Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma lição de jornalismo para o jornalismo

O ex-premiê português Pedro Santana Lopes deu uma aula de jornalismo ao jornalismo na quarta-feira passada (26), durante o Jornal da Noite, no canal lusitano SIC Notícias. Aconteceu o seguinte: o político discorria a respeito da crise no Partido Social Democrata quando a apresentadora Ana Lourenço, avisada pela produção do programa, interrompeu o entrevistado para chamada ao vivo do Aeroporto da Portela, em Lisboa. Desembarcava o treinador José Mourinho, demitido do milionário clube inglês Chelsea na quinta anterior, dia 20. A matéria foi patética. Durou três minutos e o repórter Pedro Freitas, sem conseguir falar com Mourinho, enrolou, enrolou e enrolou. ‘Foi uma chegada apoteótica’, apelou o jornalista, rodeado por uns dez gatos-pingados. Ana Lourenço agradeceu e retomou a conversa:

– Estávamos a falar…

– Sabes onde que estávamos? – retrucou Santana Lopes.

– Sei, estávamos a falar…

– E achas que esta interrupção se justifica?

Ana se desculpou e mencionou a importância do Mourinho como figura pública, merecedora da entrada ao vivo. Sem pestanejar, Santana Lopes arrematou:

– Vim aqui com sacrifício pessoal, chego e sou interrompido por causa de um treinador de futebol. Acho que este país está doido, desculpe dizer, com todo respeito, e, portanto, não vou continuar a entrevista. Acho que os senhores têm de aprender.

O veneno da midiocridade

Eis a frase mágica: ‘Acho que os senhores têm de aprender.’ Sim, precisam mesmo. Em Conselhos a um jornalista, texto redigido em 1737, o filósofo francês Voltaire rogava: ‘Quisera Deus fosse tão fácil remediar o vício que produzem todos os dias tantos escritos mercenários, tantas citações infiéis, tantas mentiras, tantas calúnias com as quais a imprensa inunda a república das letras.’ Hoje, acrescentaríamos e tantas matérias ordinárias, e tanto pedantismo, e tanta empáfia, e tanta grosseria, e tanta falta de educação e tantas bobagens. Aos domingos, por exemplo, a programação da TV aberta brasileira atenta contra a saúde mental dos seres, incluídos aí os animais, vegetais e minerais.

Santana Lopes apenas seguiu à risca a sugestão dada por Zeus a uma serpente inconformada por ser sucessivamente pisoteada: ‘Se tivesses mordido o primeiro que te pisou, um segundo não teria feito o mesmo.’ Questão de respeito próprio, personalidade. Enquanto as pessoas se postarem com alma subalterna diante da mídia, aqueles senhores aludidos pelo parlamentar português continuarão a inocular o veneno da midiocridade. Então, tenhamos coragem e auto-estima, como ensinou o ex-premiê Pedro Santana Lopes.

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Jornalista, doutor em Comunicação Social, professor do mestrado em Comunicação e Linguagens e do curso de Jornalismo da Universidade Tuiuti do Paraná