A proliferação de datas com o intuito de levantar bandeiras e causas há muito tempo coloca em risco a própria razão de ser dessas datas. Temos uma lista formidável. Ao contrário de datas comemorativas, essencialmente históricas, as ‘datas-bandeira’ precisam ser ‘lembradas’ pela mídia para que a maior parte da população saiba que existem. E a mídia tem o hábito de fazer ‘bem’ seu trabalho – notas na imprensa, algumas entrevistas, pouquíssimo debates e pronto: o dia foi lembrado… E logo será esquecido, pois a notícia de amanhã será outra.
O Dia Mundial da Água, 22 de março, é mais uma ‘data-bandeira’. Tivemos algumas notas na mídia, algumas entrevistas, pouquíssimo debates e pronto. Se a mídia fosse um ente (embora possamos até imaginá-la como entidade) e pudéssemos ‘ouvir’ seu pensamento, seria algo como: era minha obrigação divulgar a data, divulguei a data.
Mas a mídia não é um ente, entes são homens e mulheres que trabalham na mídia e que têm sua responsabilidade, embora, como escreveu o renomado e polêmico sociólogo francês Pierre Bourdieu em seu livro Sobre a Televisão, ‘sejam eles em grande parte definidos em suas possibilidades e suas impossibilidades pela estrutura na qual estão situados e pela posição que ocupam nessa estrutura’.
Enfoque foi de assustar
E na tevê a urgência não permite o pensamento mais elaborado, mais profundo e, conseqüentemente, mais eficaz. Na tevê, uma breve nota informativa lembra os receptores que a data existe, porque é a tevê hoje que dita a existência das coisas, dado o aumento desproporcional de seu peso simbólico e submissão ao campo econômico.
Tal comportamento, sintomático, prejudica consideravelmente a discussão sobre todo tipo de assunto importante para nós e para o mundo, como é o caso, neste início de século, do uso indiscriminado de recursos naturais do planeta.
Nos jornais impressos do citado dia 22 de março, algumas páginas dedicadas ao problema da escassez de água que poderá afetar grande parte da população mundial nas próximas décadas, assim como suas conseqüências (desastres, a ‘menina-dos-olhos’ dos meios de comunicação de massa), embora o enfoque fosse muito mais de assustar do que o de colocar para a população medidas práticas de assistência e solução dos problemas.
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Estudante de Jornalismo da Facha, Rio de Janeiro, RJ