Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vitória midiática em Natal

É comum em toda eleição aparecerem aquelas aventureiras candidaturas que, não raro, conquistam a vitória após a contagem dos votos. Para ser mais claro, vamos citar alguns exemplos. Nas eleições anteriores – deputado federal, senador, presidente etc. – o estilista e apresentador Clodovil Hernandes (PR) e o cantor cafona Frank Aguiar (PTB) conseguiram ser eleitos para deputado federal pelo estado de São Paulo. Naquele ano, na cidade de Natal, uma jornalista de estatura mediana, cabelos castanhos claros, voz aguda, assim como os deputados citados, famosa na cidade, tentou uma vaga para a Assembléia Legislativa e conseguiu pleno êxito, sendo uma das candidatas mais bem votadas de Natal.

Mas uma coisa difere da então deputada estadual Micarla de Sousa (PV) e os artistas mencionados. Micarla ficou ‘famosa’ para se tornar política, ou seja, utilizou a emissora da sua família – a TV Ponta Negra, filial do SBT no Rio Grande do Norte – para conquistar uma vaga na Assembléia Legislativa. Apresentadora de telejornal na TV, a deputada dispunha de tempo suficiente na televisão para obter credibilidade necessária para pleitear cargos mais complexos de serem conquistados. A deputada estadual se aventura na política de modo estratégico, e não como uma mera pára-quedista.

Para entender bem essa ascensão de Micarla de Sousa em Natal, é necessário voltarmos um pouco no tempo. Em 1987, o então senador Carlos Alberto inaugurava, em Natal, uma das primeiras filiais do SBT no Brasil, fruto da distribuição irresponsável de concessões de rádio e TV feita pelo ministro das Comunicações na época, Antônio Carlos Magalhães. A TV Ponta Negra, apesar de inconstitucional, transformou-se automaticamente no cabo eleitoral mais importante de Carlos Alberto. Após a sua morte, em 1998, a administração da emissora ficou sob a responsabilidade de seus familiares, entre eles de sua filha, Micarla de Sousa, jornalista formada em 1990.

‘Davi contra Golias’

Um ano após a morte do pai, Micarla estreava um telejornal na emissora, o Jornal do Dia, que se tornou um dos programas de maior audiência local. A credibilidade conquistada com o noticiário proporcionou-lhe, na campanha de 2004, um convite da então governadora, Wilma de Faria (PSB), para compor como vice-prefeita a chapa para reeleição do atual prefeito, Carlos Eduardo Alves (PSB). A chapa da jornalista venceu as eleições com 193 mil votos. Dois anos depois, Micarla deixou a vice-prefeitura para se candidatar a deputada estadual, tendo êxito com 43,9 mil votos.

Enquanto pré-candidata à prefeitura de Natal, Micarla de Sousa apresentava na TV Ponta Negra o diário 60 minutos, programa que, de acordo com o pesquisador em comunicação Rui Rocha, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), contava com uma boa produção, mas era ‘visível que Micarla se afastava dos padrões éticos do jornalismo’. ‘As duas funções (político e jornalista) não podem ser exercidas juntas. Aqui (em Natal) é diferente do que a gente vê em outras capitais do país. Os políticos não estão só satisfeitos por possuírem uma emissora de televisão. Aqui eles fazem questão de aparecer para o público. É uma vantagem desproporcional’, afirmou.

A estratégia deu certo. As últimas pesquisas divulgadas na cidade apontam vitória de Micarla já no primeiro turno – o que as urnas confirmaram em 5 de outubro. Sua principal adversária, Fátima Bezerra (PT), apesar de ter apoios importantes como o da governadora Wilma de Faria (PSB), do presidente Lula (PT) e do presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB) – todos com altos índices de popularidade na cidade –, mal conseguiu arranhar os elevados números de Micarla nas pesquisas, que apontam 48% dos votos para a verde, contra 28% da petista. Por causa do ‘acordão’ de Fátima, Micarla disfarçou o poder da TV Ponta Negra junto ao seu eleitorado, ao afirmar que as eleições eram ‘uma luta de Davi contra Golias. E, como diz a Bíblia, o baixinho Davi, como eu, venceu o gigante Golias’.

‘Há dois anos em primeiro lugar’

De fato, Fátima Bezerra goza de apoios mais significativos do que Micarla. Ao lado da verde está o senador José Agripino (DEM) e nomes poucos representativos, como o da senadora Rosalba Ciarline (DEM) e um minguado número de deputados federais e estaduais. No entanto, vale ressaltar que apesar de Agripino não se encontrar bem nas pesquisas de popularidade, o senador é dono da emissora TV Tropical, filial da TV Record em Natal. A TV do senador e a TV Ponta Negra foram as únicas emissoras locais que não promoveram debates entre os prefeituráveis. A emissora de Micarla, inclusive, foi multada pela Justiça Eleitoral em 40 mil reais por realizar propaganda ilegal para a verde. No dia 11 de setembro, a TV veiculou em um de seus noticiários o trabalho do Instituto Ponte da Vida, pertencente à deputada estadual. ‘A matéria jornalística ecoou a propaganda eleitoral, de modo a ensejar à referida candidata um espaço a mais, que não foi dado a qualquer outro candidato, propiciando que o eleitor-telespectador apreciasse o trabalho da entidade de iniciativa da candidata Micarla e de sua família’, escreveu a juíza eleitoral Martha Danyelle, na decisão liminar.

Nem a presença de Lula em Natal – no dia 19 de setembro – colaborou para o crescimento da petista nas pesquisas. Enquanto isso, Micarla já comemorava: ‘É motivo de muita alegria, muita felicidade para mim, ver que vamos ganhar no primeiro turno. Há dois anos estamos em primeiro lugar nas pesquisas’, disse a candidata ao blog local Panorama Político.

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Jornalista