A imprensa brasileira parece ter combinado que a visita ao Brasil do presidente russo Dmitri Medvedev não tem maior importância. A cobertura foi pontual e, não fosse a negociação de uma dúzia de helicópteros para a Força Aérea Brasileira, o leitor poderia entender que se tratava do executivo de uma empresa petrolífera russa visitando a Petrobras.
No entanto, trata-se de um dos países mais poderosos do mundo, um dos maiores mercados para a carne brasileira e outros produtos, além de fazer parte do conjunto de nações que a crise financeira mundial acaba de agregar ao grupo de líderes que discutem o futuro da globalização.
Comparados rapidamente ao material publicado pela imprensa internacional, observa-se que os jornais brasileiros simplesmente decidiram que o evento não era importante. No entanto, até mesmo a conservadora agência americana Forbes considerou estratégica a viagem de Medvedev ao Brasil.
Além de buscar ocupar os espaços deixados pela crise financeira dos Estados Unidos, o presidente russo prepara o caminho para influenciar a reunião dos chamados emergentes, que deve se realizar no ano que vem na Rússia.
Brasil, Rússia, Índia e China integram o bloco chamado de Brics, considerado a principal força econômica que pode contrabalançar a influência internacional dos Estados Unidos. O anúncio da cúpula no ano que vem consolida a tese de uma ação conjunta dos quatro países nos mercados globais, o que vem sendo observado atentamente pelos analistas internacionais.
Decisão acertada
Apenas na imprensa brasileira a viagem de Medvedev foi considerada desimportante. E não foi por falta de material: as agências internacionais de notícias despacharam farta cobertura da visita. Os chamados grandes jornais brasileiros parecem ter combinado: nenhum deles publicou a notícia em primeira página.
Não esqueça o leitor que a imprensa brasileira se engajou completamente no plano do governo Bush de controlar o mercado latino-americano por meio do Nafta. O Nafta naufragou, o Brasil preferiu estabelecer relações comerciais e diplomáticas com uma diversidade maior de países e a crise financeira mostra que a decisão foi acertada.
Agora a imprensa tenta ignorar o poder dos Brics, como se uma página de jornal pudesse interromper o fluxo da História.
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O retrato da tragédia
A imagem de um trecho de Mata Atlântica que deslizou de um barranco e se plantou sobre o asfalto de uma estrada, fartamente distribuída pelo noticiário, poderia inspirar os editores a enriquecer o material sobre a catástrofe no Sul do Brasil com algumas lições básicas de ecologia.
Há cerca de 25 anos, as águas subiram 15 metros em Blumenau, quatro a mais do que na enchente deste ano. Foi a maior enchente até então, e a região ficou isolada por vários dias. No entanto, os danos naquela época foram menores.
Os jornais de quinta-feira (27/11) finalmente se dão conta de que as mudanças climáticas, os desmatamentos e a má qualidade do planejamento urbano podem ter se somado para a conta final da tragédia.
O Estado de S.Paulo publica um quadro no qual procura ilustrar a combinação de fenômenos que provocou a permanência das chuvas torrenciais na região. Um detalhe da ilustração informa que a temperatura do oceano está 1 grau mais elevada do que no ano passado, o que potencializou a evaporação da água do mar e alimentou as chuvas. O jornal paulista também destaca as ações de solidariedade, alertando para o fato de que a comida disponível nas filas de emergência era insuficiente para todos os desabrigados.
O Globo preferiu fazer a radiografia da ajuda financeira liberada pelo governo federal, dizendo que a verba de socorro chega a 1 bilhão de reais, enquanto os outros jornais calculam em 1,6 bilhão de reais.
A Folha de S.Paulo deu atenção mais atenção do que os outros jornais ao fenômeno dos saques. Destaque para a história do operário Humberto Domingos de Paula, que saqueou uma loja em Itajaí, Santa Catarina, e foi surpreendido com um carrinho carregado de mercadorias avaliadas em 3 mil reais. Sua casa não havia sido atingida pela enchente. Estava apenas ‘aproveitando a onda’ para obter algumas mercadorias que não pode comprar.
Em outra reportagem, o jornal conta que moradores de bairros pobres fazem plantão em suas casas alagadas para evitar que vizinhos roubem seus pertences.
A crônica das enchentes revela a implacabilidade da natureza, a imprevidência das autoridades e a solidariedade de muitos – mas não ignora a miséria humana.