Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja até onde vai o ridículo

Na edição que foi às bancas em 16/10/2010, a revista Veja dedicou sua matéria de capa a um bizarro exercício de futurologia e lobbismo, ao proclamar que a eleição presidencial seria decidida em Minas Gerais, graças ao ‘poder de Aécio’. O ridículo começou pela capa, apresentando Aécio como Super-Homem, e se derramou pelas páginas internas, nas quais se garantia que ‘Aécio move a montanha’ (título da matéria). Eis alguns trechos:




‘Ao fazer seu sucessor no governo de Minas Gerais, o senador eleito Aécio Neves demonstrou sua enorme capacidade de transferir votos. Agora, ele quer repetir o feito em favor de José Serra. O resultado desse esforço poderá definir o futuro presidente da República.


‘A eleição presidencial de 2010 será decidida em Minas Gerais. Três razões justificam essa afirmação. A primeira é que Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país, concentra a parcela mais expressiva dos 10 milhões de eleitores indecisos, cujo voto será crucial num pleito em que a diferença entre os contendores está cada vez mais estreita. (…) O segundo motivo é que se encontra em Minas, em disputa aberta, o espólio de 2,3 milhões de votos que a verde Marina Silva recebeu no primeiro turno. (…) O terceiro motivo responde pelo nome de Aécio Neves.


‘Principal força política de Minas Gerais, o senador eleito declarou que vai por a serviço do candidato tucano, José Serra, todo o seu capital político – e ele é gigantesco…


‘No dia 31 de outubro, o Brasil emergirá das urnas com uma nova configuração de poder. Qualquer que seja ela, Aécio Neves terá um papel fundamental. Ele (…) jurou fazer seu sucessor no governo de Minas, planejou eleger-se senador e agora se propõe a trabalhar para dar a vitória a Serra em Minas. Se o tucano ganhar as eleições, Aécio colherá os frutos de ter sido peça essencial na vitória. Se perder, emergirá como o rosto renovado da oposição…’


Aprendizes de feiticeiros


Eu não espero comodamente o desenrolar dos acontecimentos para detonar tais falácias – jornalísticas e políticas. Então, logo no dia 19/10 lancei também minha profecia, provando ser um Nostradamus bem melhor que os da Veja:




‘…não há factóide, propaganda enganosa e alarmismo que façam os eleitores pés no chão mudarem seu voto.


‘O desejo da Veja, erigido em matéria de capa (!), é o de que a eleição fosse decidida em Minas Gerais, com Aécio Neves como fiel da balança. Dia 31 a revista aprenderá que jornalismo é algo mais do que expressão de desejos.’


Aprendeu mesmo.


Apesar da ‘enorme capacidade de transferir votos’ de Aécio Neves, Dilma surrou impiedosamente Serra em Minas Gerais – 58,45% x 41,55%, vantagem maior do que a alcançada no país inteiro (56,05% x 43,95%). Talvez por ser um homem de pouca fé, Aécio não moveu montanha nenhuma. E está sendo disto acusado por vários tucanos, começando pelo coordenador do programa de governo de Serra, Xico Graziano, que colocou este comentário no Twitter, mal acabava de ser conhecido o resultado: ‘Perdemos feio em Minas Gerais. Por que será?!’


Ao invés de emergir da derrota ‘como o rosto renovado da oposição’, Aécio, para boa parte do tucanato, sai como o rosto hipócrita da traição.


Quanto à Veja, teve mais uma oportunidade para constatar que, como bem mostrou Walt Disney em seu clássico Fantasia (1940), aprendizes de feiticeiros cometem as piores lambanças.

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Jornalista e escritor