‘Vivemos a era da informação.’ Esta é uma frase que está presente frequentemente em entrevistas, encartes publicitários, matérias de jornal e de televisão. No entanto, a pergunta que se deve fazer diante desta inegável afirmação é: que tipo de informação estamos recebendo?
De acordo com Guy Debord, autor do livro A Sociedade do Espetáculo, o modelo atual da vida dominante na sociedade ocidental é o do espetáculo. É ele que está presente na propaganda, na informação, no consumo direto de divertimentos, na política etc. Essa representação está intermediando a vida. Dentro deste modelo, a imagem ganhou o poder de explicar a realidade para as pessoas. O capitalismo moderno produziu tamanha alienação nas classes trabalhadoras (formais e informais) que ficou fácil substituir a informação referente aos fatos por imagens que ‘explicam’ a dinâmica social para as pessoas.
Esta ‘explicação’ da dinâmica social, ou seja, esta visão parcial da realidade revestida de verdade, no entanto, vem carregada de estereótipos e preconceitos, visualizados em alguns trabalhos de fotojornalismo em jornais impressos. Autores como Woodburn, Miller, Garcia e Blackhood afirmam que as fotografias jornalísticas atraem mais a atenção do que o texto e podem ser percebidas mesmo quando o texto acompanhante é pouco lido ou nem é lido. ‘Muitas vezes, os leitores obtêm as suas primeiras impressões de uma história olhando para as fotografias’ (SOUZA, 2000). O apelo à curiosidade mórbida do público é um ponto de atração utilizado nas fotos das páginas policiais. As imagens são construídas com uma tônica sensacionalista que, às vezes, beira o grotesco. Pela produção e publicação de signos, imagens, subjetividades, pela sugestão de um real, produzem poderosas e eficientes formas de ser e de estar no mundo; forjam existências, vidas, bandidos, mocinhos, heróis e vilões.
O que pensar, sentir e como agir
Em 1877, pela primeira vez no Brasil, a ilustração de uma revista de notícias reflete os problemas sociais do país. Duas ilustrações de Raphael A. Bordallo Pinheiro, copiadas das fotografias de José do Patrocínio, são publicadas em O Besouro. Os desenhos retratam duas crianças desnutridas, esqueléticas, que traduzem o problema da seca e da fome no Ceará.
O Brasil nunca esteve livre das marcas do conflito e da violência gerados pela enorme diferença sociocultural, pelo passado escravocrata e pelas políticas autoritárias. A partir da década de 80, o tema ganha espaço nos noticiários. De lá para cá, os níveis de desigualdade contribuíram para o aumento da intensidade de notícias sobre o assunto.
A elevação desses índices foi acompanhada, nos últimos anos, pela ênfase na cobertura jornalística e também por um maior debate sobre suas origens e consequências. Narrados pela mídia, os episódios de violência podem provocar reações fortes nas pessoas. Os meios de comunicação de massa, como se sabe, são produtores de consenso.
A mídia é atualmente uma das formas mais importantes de produzir esquemas dominantes de significação, produzir emoções e interpretação do mundo. Ela nos indica o que pensar, o que sentir e como agir. Com este contínuo processo de construção de modelos de racionalidade, de justiça e de beleza, os meios de comunicação de massa produzem formas de existir que nos indicam como nos relacionar; enfim, como ser e viver.
Informação rápida e ‘eficiente’
A busca desenfreada pela comercialização dos impressos faz com que se perca o cuidado com o conteúdo disponibilizado. Uma das formas de atrair consumidores é a espetacularização dos fatos. E a fotografia é uma forte ferramenta de atração, dado o poder da imagem associado ao pouco tempo disponibilizado pelas pessoas para a leitura de uma notícia. O espetáculo, a estética do rebaixamento e a estereotipização são ferramentas bastante utilizadas que contribuem para o fortalecimento da dissociação da realidade.O discurso das mídias impressas, utilizando a fotografia, é o de reconstruir a ideia de espelho da realidade. As cenas chocantes trariam os homens à reflexão. Entretanto, o bombardeio de informações corresponde a uma obsessão pela violência que desvirtua e oferece cada vez mais imagens sensacionalistas.
A fotografia transformou-se numa forma de se obter a informação de uma maneira rápida e ‘eficiente’. Entretanto, para se ter um conhecimento mais aprofundado sobre determinado assunto, a imagem deveria vir acompanhada de um texto que ajudasse o leitor a fazer uma relação de compreensão sobre o tema. Ou seja, a foto ‘descreve’ o ocorrido, mas se o leitor não tiver informações básicas sobre o assunto, ela não cumprirá seu papel de, ‘teoricamente’, complementar, ilustrar.
Fuga da realidade
É fundamental conhecer o processo de produção de uma imagem. O momento e as circunstâncias também. Ambos podem ser naturais ou artificiais. A expressão do rosto de uma pessoa pode revelar agressividade proveniente de sua natureza ou pode ser fruto de repressão, por exemplo. Kossoy explica que existem muitas possibilidades de manipulação de uma imagem nos meios de comunicação impressa, desde o título, a legenda e os textos que as acompanham até a forma como são diagramadas.
Ou seja, a paixão pelo real é ‘desmascarada’ como, na verdade, paixão pela imagem, pelo semblante. A implacável busca do ‘real’ que há por trás das aparências é a forma definitiva para evitar o confronto com ele (com uma realidade complexa, com problemas de ordem social, econômica e política). A fixação pelas imagens produzidas pela mídia não traduz uma preocupação da sociedade com a sua realidade concreta, mas sim, com um desejo de fugir dela.
A leitura da notícia excepcional, grotesca, violenta (que, atualmente, parece banal) permite ao leitor a liberação dos sentimentos de medo, fatalidade, maldade, violação de leis e tabus. Esta leitura transforma-se numa fuga da realidade, da monotonia do cotidiano, sem emoções trágicas, sem preocupações reais. Talvez por este motivo, a página policial dos jornais, no geral, seja uma das mais procuradas.
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Jornalista, Salvador, BA