Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Uma matéria que não informa

O G1, portal de notícias da Rede Globo, divulgou na manhã de segunda-feira (6/6) uma matéria na qual é divulgado que uma adolescente de 14 anos teve convulsões após ingerir vodca juntamente com outros dois menores – que não tiveram as idades reveladas – na cidade de São José do Rio Preto, interior de São Paulo. A bebida teria sido comprada em uma loja de conveniência de um posto de gasolina. No segundo parágrafo da matéria – a qual não é assinada por nenhum repórter – é afirmado que os amigos da garota fugiram “assustados” depois que ela passou mal. O parágrafo ainda registra que, segundo equipes médicas, “se ela não fosse socorrida rapidamente poderia ter morrido”.

No início da matéria é afirmado que ela e os outros dois menores compraram a garrafa da bebida. No entanto, em um trecho do texto é também dito que “ela (…) não teve dificuldade em comprar a garrafa”. Detalhe: não é revelado o dia em que isso ocorreu, nem o horário, e o leitor mais atento fica em dúvida sobre “quem” de fato comprou a garrafa.

Não critico o jornalismo da Globo que, como qualquer outra empresa de comunicação, deve divulgar casos, exemplares, em que é possível propor discussões profícuas sobre temas polêmicos e cotidianos. Neste caso, o consumo de álcool por adolescentes que, na verdade, não é nenhuma novidade. Porém, a matéria do G1 – que também foi postada no portal do jornal O Globo, da mesma empresa, com um tratamento textual um pouco diferente – não sustenta nem mesmo um preceito básico do jornalismo, que é “informar”. Não fica claro, no texto, quem comprou a bebida; em que dia e horário isso ocorreu, assim como o horário em que a menor foi encontrada na rua; quem a socorreu e a levou para a Santa Casa e a quais procedimentos médicos ela foi submetida. Afinal, por que ela teve convulsões?

Venda de bebida a menor é crime

A mãe da menina foi ouvida pela reportagem do G1 e disse que a filha vomitava bastante, estava fraca e que a boca da adolescente espumava. “Não esperava que ela encontrasse acesso tão fácil a bebidas”, disse a mãe ao portal de notícias. O texto reforça a condição de vítima da garota. Caso ela não tivesse passado mal e, segundo a reportagem, “quase morrido”, não mereceria uma linha sequer no noticiário. O assunto também foi exposto no telejornal SPTV, também da Globo.

Esta matéria poderia ser um gancho para que o tema alcoolismo na adolescência fosse discutido pela emissora. Poderiam ter falado com moradores da cidade para que dessem suas opiniões sobre o assunto – assim como usar dados oficias, disponíveis gratuitamente no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para ilustrar a situação do tema em nosso país. A matéria do G1 ainda informa que o atendente do posto será intimado para prestar depoimento, assim como os dois adolescentes que estavam com a garota.

O artigo 81 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe que “é proibida a venda de bebidas alcoólicas e de produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida, à criança e ao adolescente”. O artigo 243 do mesmo Estatuto ainda tipifica como “criminosa a conduta de quem vende, fornece, ministra ou entrega, de qualquer forma, à criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida”.

Exame de corpo de delito

Ou seja, não defendo o vendedor que possibilitou que a adolescente tivesse acesso à garrafa de vodca, assim como os outros dois menores que, certamente, consumiram a bebida, mas não ganharam destaque na matéria pelo simples fato de não passarem mal ou “quase morrerem”. É como afirma uma anedota: quando um cachorro morde uma pessoa, não é notícia, mas quando a pessoa morde o cachorro, sim. Isso ilustra um pouco o que tento salientar neste artigo. A Globo, em seus portais (G1 e O Globo) e na TV, tentou aumentar a condição de vítima da menina, esquecendo que além dela outros dois jovens também se “arriscaram” fazendo a mesma coisa que a menina – e que isso é feito em grande escala em todos os estados de nossa federação. Na matéria televisiva, a garota aparece sentada em uma cadeira falando com a reportagem sobre o que aconteceu – apesar de não se lembrar de nada.

O mais grave nisso tudo é a falta de respeito com o público, que nem mesmo tem o direito de saber o dia em que aconteceu mais um exemplo de um fato que diariamente se repete no mundo (o consumo de álcool por adolescentes). O assunto pode voltar a ser divulgado quando alguém morrer.

O delegado que investiga o caso pediu exame de corpo de delito da menina e vai intimar o gerente da loja de conveniência. O Conselho Tutelar também vai ser acionado para averiguar a responsabilidade da mãe sobre o fato da adolescente ter ingerido bebida alcoólica.