Nos dias 13/06 e 02/07 foram designados dois novos cargos de ombudsman na imprensa brasileira: IG e UOL atribuíram à função aos jornalistas Mario Vitor Santos – que antes já havia exercido o mesmo cargo no impresso Folha de S. Paulo – e Tereza Rangel, funcionária da UOL desde 1999. Ocupando-se de uma área pouco explorada no Brasil, o cargo de web ombudsman tem uma relação nova com a função, aplicando ao exercício da crítica aspectos visuais (interface do site) e logísticos, como as dificuldades do usuário da IG de acessar o serviço de atendimento ao cliente (SAC), como constatado na coluna referente ao dia 16/10/2007.
O termo ombudsman tem sua origem no setor público da Suécia de 1809. Seu significado assenta-se na representatividade do cidadão no setor público, e sua função, em princípio, na Suécia e na região Escandinávia do século 19, designava-o como uma espécie de ouvidor-geral, constituído na figura de um ministro. No jornalismo brasileiro, contudo, a relação entre ombudsman e leitor se dá em uma esfera diferenciada dos preceitos da ouvidoria escandinava de dois séculos atrás: em um primeiro aspecto, a relação institucional pode ser tanto privada quanto pública, e em um segundo, o ombudsman representa, sim, os leitores, mas paralelamente, constrói uma crítica da produção jornalística. Na visão do ouvidor da Radiobrás, Paulo Machado, existe uma clara diferenciação entre ouvidor e ombudsman: na medida em que o ouvidor age sob demanda da comunidade, o ombudsman produz sua crítica tanto sob iniciativa própria quanto por demanda do público.
Independência e autonomia
No Brasil, somente em 1989 – ano da queda do muro de Berlim – o jornal impresso Folha de S. Paulo nomeou Caio Túlio Costa como primeiro ombudsman da imprensa brasileira. Tentativas anteriores por parte da própria Folha haviam sido frustradas, muito em função da designação crítica do cargo. Paulo Machado salienta que ‘jornalistas são muito resistentes a críticas’ bem como o ombudsman da Folha, Mario Magalhães, o qual, em entrevista ao jornal laboratório Impressão, endossa a afirmativa de Paulo: ‘Jornalistas adoram criticar os outros e odeiam ser criticados. As chefias de redação temiam que seu trabalho fosse pressionado de modo transparente.’
De certo que a transparência pressuposta dentro do processo de ouvidoria, seja ela pública ou privada, requer ferrenha participação das partes atuantes. Contudo, tramitam no Congresso nacional duas leis, uma de 1995 e outra de 2007, que propõem a criação de cargos de ouvidores nas empresas públicas e privadas. A primeira delas, do senador Pedro Simon, do PMDB-RS, prevê a criação do cargo para todas as empresas nacionais, ao passo que a segunda, mais recente, pertencente ao deputado Sergio Barrada Carneiro, do PT-BA, estabelece que somente as empresas com mais de 300 funcionários deverão ter o canal de diálogo estabelecido pela ouvidoria. Refratários à criação compulsória do cargo de ombudsman nos jornais, Mario Magalhães e Plínio Bortolotti – respectivos ombudsmans da Folha de S. Paulo e do jornal O Povo, de Fortaleza – alegam que, caso a disposição da empresa não seja férrea na implementação do cargo, as condições para o exercício do mesmo encontram-se desfavoráveis. Nos impressos Folha de S. Paulo e O Povo, de Fortaleza, verificam-se mandatos de um ano para os respectivos ombudsmans, podendo ser renovado por mais dois, conferindo a eles imunidade e resguarde para as críticas, como verifica Mario Magalhães: ‘É indispensável um conjunto de regras que assegurem a independência das ações do ombudsman.’ Na ótica de Plínio, ‘o ombudsman tem de ter garantia expressa de que, no exercício de sua função, não será advertido, punido, nem demitido. Também é necessário estabelecer um período de estabilidade ao fim de seu mandato. São esses fatores que podem possibilitar a independência e a autonomia absolutamente necessária para seu trabalho’.
Crítica implacável
Em julho deste ano, o jornal Diário da Tarde encerrou suas atividades. Muito em função do aumento das vendagens dos jornais sensacionalistas Aqui e Super Notícia, o DT viu sua tiragem despencar para 10.000 exemplares/dia no mês de junho ao passo que o tablóide Aqui alcançou uma vendagem superior a 44.000 exemplares diários no mesmo mês, refletindo a tendência noticiosa da imprensa mineira justamente no momento em que o Brasil debate a questão da TV pública e da reflexão jornalística acerca da qualidade da informação bem como a atribuição de canais de ouvidoria nos meios públicos e privados. Parecendo seguir na contramão do debate midiático, Minas Gerais nega o jornalismo participativo, privilegia uma abordagem superficial e conduz a produção jornalística à pouca reflexão do seu conteúdo. Apesar de afirmar que o serviço fale conosco não substitui o papel do ombudsman, Lúcia Castro, diretora de redação do jornal O Tempo, de Belo Horizonte, acredita que o serviço possibilita uma aproximação do leitor com a redação e justifica a ausência de um ombudsman a partir da postura da maioria das empresas midiáticas que também não contam o cargo.
Não obstante, o jornalismo mineiro vê o imperativo noticioso perder força no programa Rede Mídia, que vai ao ar todas as segundas às 21:30 na emissora Rede Minas. Ancorado pelo jornalista José Eduardo Gonçalves, o programa aborda temáticas relacionadas à comunicação e a sociedade, tendo no cerne do debate a construção de um jornalismo mais reflexivo. Ao abordar discussões a respeito de cinema, jornalismo ambiental e de resistência, privacidade; o programa tenta articular e pensar a comunicação em vários segmentos, da convergência digital ao jornalismo impresso; do meio ambiente às temáticas subjetivas, como o próprio José Eduardo coloca: ‘Somos antenas ligadas no que acontece e, mais que isso, estamos sempre nos colocando em uma postura crítica em relação ao que se produz e veicula.’ A função do programa está longe de desempenhar um canal de diálogo presente no pressuposto da ouvidoria, mas, mesmo assim, estabelece um discurso metalingüístico análogo ao do Observatório da Imprensa – entidade civil, não-governamental, não-corporativa e não-partidária que discute na televisão, no rádio e na internet o jornalismo e suas formas de manifestação. Apesar do analogismo, assentado no debate reflexivo dos dois programas, o Observatório se posiciona mais ao lado da sociedade civil, muito em função dos seus vários canais de debate, direcionando seu discurso baseado na democracia e no jornalismo participativo. Já o programa Rede Mídia, embora tente dirigir debates interessantes à sociedade civil, conta com um programa de 30 minutos e debates tímidos, muito em função de sua curta duração e da atual conjuntura pouco reflexiva da imprensa mineira. ‘Ouvir efetivamente o que tem a dizer a opinião pública é algo muito sério. Expor o que se produz à crítica implacável não é para qualquer um, pois exige, antes de tudo, um desejo real de aperfeiçoar, de corrigir erros, de aceitar o olhar do outro, de pensar no outro lado da notícia, de ser independente no modo de produzir conteúdo’, afirma ainda José Eduardo. Mesmo havendo um forte desejo de parte da opinião pública em se estabelecer um diálogo pressuposto em um jornalismo participativo, a questão ética e cívica ainda se perde nas relações de consumo.
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Estudantes da Fumec (BH)