Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma questão de sensibilidade

‘Escova progressiva faz mal? Mata? Dá câncer? Perguntas como essas, sobre as conseqüências do último modismo em alisamento de cabelos, chovem nos consultórios dos dermatologistas, desde a morte de Maria Eni da Silva, 33 anos, na terça-feira. Há suspeitas de que a dona de casa de Porangatu (GO) tenha sido vítima de uma intoxicação por formol, base da escova progressiva.’ [O Estado de S.Paulo, 24/3/2007]

Na mesma matéria, sabe-se:

‘A escova progressiva surgiu por acaso num salão carioca. As manicures costumam adicionar formol às bases para fortalecer as unhas. Até que uma delas teve a idéia de colocar formol na queratina, proteína usada para hidratar o cabelo. A idéia deu certo e virou sucesso de público. Como são fórmulas caseiras, não há como o cliente ter qualquer tipo de controle sobre o que realmente vai na sua cabeça.’

E ficamos sabendo também que, no exterior, a escova progressiva já é um sucesso: ‘Nos Estados Unidos, há até um produto chamado `Brazilian Brushing´, alisamento à base de formol’.

É uma notícia duplamente curiosa. Primeiro, porque mostra que uma manicure descobre uma solução quase mágica para o tratamento de cabelos e ninguém, fora dos salões de beleza, fica sabendo. Fosse nos Estados Unidos – onde a idéia, como se viu, é o maior sucesso –, essa manicure estaria famosa, teria aparecido em programas femininos e em noticiários econômicos. A esta altura, já teria patente do seu produto, que estaria sendo produzido por um laboratório.

Seria, no mínimo, mais uma história de sucesso no país que valoriza a iniciativa privada, a ponto de exportar para o resto do mundo um show de TV chamado American Inventor.

A indústria e as revistas

A notícia é curiosa também porque é preciso morrer uma mulher para que a imprensa divulgue as perguntas que todas estariam se fazendo há muito tempo, se alguém tivesse alertado – como nas matérias divulgadas no domingo (25) – sobre os perigos de usar produtos sem controle, especialmente no couro cabeludo.

Da parte da mídia, porém, o que se vê, nesses casos, são fotos e legendas falando do novo visual das artistas e celebridades que encontraram na escova progressiva o caminho para o look da moda: cabelos lisos e escorridos, tão contrários ao biótipo brasileiro.

Satisfeita em ter assunto – a mudança de visual de celebridades e estrelas rende boas fotos –, a imprensa não se preocupa em alertar suas leitoras para os perigos a que estão sujeitas. Vítimas do desejo de serem diferentes do que são – para o que contam, aliás, com fortíssimo incentivo da mídia –, é preciso que mulheres morram para que os tratamentos de beleza, as dietas milagrosas e produtos sem controle virem assunto.

Mas uma coisa é certa: as matérias que alertam para produtos que fazem mal são assunto por muito pouco tempo. Logo se tornam notícia de ontem e caem no esquecimento, como aconteceu com o distúrbio alimentar que causou a morte da modelo Ana Carolina. A menina foi capa de revista, assunto de jornal e deixou de ser assunto. A doença que causou a morte dela não foi mais discutida na mídia, nem mesmo nas revistas femininas e naquelas voltadas para adolescentes. Essas publicações teriam a obrigação moral de manter campanha permanente, alertando as leitoras, discutindo o assunto.

A única esperança, no caso do formol no cabelo, é que a empresa de cosméticos que fabrica um produto ‘com um máximo de 0,2% de formol’ aproveite a oportunidade para fazer uma campanha de esclarecimento. Então poderemos ter certeza de que a mídia, preocupada com o anunciante, vai entrar com vontade no assunto. Foi preciso uma indústria de cosméticos veicular anúncios valorizando as mulheres de verdade – como gordurinhas e celulite – para que a mídia se sensibilizasse para o tema.

O problema é saber o que é pior: 1) admitir que a indústria mostra uma sensibilidade que os jornalistas não têm; 2) admitir que tudo não passa de uma jogada de marketing que os editores de revistas femininas não percebem e, por isso, acabam jogando o jogo do cliente.

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Jornalista