Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma abordagem fora de foco

A reportagem de Veja ‘Aula cronometrada’ (13/6/2010) defende a prática adotada em alguns estados do Brasil – Minas Gerais, Pernambuco e Rio de Janeiro – de cronometrar as aulas com o objetivo de saber o que acontece nas salas do país. Também cita exemplos de escolas estadunidenses, onde as aulas são filmadas, até como recurso de correção do trabalho supostamente equivocado de professores. Além da presença de elementos recorrentes do semanário da editora Abril sobre a educação, o preconceito costumeiro, a matéria ainda aborda a temática de forma desfocada.

Sobre a pesquisa elaborada por meio de um ‘rigoroso método científico’, ‘(…) profissionais, em geral das próprias redes de ensino, já percorreram 400 escolas públicas no país (…). Em Minas (…), os cronômetros expuseram um fato espantoso: com aulas monótonas baseadas na velha lousa, um terço do tempo se esvai com a indisciplina e a desatenção dos alunos. Equivale a 56 dias inteiros perdidos num só ano letivo’. O texto sugere que a indisciplina e a desatenção dos alunos são devidas às aulas monótonas, acenando pela responsabilização apenas dos professores.

Além de citar especialistas que afirmam ser um grande avanço cronometrar as aulas, o texto ainda remete a um exemplo dos Estados Unidos: ‘Os americanos chegam a filmar as aulas. O material é até submetido aos professores, que são confrontados com suas falhas e insucessos. Das visitas que fez a escolas nos Estados Unidos, o pedagogo Doug Lemov depreendeu algo que a breve experiência brasileira já sinaliza: `Os professores perdem tempo demais com assuntos irrelevantes e se revelam incapazes de atrair a atenção de alunos repletos de estímulos e inseridos na era digital´.’ Vemos acima a utilização da fala de um pedagogo que qualifica os professores como ‘incapazes’ de atrair a atenção dos alunos.

Nem uma palavra sobre condições de trabalho

Uma pesquisa para saber o que acontece em sala de aula talvez tivesse mais relevância se os educadores tivessem condições razoáveis de exercer sua profissão. Uma situação que não é levada em conta na reportagem. Para Veja, é mais fácil difundir e elogiar o ‘método já aplicado em países de bom ensino’ que atentar para levantamentos que podem revelar a situação da educação no país, como acontece em ‘Falta de estrutura nas escolas’, Correio Braziliense, 29 de junho de2010. A matéria alude a uma auditoria do Tribunal de Contas do Distrito Federal, na qual 72,6% de um universo de 45 colégios públicos avaliados em 2009 não tinham condições satisfatórias de atender às necessidades dos alunos. É muito provável que no restante do país hajam casos piores.

Também não se encontram em Veja reflexões como as encontradas em ‘Educação tipo fast food‘, Gazeta do povo, 29 de junho de2010. Estas apontam que vivemos numa época em que uma sociedade por demais permissiva delegou à escola inclusive funções que cabiam à família, como valores, respeito e limites. Ou então, diante da falha da escola na alfabetização dos alunos, que o governo crie alavancas que permitam a estes ascender nos ciclos ou séries sem o cumprimento de requisitos que outrora eram básicos, a exemplo do aprendizado. Embora os argumentos sejam discutíveis, ao menos o veículo os trouxe à tona.

Na abordagem usual de Veja, além da receita certa para o Brasil, no que diz respeito à educação, passar pela imitação do que acontece em países de bom ensino, se valorizam as práticas que ignoram as condições do sistema educacional brasileiro. Será mero acaso que o método de observação foi adotado primeiro no governo peessedebista mineiro, que após duas gestões vai deixar a educação do estado em frangalhos?

Assim, cronometrar ou filmar o que acontece em salas de aula aparece como prática digna de elogio. Entretanto, nenhuma palavra na matéria de Veja é dedicada à quantidade de alunos por turma ou à carga de trabalho ou em quantas escolas trabalha cada docente. Resta saber se estes aspectos são levados em conta pelos observadores com seus cronômetros.

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Professor de História, Ponta Grossa, PR