Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Uma baderna organizada

O leitor que abriu qualquer um dos grandes jornais na quarta-feira (21/5) pode facilmente concluir que o Brasil não chega até o fim do ano. A impressão que passa o noticiário é a de que a anarquia está solta nas ruas, as instituições perderam o sentido e desapareceram os vínculos que mantêm coesa uma sociedade.

O noticiário tem como carro-chefe uma greve-surpresa de motoristas de ônibus em São Paulo, deflagrada logo após o anúncio de um acordo entre o sindicato e as empresas e levada a efeito em uma série de ações claramente planejadas para provocar o caos na maior cidade do país.

Tudo teria começado com uma dissidência do sindicato, conforme afirma a imprensa? Difícil acreditar que uma articulação tão eficiente tenha brotado de maneira espontânea, mobilizando grupos de ativistas para os pontos onde suas ações iriam provocar o maior estrago possível. A paralisação simultânea de mais de uma dezena de terminais, o assédio e bloqueio de centenas de ônibus nas artérias mais importantes, de onde se pode paralisar praticamente todo o trânsito da cidade, não foram iniciativas isoladas.

Os jornais compram a ideia de que tudo se resume a uma disputa entre candidatos a líderes da categoria dos motoristas. Os dissidentes, responsabilizados pelo imenso transtorno que afetou cerca de 300 mil cidadãos, seriam todos empregados de uma mesma empresa e teriam sido derrotados na última eleição para a diretoria do sindicato.

A imprensa não se interessou em saber que grupo político eles representam, uma vez que, como se sabe, as entidades de classe são disputadas por facções ligadas a centrais sindicais, que por sua vez servem de massa de manobra para partidos políticos.

Não há hipótese de que a tática extremamente eficaz, que provocou filas de ônibus em pontos cruciais da cidade, muitos com pneus furados ou com as chaves arrancadas ou quebradas, tenha sido decidida no momento. A baderna foi organizada demais para ser aceita como uma explosão súbita de descontentamento, mas a imprensa comprou essa versão.

Deu a louca no ministro

Também se pode colher nos jornais um punhado de decisões judiciais que transferem a ideia do caos para uma instituição que deveria representar o poder moderador na República: se levar em conta apenas o que diz o noticiário de quarta-feira, o cidadão vai achar que a Justiça entrou em pane.

O rol das trapalhadas começa com o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, ordenando a soltura de todos os indiciados na chamada Operação Lava-Jato e logo em seguida voltando atrás, alertado por um juiz do Paraná de que alguns dos acusados poderiam aproveitar a liberalidade para fugir do país.

Há também uma decisão estabelecendo o sigilo sobre operações da Polícia Federal envolvendo toda a cúpula do governo de Mato Grosso, incluindo o governador, ex-governador, senadores, deputados e empresários, em investigação sobre lavagem de dinheiro. A iniciativa de blindar as informações foi do procurador-geral da República, acatada pelo ministro do STF José Antônio Dias Toffoli.

Entra no pacote das notícias que causam estranhamento a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que provocou novo ponto de atrito com o Poder Executivo ao atuar em favor de uma Proposta de Emenda Constitucional que transforma em letra morta o limite legal para o teto de vencimentos de servidores públicos. Barbosa quer ver aprovada a criação de um adicional por tempo de serviço de 5%, aplicável a cada cinco anos, sobre os vencimentos de todos o magistrados brasileiros, além dos integrantes do Ministério Público federal e Estadual. Tudo isso, claro, na melhor das intenções corporativistas.

Como o benefício teria efeito retroativo, o aumento pode ser estendido aos servidores aposentados e pensionistas do sistema judiciário, produzindo uma bola de neve capaz de causar imensos transtornos ao Tesouro. Com base na mesma norma, muitas outras categorias profissionais poderiam requerer isonomia, o que tornaria impossível manter o planejamento de gastos públicos já a partir deste ano e levaria riscos à governabilidade.

O leitor que se debruçar sobre as páginas dos jornais vai chegar à conclusão de que deu a louca em sua Excelência, mas sua Excelência é aquilo que é.