ENTREVISTA / ALBERTO DINES
Brasil: aprisionado pelos prisioneiros, 18/8/06
‘Um dos jornalistas mais influentes do país, Alberto Dines, hoje à frente do Observatório de Imprensa – http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br – voltado ao acompanhamento crítico da comunicação brasileira, insiste na construção de um amplo pacto político contra o terror. Para Dines, o agravamento da crise provocada pelo banditismo em São Paulo e em outras regiões aponta para uma etapa de aguda deterioração social, com inevitáveis prejuízos às instituições e à democracia. O crime organizado, ao atacar frontalmente a liberdade de informação, seqüestrando um jornalista e um técnico, ambos funcionários da TV Globo, e exigir a transmissão de uma mensagem do PCC, equipara-se, hoje, às facções que atuam nos cartéis das drogas e guerrilhas, como na Colômbia, por exemplo.
Nesta entrevista para ViaPolítica, Alberto Dines analisa a frágil reação dos grandes veículos de comunicação do país e reafirma seu posicionamento em defesa de um acordo nacional para derrotar as gangues que ameaçam o estado de direito. Sugere que o presidente Lula reúna-se com três ex-presidentes para, juntos, viabilizarem o acordo. E declara: ‘Estamos chegando à beira de um precipício.’
VP – Por que o manifesto da ANJ, ANER, ABERT e outras entidades, divulgado nos dias 15 e 16 de agosto nos principais veículos de comunicação do país, não alcançou o resultado que seria esperado, após o seqüestro violento do jornalista Guilherme Portanova e do auxiliar técnico Alexandre Calado, ambos da TV Globo?
AD – Porque foi mal feito. Foi feito sem alma, sem convicção. O título não apenas está errado sob o ponto de vista gramatical, mas é enganoso porque a tônica do manifesto, que é a convocação de um pacto político contra o terror, foi deixado lá embaixo. Fizeram um basta à violência que não chega a ser novidade. O Brasil e eu já vimos isso quinhentas vezes nos últimos anos. Então, como eu disse em um comentário anterior, os empresários de comunicação não entendem de comunicação. Apresentaram o manifesto na televisão, de uma forma inteiramente impessoal, e depois, no dia seguinte, nos jornais da grande imprensa. O Globo foi o que melhor publicou, porque não foi dentro de um quadro, de um box, e sim forte, aberto. Os outros deram como se fosse uma matéria paga. E, depois, os jornais não tiveram nenhum interesse em fazer uma suíte, como ir ao presidente da República, ao ministro da Justiça, ao Tarso Genro… Não deram continuidade, não tiveram criatividade, quer dizer: nota zero em matéria de comunicação.
VP – Esse equívoco não esconde uma intenção política, como a de diminuir o problema e não lhe dar a devida importância?
AD – Em relação ao pacto político?
VP – Sim.
AD – Não sei… Há uma impropriedade gramatical e um erro estratégico de não ver o que é o principal, o que é novo, o que interessaria ao cidadão. Em vez de colocar isso no título, puseram lá dentro. Quer dizer, total incompetência, falta de conexão, falta de ânimo, e deu nisso. A grande imprensa perdeu uma oportunidade maravilhosa de se afirmar como uma força moral capaz de obrigar os diferentes níveis de governo a se entenderem.
VP – Diante dessa situação, o senhor ainda considera correto a imprensa liderar esse pacto anti-terror?
AD – Eu acho correto, só penso que ela não vai conseguir porque essa primeira tentativa saiu pela culatra. Agora, se eles se animarem a fazer outras coisas, pode ser que consigam. Quando você começa derrapando é difícil se pôr em pé…
VP – Nos veículos de comunicação – rádio, TV, jornais, Internet – a todo o momento, especialistas em criminalidade e terrorismo, políticos, dirigentes de organizações não-governamentais debatem o tema e isso está criando uma algaravia, um imenso ruído. O senhor acredita que ainda é possível estabelecer um diálogo que possa, efetivamente, ter um caráter positivo e fazer o país avançar até uma solução?
AD – Eu acho que é, mas isso tem de partir de cima. Lula, como presidente da República, precisa pegar o celular e fazer alguma coisa simbólica. Para mim, o que poderia ter essa força seria o presidente ligar para o Fernando Henrique, para o Itamar Franco, para o José Sarney, e eles se encontrarem para, digamos, anunciar esse pacto. Não incluo nessa lista o Collor de Mello porque é um delinqüente. Os outros ex-presidentes, se convocados, iriam ao encontro de Lula e, a partir daí, se criaria uma bola de neve positiva, afirmativa. Então as forças ligadas ao Fernando Henrique, ao Itamar Franco e ao José Sarney começariam a promover um mínimo de entendimento para enfrentar a violência, e tirar o combate ao narcoterrorismo da disputa do palanque. Isso é que está ruim, fica um acusando o outro: ‘a culpa é sua, a culpa não é sua’. Ontem eu ouvi o Orestes Quércia dizendo um monte de asneiras. Em meia hora, ele conseguiu fazer uma sucessão interminável de asneiras, não se preparou nem nada. E ele é candidato a governador aqui em São Paulo. Quércia fala numa rádio e confunde o ouvinte, o ouvinte não entende nada. Então, a partir do momento em que um presidente e três ex-presidentes se reúnem e se dispõem a estabelecer um programa mínimo, isso se irradia com força para a sociedade. Mas para isso é necessário vontade e disposição. Seria um gesto e três telefonemas do celular do presidente.
VP – Isso parece tão simples mas não acontece. Por quê?
AD – Não acontece porque faltam estadistas neste país.
VP – Falta grandeza?
AD – É isso. Em artigo político encaminhado aos jornais, afirmo que faltam estadistas e visionários que digam: esse é o momento em que é preciso reverter o processo ou então vamos para uma ruptura, rapidamente.
VP – A Justiça paulista considerou o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) como inconstitucional, batendo de frente com o Ministério Público paulista. Qual é sua opinião sobre a discussão?
AD – Essa é uma área técnica que não conheço. Prefiro ficar no terreno onde piso com familiaridade. Não sei se é inconstitucional ou não, os juristas se dividem. A verdade é que não se pode facilitar com esses criminosos. Eles não podem ter as facilidades que têm de comunicação. Como é que o Marcola consegue se comunicar? Se a culpa é do RDD ou não, é um problema técnico que eu deixo para os técnicos. O que está faltando é uma demonstração de grandeza, de estadistas visionários, com força, verdadeiramente patriotas. Essa seria uma oportunidade para que os três ex-presidentes e o presidente, que encerra daqui a pouco o seu primeiro mandato, e inicia o segundo ou sai definitivamente, ungidos pela faixa presidencial, sentassem e, a partir daí, conversassem meia hora, com uma fotografia só nos jornais. Isso mudaria ou reverteria o processo.
VP – O senhor, com sua vasta experiência de mundo, e na imprensa, conhece alguma situação semelhante à do Brasil em alguma época, em outro país?
AD – Semelhante a esse descalabro?
VP – Exatamente.
AD – A história está cheia de casos de ruptura institucional. Os descalabros não são exatamente iguais, esse caso é inédito, quer dizer, o Estado brasileiro está aprisionado pelos prisioneiros.
VP – Não parece ser muito freqüente uma situação dessas.
AD – Descalabros assim existiram em muitos outros casos, mas acho que estamos chegando à beira de um precipício.
VP – Se efetivamente ocorresse a ruptura, qual seria o efeito? Em sua opinião, o que aconteceria com o país?
AD – Os profetas não têm obrigação de entrar em detalhes… Estou me inspirando nos profetas que conheço, do Velho Testamento, que tinham a sensibilidade para prever colisões, sem dizer faça isso, faça aquilo… O próprio Padre Vieira, em toda a sua vasta literatura sobre profecia – aliás, foi preso na Inquisição por causa disso – diz que não cabe fazer uma profecia específica, planejada. O que se pode dar é uma linha geral.’
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