Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja

O FILHO DO PRESIDENTE
Diogo Mainardi

Lula entende de Matisse

‘Entre Deus e Lula, Lula é melhor. Pelo menos para a Rede Bandeirantes. No começo do ano, o bispo R.R. Soares tentou comprar o Canal 21. A Bandeirantes preferiu ceder o negócio à Gamecorp, a empresa do filho de Lula. De lá para cá, segundo os dados do Ibope Monitor, os gastos em propaganda estatal na Bandeirantes aumentaram sem parar. Em 2005, foram 113 milhões e 181 000 reais. Em 2006, só até setembro, atingiram 151 milhões e 593 000 reais. Um salto de 40 milhões de reais. Quem precisa de Deus podendo contar com um parceiro desses?

É moleza manipular os números do mercado publicitário. Por isso a propaganda virou o instrumento ideal para a reciclagem de dinheiro sujo da política. Mas o fato é que o investimento do lulismo na Bandeirantes cresceu anormalmente qualquer que seja o critério adotado, tanto em cifras absolutas quanto no cotejo com as demais emissoras. Do total destinado pelo governo à propaganda televisiva, a fatia da Bandeirantes subiu mais de 50% de um ano para o outro. Considerando-se apenas o período de maio a setembro, depois que a programação do Canal 21 passou para o controle da empresa do filho de Lula, o crescimento foi ainda maior: 60%. Curiosamente, o único dado que permaneceu igual foi a audiência. Nesse ponto, a Bandeirantes ficou estacionada, como sempre.

Se o Brasil fosse menos bananeiro, a imprensa, os partidos políticos e a Justiça se perguntariam se há algum elo entre os negócios do filho do presidente e o aumento da propaganda estatal na emissora de seus parceiros. Como o Brasil é o que é, o assunto será ignorado. Mesmo que um dos maiores aumentos tenha ocorrido justamente na verba publicitária da Presidência da República, de responsabilidade direta do gabinete de Lula. Em 2005, a Bandeirantes recebeu 5 milhões e 871 000 reais do Palácio do Planalto. Em 2006, até setembro, incluindo o período de recesso eleitoral, foram 10 milhões e 28 000 reais. Quase o dobro.

A agência que cuida da publicidade da Presidência da República é a Matisse. A Matisse nasceu numa sala dos fundos da M7, a produtora de Kalil e Fernando Bittar, sócios do filho de Lula na Gamecorp. O mercado até suspeita que eles sejam sócios ocultos da agência. A verba que o gabinete de Lula destina à Matisse aumenta todos os anos. Foram 3 milhões e 687 812 reais em 2003. 36 milhões e 941 315 reais em 2004. 37 milhões e 882 635 reais em 2005. 59 milhões e 858 210 reais em 2006. O número de 2006 reúne os gastos até setembro, mas o governo já autorizou um acréscimo de 37 milhões de reais para os últimos meses do ano. A Matisse tem outras contas do governo. Coincidentemente, todos os seus clientes estatais passaram a anunciar mais na Bandeirantes. Entendeu o rolo? Lula dá cada vez mais dinheiro à Matisse, que dá cada vez mais dinheiro à Bandeirantes, que deu um canal ao filho de Lula.

O TCU acaba de apontar um buraco de mais de 100 milhões de reais na publicidade do governo federal. O ministro Ubiratan Aguiar chegou a defender o fim da publicidade institucional. Sorte de Lula o Brasil ser o que é.’



IMPRENSA INVESTIGADA
Policarpo Junior

A PF apronta mais uma…

‘As investigações sobre o escândalo do dossiê patinam olimpicamente sobre o que realmente interessa – a origem do 1,7 milhão de reais com que os petistas pagariam pelo papelório fajuto –, mas avançam com extrema eficiência quando o alvo não assumido é a liberdade de imprensa. Na semana passada, descobriu-se que a Polícia Federal, no bojo das investigações sobre o dossiê, conseguiu a quebra judicial do sigilo de dois telefones usados por jornalistas da Folha de S.Paulo em Brasília. Os números dos telefones – um aparelho fixo e um celular – estavam gravados na memória do celular de Gedimar Passos, o petista preso num hotel em São Paulo quando se preparava para fazer a entrega do dinheiro aos vendedores do dossiê. Na tentativa de fisgar outros envolvidos, a polícia manteve o celular de Gedimar Passos ligado mesmo após sua prisão. Depois, pediu à Justiça que quebrasse o sigilo de todos os telefones que haviam feito alguma chamada para o celular. Entre os números estavam os dois telefones usados por repórteres da Folha que, no cumprimento do dever, ligaram para Gedimar Passos em busca de uma entrevista.

O caso encerra uma sucessão de fatos muito graves. O primeiro está na flagrante violação do princípio constitucional que garante aos jornalistas o direito de preservar a identidade de suas fontes. Com a medida, a Polícia Federal recebeu a lista das 1.218 ligações telefônicas que os jornalistas da Folha fizeram e receberam entre 1º de agosto e 29 de setembro, o período da quebra do sigilo. Na lista, há os números de telefone, as datas, a hora e a duração de cada chamada. ‘Houve uma violência contra a liberdade de imprensa’, afirma o advogado José Paulo Cavalcanti Filho. ‘Nem o juiz nem qualquer outra autoridade tem o direito de tentar desvendar a fonte da qual se valeu o jornalista para obter a informação’, diz o jurista Célio Borja, ex-ministro da Justiça. ‘É um fato preocupante porque coloca os contatos que o jornal faz de forma lícita sob o risco de uso indevido’, diz Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa.

O delegado Diógenes Curado, responsável pelas investigações do dossiê, diz que não sabia que os telefones pertenciam à Folha. Conforme sua versão, a quebra foi acidental. Mas é justamente aí que se revela o outro fato grave: a forma amadora e indiscriminada como as investigações caminham. A quebra do sigilo telefônico está prevista em lei, mas trata-se de um dos últimos recursos dos quais a polícia deve lançar mão em suas investigações, justamente porque mexe com a intimidade das pessoas. ‘Hoje, de cada dez casos que advogo, dez começam com uma quebra de sigilo’, diz o criminalista Luís Guilherme Vieira. Só esse abuso explica que a Polícia Federal, na investigação do dossiê, tenha pedido à Justiça a quebra do sigilo de nada menos que 169 telefones. Uma investigação criteriosa teria como pré-requisito descobrir a identidade e outros dados dos donos dos telefones cujo sigilo se quer quebrar. Só depois disso a polícia poderia pedir à Justiça a quebra. Mediante, é claro, uma exposição de motivos que justificasse a temporária suspensão dos direitos à privacidade das pessoas investigadas. Esse procedimento evitaria abusos como o cometido contra a Folha.

A Justiça, ao autorizar a quebra de sigilos em série, também foi imprudente e, com isso, contribuiu para que a Polícia Federal, em vez de fazer apurações, acabasse fazendo devassas. O juiz Marcos Alves Tavares, da 3ª Vara Federal de Cuiabá, autorizou a quebra do sigilo de quase duas centenas de telefones sem fazer o menor questionamento. O ex-ministro Paulo Brossard resume a questão com clareza. Diz ele: ‘A Polícia Federal não poderia ter pedido a quebra sem saber de quem estava pedindo, e o juiz não poderia deferir sem saber o que estava fazendo’. A sucessão de negligências fica ainda mais complicada quando resulta na violação de direitos fundamentais da sociedade, como o sigilo de fonte – uma prerrogativa que não existe para dar privilégios aos jornalistas, mas para garantir o direito da sociedade à informação. O dado preocupante é que a agressão à Folha se soma a fatos recentes de hostilidade aberta contra a imprensa. Na semana anterior, repórteres de VEJA, convocados como testemunhas, foram tratados como suspeitos durante depoimento prestado à Polícia Federal em São Paulo. A intimação foi um abuso claro e uma ameaça velada.’

 

Veja

A falácia do doutor Moysés

‘Seria possível apontar pelo menos trinta mil razões para que o delegado federal Moysés Ferreira permanecesse na cidade de Piracicaba, sua base no interior paulista, onde a exploração do videopôquer vai muito bem, obrigado. Mas ele aceitou participar de uma pantomima em São Paulo: a de investigar jornalistas fingindo que apurava responsabilidades de policiais na ‘operação abafa’ que afastou do escândalo do dossiê o nome de Freud Godoy, ex-assessor do presidente Lula. O acobertamento foi revelado por VEJA. Em contraste com o trabalho altamente profissional da corporação que o acolhe, o delegado Moysés transformou jornalistas de VEJA em réus. Sua tentativa de intimidação foi universalmente condenada em um arco de reações que começou com a própria Federação Nacional dos Policiais Federais e chegou a organismos internacionais como os Repórteres Sem Fronteiras.

Agora, em um relatório ao Ministério Público Federal, ele sugeriu que se apurasse a ‘eventual participação de particulares em crimes contra a administração pública’, cometidos no âmbito da Lei de Imprensa. Em outras palavras, diz que o MP deveria fazer o que ele tentou fazer: punir o mensageiro. Sobre o foco oficial da investigação – a participação de policiais federais na ‘operação abafa’ –, o delegado Moysés afirma, candidamente, não ter encontrado ‘nenhum indício’ de irregularidades nesse sentido. A rapidez com que ele chegou a essa conclusão é espantosa.

A indicação do delegado Moysés para presidir as investigações é um indício forte de que elas foram montadas para mandar um recado à imprensa e a VEJA, em especial. Tecnicamente, Moysés nem poderia estar à frente do caso, já que Severino Alexandre, diretor executivo da PF paulista, citado inclusive em um depoimento ao MP, aparece como pessoa instrumental da operação de abafamento do caso. Severino é chefe de Moysés e não poderia ser investigado por um subordinado. Falácias como essa podem acabar tisnando a boa imagem conquistada pela Polícia Federal junto à sociedade brasileira.’



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