Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma tragédia e muitas histórias

‘O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem histórias’ – a epígrafe do romance Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro é perfeita e reveladora da narrativa que se desenrola sobre a formação do caráter, pelos embates e conflitos, do povo brasileiro – parece também bastante apropriada, se tomarmos a liberdade de usá-la como síntese no caso do seqüestro em Santo André.

Diante dos fatos, o que parece restar agora são histórias, sem a maestria do romancista, no entanto – histórias ‘midiatizadas’ à exaustão, sob o pretexto da informação (e do Ibope), num embate de versões para o desvelamento dos fatos ‘historicizados’, num presente contínuo, sem a análise criteriosa de toda a dimensão dos acontecimentos.

É importante ressaltar que segundo profissionais do jornalismo (Dines, Vogt & Melo, 1997), a prática midiática deve, em princípio, apurar os fatos, checar as fontes (não somente aceitar declarações oficiais), considerar as versões conflitantes e contrapor opiniões divergentes; tomar uma distância tal que possa ter uma visão geral e, ao mesmo tempo, profunda dos fatos (Gregolin, 2003).

Não que a imprensa não possa ‘contar’ boas histórias sem perder o caráter jornalístico, mas o que se viu neste caso de seqüestro (e suas motivações) foi um foco voltado para o espetacular, principalmente a mídia eletrônica, centrada no ‘indivíduo-espetáculo’, se assim pudermos nomear o tratamento dado ao jovem seqüestrador.

Um longo desenrolar da ‘história’

A seqüência de erros que se sucederam culminou com o trágico desfecho – e a batalha agora se dá no plano dos discursos, impingindo-se responsabilidades a uns e outros, ou se eximindo delas.

A mídia é responsável, sim, pelo tratamento que dispensa ao que se propõe noticiar, uma vez que seu mecanismo de produção de sentido se dá por sínteses-narrativas, num insistente retorno de figuras, de representações que constituem o imaginário social, no estabelecimento de uma identidade coletiva, na constituição do presente (Gregolin, 2003). Mas não parece haver uma reflexão acerca desse presente senão a sucessão de imagens em tempo real que nos daria a impressão de viver o real, quase como uma condenação.

Exigir um pouco de criticidade seria o mínimo esperado, inclusive uma ponderação ética, a fim de se extraírem lições sobre os limites do jornalismo, bem como sobre a maneira como o poder público lida com situações extremas (ou tornadas extremas) e suas conseqüências para a sociedade.

Mas certamente haverá um longo desenrolar desta ‘história’, e de muitas outras que virão – espera-se que de forma menos ‘espetacular’ e mais responsável.

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Funcionário público, Jaú, SP