A disputa entre os chefes de Estado da Venezuela e da Espanha não merece a atenção que lhe foi dada pela mídia e pelo público.
Quando chegaram ao litoral da porção de terras que seria chamada Venezuela, os exploradores espanhóis depararam com uma curiosa cidade primitiva. As taperas indígenas, que eram erguidas em estacas sobre um mangue, lembravam a cidade de Veneza. Daí, terem denominado o local Venezuela, que quer dizer ‘Veneza pequena’.
Desde então, pouco mudou na Venezuela. O país de Hugo Chávez é basicamente um ajuntamento de milhões de taperas em torno de alguns poços de petróleo e dos imponentes prédios comerciais do centro da capital. Chávez, que poderia melhorar a situação educacional dos venezuelanos, prefere gastar bilhões de dólares em armamentos. Como um bom militar concebeu um socialismo que se baseia em dois pressupostos: o culto da personalidade do líder e a propaganda dos feitos do regime. Stalin certamente aplaudiria seu fiel seguidor sul-americano.
A Espanha já foi uma potência mundial. Mas desde a derrota da Invencível Armada só tem colecionado fracassos e derrotas. Foi invadida pelas tropas napoleônicas, perdeu as colônias no Novo Mundo, passou por uma guerra civil que arrasou sua economia e aceitou a paralisia administrativa, econômica e política por 40 anos, sob um ditador cruel, um militar boçal que se dizia o baluarte do catolicismo mas venceu seus inimigos comandando tropas compostas basicamente por muçulmanos da porção espanhola do Marrocos. Mesmo tendo se livrado dos resquícios do franquismo, a Espanha monárquica de hoje está longe de ter recuperado a majestade dos séculos 15 e 16.
Guerra de palavras
A disputa entre Chávez e o rei Juan Carlos, portanto, não merecia o destaque que teve. Afinal, quem são os contendores? Chávez, um militar que acha que está no quartel a falar com os subordinados onde quer que esteja. Juan Carlos, o herdeiro de uma casa real que já foi importante, mas que comanda uma potência-de-faz-de-conta. Quando o militar neo-stalinista e o aristocrata falido bateram boca, a platéia deveria dar as costas a ambos.
Sem o petróleo, a ‘Veneza pequena’ de Chávez não teria dinheiro nem para comprar armas. Com o petróleo da ex-colônia, a Espanha até que poderia se dizer algo mais que uma impotência européia.
A irrelevância do ‘bate-boca verbal’ entre Chávez e Juan Carlos só foi superada pela boçalidade da mídia. Sem ter o que noticiar, os jornalistas cavaram trincheiras conceituais ao lado de um ou de outro e partiram para uma verdadeira guerra de palavras, como se a questão fosse de alta política. Não é. Nem Chávez, nem Juan Carlos têm as cartas que vão decidir os destinos da América Latina ou do planeta nas próximas décadas. Felizmente.
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Advogado, Osasco, SP