Ela virou uma estrela. De microfone na mão, a jornalista nigeriana emboscou o presidente Robert Mugabe e fez a pergunta que os repórteres sempre sonharam dirigir àqueles velhos ditadores africanos agarrados ao poder: “Quando o senhor vai renunciar? Não acha que seu tempo acabou?” O clipe de Adeola Fayehun, âncora de um programa satírico, popular na televisão de vários países africanos, foi visto 270 mil vezes no YouTube e a mídia internacional deliciou-se com a ousadia da repórter, comparando-a a Christiane Amanpour, a jornalista-vedete da CNN. Baseada em Nova York, Adeola tornou-se a face mais visível dos “Indignados” da África negra, jovens que denunciam os intermináveis abusos de poder no continente, de presidentes eternizados em palácios — Mugabe comanda o Zimbábue há 35 anos — e os assassinatos em massa cometidos por jihadistas e forças militares escaladas para combatê-los. Como os Indignados espanhóis ou os Occupy de Wall Street, eles querem limpar a cena política e construir um novo destino para os países do continente.
“As opções hoje são trágicas: os jovens morrem nos barcos que cruzam para a Europa, aderem aos grupos radicais muçulmanos ou são vítimas dos jihadistas”, diz um dos líderes exilados em Paris.
Duas narrativas sobre a África disputam corações e mentes ocidentais: a África das tragédias que deixa enfurecida parte da geração de Adeola e a África como último Eldorado econômico do planeta, alvo da cobiça de empresas e de capitais internacionais. As duas estiveram em destaque semana passada, evidenciando as oportunidades perdidas por causa da corrupção e da violência em países orgulhosos de sua cultura, encharcados de petróleo e crivados de minas de diamantes, com uma nova geração mais bem educada e conectada com o mundo.
Há quinze anos a economia na África cresce 6% ao ano, mais do dobro da média mundial. Nove dos países com melhor desempenho econômico são africanos e, mesmo com o fim do superciclo das commodities, o FMI prevê 4,5% a 6% de expansão em 2015. Um “Davos tropical” reuniu mil especialistas e empresários semana passada na Cidade do Cabo, num sinal de afro-otimismo. No mesmo clima, os 54 países do continente começarão a tentar construir um espaço de livre comercio, um projeto ambicioso mas nada fácil — só para comparar, a União Europeia começou com seis países e ao crescer para os 28 atuais entrou em uma crise permanente.
“É a vez de a África passar por seus “30 gloriosos anos”, repetindo o crescimento que a Europa viveu do fim da Segunda Guerra Mundial até 1975 e os 30 gloriosos da China entre 78 e 2008”, diz um relatório do grupo Mazars.
Se não der certo, será ruim para o mundo todo, no século XXI não existem ilhas de paz e prosperidade. O atual fluxo de imigrantes em direção à Europa é sintoma dessa outra África, a das tragédias. “Nós , europeus, vivemos em condições razoáveis, uma parte dos africanos enfrenta condições desesperadas, é natural que haja aumento dos imigrantes”, diz o professor de sociologia em Sciences Po Ettore Rechi.
A África está partida. Enquanto o Google e a General Electric investem milhões em operações no Quênia, os militantes da al-Shabaab aterrorizam as mulheres do outro lado da fronteira para estabelecer um califado do seculo XVII. O mesmo pesadelo vive a Nigéria, dividida entre a modernização e crescimento acelerados no Sul maravilha e a barbárie imposta à região Norte/Nordeste pela franquia africana do Estado Islâmico. No mesmo momento em que o recém-eleito presidente da Nigéria, Muhammadu Buhrari fazia seu primeiro tour internacional para se apresentar aos líderes ocidentais, o Conselho de Direitos Humanos da ONU lançava um alerta para o “quadro de puro terror” desenhado por nigerianos que conseguiram escapar da barbárie do Boko Haram e das forças armadas tão violentas quanto os jihadistas. “Testemunhas descrevem cenas pavorosas: crianças–bomba usadas para atacar civis, um homem morto a pedradas por que fez sexo, pessoas de mãos e pés amarrados jogadas nos rios. Numa pequena cidade conquistada, os militantes do Boko Haram reuniram os moradores e exigiram que rezassem com eles mas, terminadas as orações, todos foram executados. São horríveis atos de crueldade e violência”, escandaliza-se o alto comissário de Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al-Hussein.
É difícil não se indignar. Com 77 milhões de usuários da internet, uma nova geração de nigerianos não tem mais medo de confrontar os líderes que passaram anos fingindo não ver a tragédia da África. Apesar de tudo, um vento de esperança sopra no continente.
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Helena Celestino, do Globo