Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Uma lei para os novos serviços de TV por assinatura

Nada menos que uma lei. E nesta lei, nada menos que os avanços já contemplados na Lei do Cabo (8.977/95) e garantia do conteúdo. Para Juliano Maurício de Carvalho, qualquer normativa jurídica formal diferente de uma Lei Ordinária não pode ser aceita quando se pensa em receber novos agentes na prestação de serviços de TV por assinatura no Brasil. No cenário da convergência, se as plataformas ‘conversam’ entre si, então a lógica é a de que as regras sejam iguais, incluindo a participação da sociedade.

Nesta entrevista do mês, o e-Fórum conversou com o jornalista Juliano Maurício de Carvalho – doutor em Comunicação Social, mestre em Ciência Política, vice-coordenador do Curso de Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), além de membro do Conselho Deliberativo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) – sobre a regulamentação dos serviços de TV por assinatura no Brasil.

O tema surge em função do anúncio sobre uma nova licença para serviços de TV por assinatura que está sendo estudada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Juliano defende que antes de o governo tomar qualquer decisão, seja discutida e criada uma legislação que possa incluir nas novas plataformas de serviços em audiovisual ‘todo mundo que sempre quis estar e nunca esteve nesta convergência’. Leia a seguir:

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Qual é o cenário, hoje, da regulamentação dos serviços de TV por assinatura no Brasil?

Juliano Carvalho – Há uma distorção. Sempre foi uma grande incoerência termos uma regulação explícita, detalhada, notadamente com os canais de acesso público, os direitos do usuário (assinante) e o princípio de participação da sociedade, que são defendidos na Lei do Cabo, e nunca termos estendido isso às outras tecnologias. Quem tem cabo, recebe os canais da cidade, quem tem por outra tecnologia não recebe.

A Lei do Cabo foi uma grande conquista, e é, sem dúvida, a melhor legislação de TV por assinatura que nós temos no mundo. Por outro lado, nós nunca conseguimos no regulamento do MMDS nem na portaria do DTH resolver este problema. Hoje, qualquer legislação terá que dialogar com as outras plataformas digitais, por exemplo, com a internet. No cabo, a gente tinha uma estrutura física, cujo limite é o município. Nós tínhamos um momento histórico no Brasil, em 1994. Hoje, o cenário é muito distinto, a tecnologia evoluiu e nós não pensávamos em fazer a TV a cabo conversar tão nitidamente com a internet como nós fazemos hoje com a tecnologia.

A Anatel está propondo um grupo para discutir uma padronização para esse serviço. Isso é positivo?

J.C. – Perfeito. É função da Anatel fazer também esse trabalho. A questão é como a Anatel conduzirá esse processo. Temos que discutir quem pode participar deste grupo e qual o critério para participação da sociedade. Muito embora possa estar assegurada a participação deste debate, que a Anatel chama de técnico, como é que se dará o processo para legitimar o processo que a Anatel vai elaborar. Haverá audiência ou consulta pública?

Se pegarmos o exemplo do grupo gestor da TV Digital, a composição com a sociedade civil estava boa, mas o processo decisório estava equivocado. Assim, uma vez que as propostas estejam consolidadas, como a Anatel encaminhará isso para a regulação? Isso não pode ser uma normatização inferior à lei ordinária? Vai desembocar numa proposta que será encaminhada ao ministério, ou vai baixar uma resolução?

Na minha opinião, duas coisas têm que orientar esse novo serviço: primeiro, que seja via lei ordinária, porque a força de uma lei é diferente de uma portaria da Anatel, porexemplo, caso o governo escolha essa opção. Segundo, que a Anatel faça a proposta, mas não regule. Que isso seja uma regulação do Estado, do Congresso Nacional, e não de órgão regulador. O que está se desenhando é que possa vir uma regulação muito moderna, mas na forma de uma portaria na Anatel.

Neste caso, qual seria o problema?

J.C. – O problema disso é que se trocar a direção da Anatel, pode trocar a norma, ou fazerem emendas ‘ao apagar das luzes’, em qualquer momento, como nós já vimos em diversos momentos da história. Se pegarmos a portaria que antecedeu a Lei do cabo, ela foi no apagar das luzes do governo Sarney. A portaria que regulamentou TV por assinatura por VHS, que foi a primeira modalidade de TV por assinatura, também foi ao apagar das luzes do governo Sarney, quando o ACM era ministro das Comunicações.

O problema, se deixar acontecer por regulamento, portaria, resolução, independente do órgão – se ministério ou Anatel – isso pode ser alterado a qualquer momento sem nenhum outro critério que não seja o de atender aos interesses políticos de quem está naquela função.

Então, nós queremos assegurar aquilo que foi conquistado na Lei do Cabo, porque, na visão do FNDC, ela é modelo. Notadamente nos aspectos de assegurar os canais públicos, inclusive com ampliação para outros que vieram depois, e assegurar os direitos do usuário. Depois, os outros princípios, de envolver o Conselho de Comunicação Social, a participação da sociedade, eu acho que vai depender muito mais do espaço regulatório do que estar no texto da lei. No momento atual, esse texto tem que ser enxuto, e a sociedade tem que ser ouvida na elaboração da legislação, da regulação.

Essa discussão deve ser feita previamente, então.

J.C. – O FNDC sempre criticou o que chama de ‘situação de fato’, que é quando os empresários montam os serviços, e depois é que vem a lei, então eles entram sem concorrência nenhuma. O que está acontecendo agora, é que embora existam operadoras de TV por assinatura, existem vários serviços que ainda não estão regulamentando ou ainda não existem, mas estão aí propensamente, em função das tecnologias. O órgão regulador, neste caso, é a Anatel, mas o Estado montar um grupo de trabalho para pensar uma melhor proposta não está errado.

O FNDC defende a regulação por conteúdo, o que significa isso?

J.C. – Significa que queremos saber do conteúdo veiculado. Queremos assegurar conteúdo de canal comunitário, direitos do usuário. Não importa qual for a tecnologia, nós temos que assegurar isso. E para fazer isso, temos que mudar a legislação, mas isso não pode significar a perda do que nós já conquistamos na Lei do Cabo. Não é correto que, do ponto de vista regulatório, criemos uma nova legislação que inclua todas as tecnologias e o cabo fique sozinho numa lei, por mais moderna que ela seja. Não faz sentido do ponto de vista regulatório. A partir da lógica da convergência, nós precisamos construir uma lei geral.

A perspectiva de democratização via regulação, que é o que o Fórum defende, tem que pressupor a junção da regulação. A Lei do Cabo é um bom modelo, mas a gente tem que ter proposta além, que discuta inclusive como se pode pensar em direitos do usuário, que canais serão contemplados com essa nova legislação. Por exemplo, como vamos equacionar a questão dos canais comunitários, dos universitários, no caso do satélite?

A questão, para a democratização da comunicação, não é discutir quem vai ter melhor competência, melhor eficácia, melhor proposta de negócio para esse mercado, quem vai engolir quem. O foco, para nós, é democratizar o conteúdo. As empresas de telefonia, os radiodifusores, as operadoras de TV por assinatura são forças econômicas muito distintas e, prestando o mesmo serviço, a médio e longo prazo, isso pode significar um enfrentamento desigual do ponto de vista do mercado audiovisual brasileiro.

A entrada das Teles no serviço de TV por assinatura inviabiliza o negócio das operadoras que já existem?

J.C. – O problema do enfrentamento desigual no audiovisual brasileiro se resove pensando em toda a cadeia produtiva, com todos os suportes de TV por assinatura sob nova regulação, TV digital com convergência, com Web, Rádio digital. Esse é o nosso argumento econômico. Vai haver uma mudança na cadeia produtiva. Hoje, a audiência que o You Tube tem, a produção caseira de vídeo, vai invertendo o modo de produção do audiovisual. Se a gente não considerar isso, a gente vai fazer a leitura sempre olhando para a Rede Globo, olhando para a Embratel.

A propriedade da Telefônica, da Embratel, assim como a da Rede Globo, não é problema nosso, a não ser no sentido da renovação da concessão. Agora, o que vai trafegar ali interessa à sociedade. Porque aí é que entra a produção de subjetividades, que tem impacto do ponto de vista ético, seja de entretenimento, seja jornalístico, seja o que for. Então, nós temos que mexer na lei das Teles, pra dizer claramente que as operações em telecomunicação, quando trafegam entretenimento e conteúdo – que não seja simplesmente interpessoal, como a conversa ao telefone, ou tráfego de dados meramente comercial ou atendimento de transporte de informações – têm que ser discutido às claras da regulação.

Quando a gente pensa em convergência, qual é a diferença entre telefone e televisão? Nenhuma. As plataformas conversam, então a lógica é que as regras devem ser de participação da sociedade. Se as teles, com seu poderio econômico, querem entrar no negócio, então vamos discutir a Lei Geral de Telecomunicações. Vamos fazer todo o debate de telefonia para tudo o que for transmissão de dados que não envolva só a voz, mas envolva conteúdo, entretenimento. Vamos discutir no âmbito da Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa, ou seja qual o nome que venha ter essa legislação.

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Da Redação FNDC