Desde os tempos de Aparício Torelly (o mui digno Barão de Itararé), a sátira política é um respiradouro para cidadãos sem meios mais efetivos para confrontarem os poderosos.
‘Manda quem pode e obedece quem tem juízo’, diziam os antigos. Mas, submeter-se ao mandonismo ofende e amargura homens livres. O desabafo na forma de humor é o paliativo que desopila seu fígado e lhes permite conservar o amor próprio.
Vai daí que, depois de um longo e tenebroso inverno, posso finalmente elogiar uma decisão de ministro do Supremo Tribunal Federal: a de Carlos Ayres Britto, concedendo liminar contra o dispositivo casmurro da Justiça Eleitoral, tentando impedir que as emissoras de rádio e TV ridicularizassem os sumamente ridículos candidatos ao próximo pleito.
O único erro dos humoristas é a redundância: os integrantes dessa inacreditável legião de feios, sujos e malvados tudo fazem para desmoralizar a si próprios, na caça sôfrega aos votos. As imagens do programa eleitoral gratuito superam as mais grotescas aberrações concebidas pela genialidade delirante de Federico Fellini. E, como as ervas daninhas crescem com mais vigor e os maus exemplos sempre frutificam nestes tristes trópicos, sabe-se lá até onde uma escalada censória poderia chegar. Melhor esmagarmos o quanto antes o ovo da serpente.
As sátiras do menestrel Juca Chaves
Preservemos o que ainda resta de cordialidade no brasileiro!
E prestemos tributo a heróis esquecidos, como Alvarenga e Ranchinho que, por volta de 1940, depois de exporem em suas apresentações a nudez do ditador Getúlio Vargas, fugiam antes da chegada da polícia. [Cheguei a assisti-los, já idosos, detonando o homem da vassoura com uma paródia da clássica ‘Menino de Braçanã’, de Luiz Vieira. Em vez de ‘quem anda com Deus não tem medo de assombração’, cantavam ‘quem já viu o Jânio Quadros não tem medo de assombração’…]
Glória eterna ao grande Sérgio Porto/Stanislaw Ponte Preta, cuja série Febeapá (Festival de Besteiras Que Assola o País) disse tudo que havia a dizer-se sobre a ditadura militar, no tempo em que ela se caracterizava mais pelo besteirol – a bestialidade só passou a dar a tônica depois da morte do Lalau.
À extraordinária equipe de humoristas de O Pasquim, com destaque para o benjamim que acabou se tornando o melhor da turma: Henfil.
E, claro, também ao menestrel Juca Chaves, autor de sátiras inspiradíssimas como ‘Dona Maria Tereza’ (conselhos à esposa do então presidente), que bem merece encerrar esta digressão:
Dona Maria Tereza,
diga a seu Jango Goulart
que a vida está uma tristeza,
que a fome está de amargar.
E o povo necessitado
precisa um salário novo,
mais baixo pro deputado,
mais alto pro nosso povo.
Dona Maria Tereza,
assim o Brasil vai pra trás,
quem deve falar, fala pouco,
Lacerda já fala demais.
Enquanto feijão dá sumiço,
e o dólar se perde de vista,
o Globo diz que tudo isso
é culpa de comunista.
Dona Maria Tereza,
diga a seu Jango por que
o povo vê quase tudo,
só o Parlamento não vê.
Dona Maria Tereza,
diga a seu Jango Goulart,
lugar de feijão é na mesa,
Lacerda é noutro lugar.
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Jornalista e escritor – http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/