Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Um tiro no pé

Último dia de maio. Abro o jornal e leio na primeira página do mais antigo jornal do Distrito Federal uma manchete que alega que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tem conhecimento das operações do ex-ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, noventa dias atrás. O título da matéria diz tudo: ‘Abin já vigiava as contas de Rondeau’.

Na tarde do mesmo dia, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSIPR) informou, em nota à imprensa, que ‘o ministro-chefe do GSIPR não solicitou, nem a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) realizou, tais investigações, carecendo de fundamento, desse modo, as informações veiculadas pelo jornal’ e ainda que ‘a Abin, órgão vinculado ao GSIPR, tem suas atividades voltadas exclusivamente para produção de conhecimentos relativos à segurança da sociedade e do Estado brasileiro’.

Ora, que curioso. Se fosse publicada informação inverídica sobre mim na primeira página de um jornal qualquer, eu tomaria todas as medidas jurídicas possíveis, iria à imprensa, enfim, não aceitaria tal atitude para comigo. Num veículo de repercussão nacional, minha indignação e ações legais seriam ainda mais drásticas. Agora, imagine você, quando uma matéria atinge diretamente o Gabinete de Segurança Institucional de nosso país… E a atitude deles, estranhamente, limita-se, a uma nota curta que não informa que atitudes serão tomadas em relação à informação improcedente.

Sem acesso às informações

O nome do citado jornal é uma homenagem ao periódico homônimo fundado em 1808 por José Hipólito da Costa, em Londres. Mais tarde, em 1960, Assis Chateubriand deu este título ao primeiro diário da então recém-inaugurada Brasília. Muitos colegas meus seriíssimos trabalham lá. Custo a crer que os editores do Correio Braziliense ‘deram uma barrigada’, como se diz no jargão jornalístico quando se publica uma inverdade.

Certa vez, quando Ricardo Noblat era ainda o diretor de redação daquele veículo, assumiu uma capa que vem sendo estudada nas universidades de jornalismo pela coragem e ética, ao publicar em letras garrafais um ‘ERRAMOS’. De lá para cá, não tenho visto erro algum dessa monta oriundo do Correio. Por essas e outras, sem saber com quem paira a razão – se é que ela existe para um só lado da moeda –, divido algumas inquietações com o cidadão comum que quiser e puder perder alguns parcos minutos para pensar (e como parece que pensar cansa, no Brasil…).

Em primeiro lugar, no primeiro parágrafo da matéria, diz-se que ‘documentos obtidos pelo Correio (…)’ Bem, coincidentemente, no mesmo dia da suposta apuração e acesso aos documentos pelo periódico, Silas Rondeau foi ouvido pela ministra responsável pelas investigações, Eliane Calmon. Tudo indica que a magistrada não teve acesso às tais informações com a mesma celeridade que o jornal, tendo possivelmente, à oitiva, faltado dados para tanto. O que ainda é oportuno para que a valorosa ministra requisite as informações.

Muy amigos

Em segundo lugar, na mesma matéria são citados dados bancários e telefônicos de Silas Rondeau em detalhes minuciosos… Será que o Correio Braziliense quebrou tais sigilos? Ou a própria Abin? Pelo que se sabe, toda e qualquer escuta telefônica e quebra de sigilo bancário tem que ser feita por meio de autorização judicial. Não se tem conhecimento de que tenha havido qualquer liberação nesse sentido. Se para investigar uma pessoa pública, tais princípios possam ter sido desrespeitados, imagine se fosse comigo ou com você que lê, cidadão comum… Quem for o culpado por tais quebras, terá ferido os direitos fundamentais do cidadão, previstos na Constituição Brasileira.

Caso o Correio comprove que recebeu os documentos da Agência, ainda na mesma matéria alega-se que o Planalto tinha conhecimento da investigação e de seus resultados e, mesmo assim, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva concedeu entrevista afirmando acreditar na inocência de seu ministro.

Aqui, cabe novo refletir. Ao Gabinete de Segurança Institucional (GSIPR) cabe a responsabilidade legal, ao receber as informações da ABIN, de repassá-las ao dignatário maior da nação e, dessa forma, muni-lo de ferramentas informacionais suficientes para que ele possa evitar defender ou acusar a quem quer que seja com a maior certeza possível. Tudo indica que quem ocupa o cargo, parece estar contra o presidente ao submetê-lo constantemente a retratações. Muy amigos

Mais ações ‘com inteligência’

Outra hipótese que também me ocorre é de que há rumores que afirmam que ambos os dirigentes que ocupam os cargos superiores do GSIPR e da Abin estão por um fio para perderem seus empregos. Por isso, é no mínimo curioso que, de abril para cá, apareçam manchetes enaltecendo ações da Abin. Houve uma matéria sobre um lutador de jiu-jitsu como alvo da Al-Qaida, em um jornal do Rio, e agora essa desse periódico de Brasília. Seria possível suspeitar da montagem de um relatório de investigação feito às pressas, para aproveitar o calor da discussão midiática, e conseguir, assim, uma autopromoção que possa ajudar na manutenção de cargos por supostas competências…

Também acho válido citar trecho de matéria publicada na Folha de S. Paulo (4/8/2005), que dizia que ‘ex-integrante do serviço de espionagem da ditadura militar, Márcio Paulo Busanelli foi escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para substituir Mauro Marcelo de Lima e Silva na direção-geral da Abin. Seu nome – indicado pelo ministro-chefe do GSI da Presidência, general Jorge Félix – já enfrenta resistência de setores do governo e movimentos e entidades ligados aos direitos humanos(…)’.

Bem, pelo visto, desde antes de assumir, a nova diretoria da Abin já vem enfrentando percalços… Levantando espaços para questionamentos de jornalistas, pensadores políticos, dos cidadãos mais atentos, enfim, que poderiam questionar o descuido com a atividade de investigação. Falamos aqui de atividade de inteligência do Estado. E por ele há que ser ter zelo. Em nome de quem ocupa os cargos – os quais, em ultima instância, foram escolhidos pelos políticos que nós colocamos no poder.

Eleitor ou não do presidente Lula, ressinto-me de tais discrepâncias. E, enquanto cidadão, deixo as perguntas e torço por mais ações afirmativas e com inteligência. De verdade…

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Jornalista, escritor e pós-graduando em Assessoria em Comunicação Pública