fazendo história por outros atributos além de ser a primeira mulher a ocupar o cargo. Caso contrário, não ficará registro, na imprensa, de que foi uma mulher quem presidiu os trabalhos num momento tão decisivo para a Justiça do país. A impressão que restará, para os futuros historiadores, é que quando o país vivia um momento tão importante, as mulheres brasileiras estavam mais preocupadas com os dez anos da morte de uma distante princesa inglesa.

A mídia ainda parece acreditar que as mulheres – embora seja uma mulher a presidente da mais importante corte da Justiça do país – estão mais interessadas em fofocas do que com os destinos da nação. Só isso explica a inundação de documentários sobre os dez anos da morte da princesa Diana nos canais de TV, na mesma semana em que o grande assunto das páginas de política dos jornais foi o julgamento do STF. Um julgamento que, embora presidido por uma mulher, entrará para a história como mais um assunto tipicamente masculino. Pelo menos na versão da imprensa.

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Jornalista