Há pouco mais de um ano, na madrugada de 12 de maio de 2006, o estado de São Paulo foi surpreendido por uma onda de ataques contra guarnições e viaturas da polícia. Os ataques teriam tido como resultado a morte de mais de 20 agentes da lei. Ao final de quatro dias, a reação das forças de segurança elevaria o saldo de mortos para mais de 400 pessoas. Um número equivalente a quatro massacres do Carandiru. Passados doze meses de um evento comparável a uma guerra civil, procuro nos jornais alguma informação nova, alguma recapitulação dos fatos e de suas conseqüências. Nada, somente o silêncio sobre o espinhoso assunto.
Um silêncio que torna a imprensa do estado mais rico da Federação parcialmente responsável por esses eventos e por aqueles que os antecederam e sucederam. Um dos primeiros lances dessa guerra surda (e nem tão surda assim) entre o governo paulista e o bando criminoso auto-intitulado Primeiro Comando da Capital ocorreu em 2002 com a tocaia do Castelinho, quando os 12 integrantes do grupo criminoso que se encontravam em um ônibus atraído para uma armadilha montada por um colaborador da polícia infiltrado foram fuzilados dentro do veículo em plena praça de pedágio, no quilômetro 12,5 da Rodovia José Ermírio de Moraes. Afora declarações oficiais, algumas versões e umas poucas aspas para Plínio de Arruda Sampaio, o tema se transformou rapidamente em uma suíte, até desaparecer por completo do noticiário. Silêncio.
No período que se seguiu, declarações do delegado e diretor do DEIC (Departamento de Investigações Criminais da Polícia Civil), Godofredo Bittencourt, e de seu sempre simpático chefe, o secretário de Segurança Pública de Geraldo Alckmin, Saulo de Castro Abreu Filho, davam conta que a quadrilha havia sido desarticulada dentro e fora dos presídios. Diante do oficialismo das declarações, um solene silêncio para o contraditório.
Comendo bola
Por falta de espírito investigativo, a grande imprensa foi conivente com um Estado que foi omisso ao permitir a articulação de uma organização criminosa com as dimensões do PCC. O resultado não poderia ter sido outro senão a carnificina daquele mês de maio.
Um ano depois procuro nos jornais, nos telejornais, na internet. Minha expectativa é encontrar uma, duas, três grandes reportagens com um balanço sobre as ações do bando criminoso, sobre os excessos da polícia, que muito provavelmente transgrediu a lei em muitas daquelas mortes, e sobre os acertos dessa mesma polícia em sua tentativa de verdadeiramente desarticular uma organização que, ao que se apura no cotidiano das periferias paulistas e no interior dos presídios, parece crescer cada vez mais. Nada, somente o silêncio.
Este silêncio, por vezes substituído por eufemismos como ‘a facção criminosa’, pode custar muito caro ao conjunto da sociedade. A guerra surda e suja continua e poucos foram capazes de compreender as dimensões dos riscos e das conseqüências dessa cegueira para o conjunto da sociedade. Ainda há tempo para a ação, mas o fato de nós, jornalistas, estarmos comendo bola com nosso silêncio me faz lembrar a personagem do poema do alemão Bertolt Brecht. Haverá alguém para ouvir nossos gritos, quando a realidade finalmente desabar sobre nossas cabeças?
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Jornalista, Campinas, SP