O ex-deputado e ex-senador Artur da Távola faleceu na última sexta-feira, dia 9, no Rio de Janeiro. Por coincidência, 20 anos atrás, exatamente em maio de 1988, travou-se na Assembléia Nacional Constituinte uma batalha em torno da regulação das comunicações no Brasil que teve no então ex-deputado do PMDB um de seus mais importantes personagens.
Na subcomissão, que incluiu a Comunicação entre os seus temas, o segundo Relatório Final da ex-deputada Cristina Tavares (já falecida) havia sido derrotado depois de uma série interminável de manobras da chamada ‘bancada da comunicação’. Nas comissões temáticas, a comunicação ficou ao lado de outros temas cujo debate já estava radicalizado: família e educação. Mesmo assim, seu relator, Artur da Távola, além de inovar, tentou recuperar parte do relatório que havia sido derrotado na subcomissão. Obteve sucesso em alguns pontos, foi derrotado e negociou em outros.
Na verdade, a ‘Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação’ foi a única de toda a Constituinte que não teve um relatório final enviado à Comissão de Sistematização. Não foi possível votá-lo, mesmo com as concessões finais feitas pelo relator. E os pontos de discórdia eram, sobretudo, na regulação da comunicação. Os interesses dos concessionários de radiodifusão, hoje como vinte anos atrás, eram poderosos e, quase sempre, conseguiram prevalecer.
BBC e PBS como modelos
Foi Artur da Távola quem introduziu na Constituinte a idéia da ‘complementaridade’ entre os sistemas privado, público e estatal como princípio a ser obedecido nas outorgas e renovações de concessões de radiodifusão. Ele acreditava que ‘uma democracia não possui apenas o capital e o Estado como instituições sociais’ e que certamente era necessário corrigir a distorção existente no Brasil, onde 95% das emissoras de rádio e televisão estavam sob controle da iniciativa privada e os 5% restantes na mão do Estado. Desta forma, acreditava que haveria lugar para um sistema ‘organizado por instituições da sociedade e que funcionasse independente do Estado e do capital’. A referência de sistema público por ele adotada incluía a experiência da BBC na Inglaterra, do PBS nos Estados Unidos e do Chile anterior a Pinochet, no qual as concessões de radiodifusão eram outorgadas exclusivamente às universidades. Sobretudo, ‘a diferença fundamental entre o estatal e o público não está propriamente na fonte de recursos, mas no controle das emissoras’, argumentava ele.
Artur da Távola também acreditava que as concessões de radiodifusão deveriam ser da competência de um órgão regulador nos moldes da Comissão Federal de Comunicações (FCC) norte-americana.
Este foi o ponto mais controvertido dos debates, tanto na subcomissão como na comissão temáticas. No segundo anteprojeto de relatório final, diante da impossibilidade política de aprovação da proposta original, Artur da Távola acabou transformando o Conselho Nacional de Comunicação em órgão que deveria ser apenas ouvido por ocasião das outorgas feitas pelo Poder Executivo e aprovadas pelo Congresso Nacional. Essa alteração, num ponto fundamental, custou-lhe a oposição de membros do próprio PMDB, inclusive da deputada Cristina Tavares, relatora derrotada na subcomissão. No anteprojeto final da Comissão de Sistematização que se transformou em texto constitucional, como sabemos, o próprio Conselho de Comunicação se tornou órgão auxiliar do Congresso Nacional – na prática, sem qualquer poder de regulação.
Conselho de Comunicação Social
Outro ponto pelo qual Artur da Távola batalhou e, no entanto, foi derrotado, diz respeito à impossibilidade de deputados e senadores, no exercício do mandato, serem beneficiados com outorgas de concessões de radiodifusão. A Emenda por ele apresentada ao capítulo do Poder Legislativo foi derrotada em plenário por larga margem de votos. Até hoje essa é uma questão não resolvida, fonte principal da manutenção do ‘coronelismo eletrônico’ como prática de barganha política em nosso país.
Esses não foram os únicos méritos da atuação de Artur da Távola como deputado Constituinte de 87/88 e nem a Constituinte, por óbvio, foi o único espaço da imensa e importante contribuição que ele deu, ao longo de sua vida, para a comunicação no Brasil.
O registro específico, no entanto, é necessário pelas conseqüências de longo prazo que ele foi capaz de produzir nas políticas públicas do setor. Não fosse por sua insistência, não teríamos um Conselho de Comunicação Social, mesmo apenas como órgão auxiliar do Congresso Nacional. E não fosse o conceito de ‘complementaridade dos sistemas privado, publico e estatal’, a recente criação da TV Brasil não teria sido sequer possível.
Artur da Távola é um nome que deve ser sempre celebrado por aqueles que lutam pela consolidação do direito à comunicação no Brasil.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)