Ah, pode ser que me engane, mas ainda vou ver muito bolsonarista ir buscar no armário sua camiseta verde-amarela, não para mais um desses desfiles nacionalistas anacrônicos insuflados pela extrema-direita, porém para reviver as manifestações de 1948, nas quais as multidões clamavam “O Petróleo é Nosso”. Contra um projeto do presidente da época, general Eurico Gaspar Dutra, de Estatuto que privatizava a exploração, refino e distribuição do petróleo.
Sem dúvida, nesse remake da nova campanha nas ruas em defesa do nosso ouro negro, que o governo Bolsonaro pretende entregar de mão-beijada às empresas norte americanas, haverá cartazes com o sorriso do velhinho, como cantava Chico Alves, na campanha pela eleição de Getúlio Vargas que, como presidente, criou a Petrobras. Ressurgirá o rosto de Leonel Brizola que, se em 1964 resistiu ao Golpe militar, não deixará de resistir à tentativa de nos roubarem nossa maior fortuna, a Petrobras.
E reforçando o cortejo não faltarão os caminhoneiros, utilizados ainda este ano pela extrema direita, mas convencidos do erro de terem votado no chamado “mito” ao saberem que a privatização do petróleo levará ao preço internacional do produto refinado com um aumento substancial nas bombas de diesel e gasolina.
Remexendo nos papéis deixados por meu pai, encontrei num baú, um pacote de ações de uma das empresas de prospeção e exploração de petróleo, criadas, nos anos 30, na região paulista da sorocabana. Perfurações chegaram a ser feitas no vale da região próxima da atual cidade de Torre de Pedra. Não saiu petróleo, só o cheiro, era água sulfurosa que, desde 1934 até hoje, continua jorrando.
As ações não valem mais nada, as empresas da época faliram, porque o então ditador Getúlio Vargas não acreditava, naquela época, na existência de petróleo no Brasil. Quem acreditava era um sonhador escritor Monteiro Lobato, que, naquela época, defendia a exploração do petróleo pelos próprios brasileiros e chegou mesmo a alertar Vargas, sem convencê-lo do interesse das empresas norte americanas, como a Standard Oil, em manter em segredo a riqueza petrolífera do Brasil, embora estivesse mapeando as regiões petrolíferas para uma exploração futura.
Lobato, diante do desinteresse governamental, defendia uma exploração privada, mas por empresas brasileiras. A situação se complicou quando na Bahia sua empresa achou gás e petróleo e Vargas passou a acreditar no petróleo e decretou que todas as áreas petrolíferas encontradas ou a descobrir seriam de propriedade do Estado
Poucos dias antes de morrer, Lobato, que escrevera dois livros na época censurados e postos fora de circulação — O Escândalo do Petróleo e mesmo uma versão infantil da questão petrolífera, O Poço do Visconde, deu seu apoio à campanha pelo monopólio estatal do petróleo, que agitava o Brasil.
O futuro superministro da Economia Paulo Guedes, assim como o presidente eleito Bolsonaro, mais outros ministros da extrema direita liberal querem se desfazer da Petrobras e da Eletrobras, pouco se importando com as consequências em termos de aumento do preço dos combustíveis e da eletricidade para o povo. Mesmo porque até hoje não se preocuparam em se encontrar com representantes dos trabalhadores das diversas categorias e Bolsonaro chegou a pensar em acabar com o Ministério do Trabalho.
Não é preciso ser profeta para prever começar pelos combustíveis e eletricidade o descontentamento popular. Não se trata de uma campanha de mau agouro, mas de uma consequência natural da privatização desses dois setores essenciais à vida dos brasileiros e que se refletem no custo de todos os produtos de consumo.
E é difícil de se imaginar uma modificação da lei da previdência com a privatização da Petrobras e Eletrobras sem manifestações de rua, provavelmente brutalmente reprimidas. Que governo vem aí, em janeiro, também com a criação de vigilantes nas escolas para dedurar professores, pressão contra os jornais a começar pela Folha, com um ministro da Educação interessado em comemorar o Golpe de 1964?
Os evangélicos, com seu dom de profecia, que o digam!
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.