Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma nova mulher

Onde foi parar a mulher que tem filhos pequenos, uma casa para cuidar, um emprego (e não uma carreira de sucesso), uma família com quem convive (sogra, cunhados etc.) e um grupo de amigos com quem se reúne nos fins de semana para jantar e trocar idéias (e não para fazer swing)? Onde foi parar a mulher brasileira que procura se vestir corretamente e sonha em criar os filhos para depois, quem sabe, pensar numa carreira, no dia em que puder deixar de ser a motorista da casa?

Onde foi parar a mulher que se preocupa com o orçamento doméstico, as relações familiares, a realização pessoal? Onde foi parar a mulher que se preocupa com a educação dos filhos e a situação do país? Onde foi parar a mulher que precisa saber o que vestir quando tem um compromisso social ou o que servir quando aparecem visitas em casa?

Esta mulher, que com certeza representa a maioria das brasileiras de classe média, que vive em cidades grandes ou pequenas, que assiste à novela das oito mas também gosta de ler e se manter informada, deve se sentir a maior das excluídas quando vai à banca comprar uma revista feminina. Porque, para a grande maioria das mulheres, o retrato mostrado nas revistas femininas é de um ser muito diferente dela.

Em vez de falar com a brasileira média, as revistas femininas parecem ter optado por um outro público: a mulher solteira que fez carreira, chegou aos 30 anos, tem gostos sofisticados e um comportamento liberado, embora ainda sonhe com um casamento e a maternidade. Mulheres como Bridget Jones ou as liberadas e sofisticadas personagens da série Sex and the city, que vivem na parte mais sofisticada do Primeiro Mundo, no quarteirão mais badalado da Ilha de Manhattan.

Ninguém é de ninguém

E isso fica bem claro até na escolha das personagens entrevistadas ou escolhidas para os depoimentos pelas revistas. De um modo geral, são mulheres que fazem sucesso em sua carreira, ganham bem e, se têm problemas, é de como conseguir tempo livre numa agenda sobrecarregada pelos compromissos profissionais. Mulheres que, na intuição das revistas, só pensam em sexo.

É só conferir a pauta de novembro das revistas femininas para confirmar:

** Em Claudia, o destaque é: ‘A mulher de 30 e o amor. O que está acontecendo com nossas Bridget Jones.’

** Em Nova, as propostas são um pouco mais didáticas: ’69 segredos sexuais dos garotos de programa’ ou ‘O que você está louca para saber: pênis com ou sem capuz’.

** Em Ouse!, o estilo ‘manual’ prático fica mais evidente, em matérias como ‘Caça ao seu tesouro: 51 dicas para você e ele descobrirem, juntos, os pontos mais quentes do seu corpo’ ou o ‘Manual prático da conquista’ e ‘Está sozinha atualmente? OUSE! reuniu truques infalíveis para ganhar aquele cara’.

** Nem mesmo quando a rubrica das revistas é reportagem, o assunto varia. Marie Claire, por exemplo, escolheu como temas: ‘Casais nus: eles revelam o que mais amam no corpo delas’ e ‘Ninguém é de ninguém: descubra o que acontece dentro das casas de swing’.

Sem tempo

As pobres leitoras, que não fazem parte desse universo exclusivo ficam, no mínimo, achando que estão perdendo alguma coisa. Se as revistas só falam de mulheres que conseguiram tudo – carreira, bom salário e liberdade –, onde elas erraram?

Ou será que as revistas estão selecionando seu público, as leitoras com aquele perfil? Será que não precisam mais das pessoas médias, com vidas médias e problemas médios, mas que, além de precisarem das informações e dos serviços de uma boa imprensa feminina, também têm poder aquisitivo para comprar os produtos anunciados nas revistas?

Duvido que mulheres como a aprendiz de mecânica Siara Silva Santiago ou a técnica em segurança de trabalho Fernanda Elisa Polisson (Estado de S. Paulo, 6 de novembro) gastem seu rico dinheirinho para conhecer os problemas existenciais dessas personagens escolhidas por revistas femininas. Elas estão mesmo preocupadas em ganhar espaço num mercado de trabalho dominado pelos homens: na indústria, mulheres ocupam apenas 8% dos cargos. Dificilmente essas mulheres têm tempo para pensar na maquilagem ideal ou em como ficar na moda usando uma calça de boca larga que custa quase um salário mínimo. Mesmo porque não combinaria com o uniforme da fábrica.

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Jornalista