Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Vou ler um pouco de jornal

Dia 25 de junho, sexta-feira. Vou ler um pouco de jornal. Escolho um tema que me ocupa e preocupa: educação.

Leio na Folha de S.Paulo: ‘Invasão no AM foi ‘fascista’, diz Tarso’. Esse é o título, e aí vem o primeiro parágrafo:

‘O ministro da Educação, Tarso Genro, considerou ‘fascista, antidemocrática e semelhante à atuação de grupos paramilitares de direita’ a atitude de cerca de 500 estudantes que, anteontem, invadiram em Manaus a primeira reunião regional do ministério para discutir a reforma universitária. Houve tumulto e empurra-empurra, levando o MEC a adiar a audiência por seis horas e mudar o local do evento. Tarso disse que enviará dois ofícios, sendo um ao Andes […], porque docentes ligados à entidade teriam participado do ato. O outro vai para a Andifes […], pois o reitor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), Hidemberque Ordozgoith da Frota, teria adotado uma atitude ‘contemplativa, sem colaborar de maneira adequada na negociação com os alunos’.’

Fico absorto, contemplando a ‘atitude contemplativa’ do reitor Hidemberque [ou será Hidemberg?] Ordozgoith da Frota. Também, com este nome de monge medieval alemão do século 12, como não ser contemplativo? Cabe ao reitor de uma universidade ser contemplativo. Intriga-me o fato de Tarso Genro considerar um erro ser contemplativo. Pois é dos contemplativos que elas gostam mais – elas, as verdades.

Os contemplativos são aqueles que pensam, teorizam, meditam, são aqueles que estão no templum, espaço determinado pelo próprio sábio, no interior do qual examinam-se os sinais, os presságios, as mensagens do além!

Compreendo, porém, que a universidade deixou de ser o templo, e que os seus protagonistas não devem mais pensar, teorizar, meditar, refletir. É o espaço agora das reformas gerenciais, e por isso, recentemente, o contemplativo Cristovam Buarque foi expulso do templo, sem contemplações.

Reaprender a agir

Mudo de estado e de jornal. Vou para o Estado de Minas, de Belo Horizonte: ‘PF prende fraudadores’. Esse é o título da matéria:

‘A Polícia Federal desbaratou uma quadrilha acusada de fraudar exames vestibulares em pelo menos oito instituições públicas e particulares de ensino superior em seis estados. O grupo, cuja atuação vem desde 1988, vendia, segundo a PF, o ingresso em universidades por R$ 15 mil. No total foram presas 16 pessoas, numa operação chamada Pensacola. […] Entre os presos estão Flávio Moreira Borges (PMDB), vice-prefeito de Caiapônia (GO). Ele acompanhava a filha Leidiane Gomes, que também foi presa em flagrante. O grupo pagava os ‘serviços’ de três pessoas, que, de acordo com a polícia, são superdotados, com facilidade para resolver as provas. No dia do exame, conseguiam respondê-las em tempo recorde. Ao sair da sala, repassavam as respostas a um intermediário. Esse intermediário, por sua vez, retransmitia os resultados do exame aos alunos que estavam prestando o vestibular por meio de um equipamento digital.’

De novo me detenho. E fico parado, leitura interrompida, olhar fixo em coisa alguma, contemplando esses três superdotados. Acordam cedo, não precisam estudar, não têm medo de ser reprovados. Vão, resolvem as questões das provas, vendem sua genialidade aos superdotados em dinheiro. Mas superdotados mesmo são os que, desde 1988, há 15 anos, ajudam tanta gente boa a ingressar na faculdade…

Quero ser contemplativo. Apareço no Espírito Santo, Vitória. Pego um jornal de lá, A Gazeta. Sílvio Peccioli, prefeito de Santana de Parnaíba, escreve:

‘Os jovens têm muito a falar’. Ouçamos: ‘O Brasil, segundo o último Censo, tem cerca de 56 milhões de pessoas com menos de 17 anos, o equivalente a toda a população da Itália. […] A voz da juventude expressa-se nas roupas, nos ritmos, nos gestos, nas cores e formas do grafite, nos códigos de cada ‘tribo’. Será que sabemos ler este idioma perpetrado de símbolos? Ou será que transformamos a barreira lingüística em desculpa para a omissão? Quantos gritos de socorro ecoam na ginga do rap e do hip hop? Quantas emoções inerentes aos direitos humanos mais essenciais e presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente são supridas pela adrenalina dos esportes radicais, dos rachas de automóveis, da inconseqüência do álcool e das drogas ilegais?’

Mais uma vez entro em êxtase contemplativo. Vejo milhões de jovens e adolescentes caminhando e cantando, e seguindo a canção. Meio que perdidos, porque não há nenhuma canção. Não temos um projeto educativo. Não temos um projeto de Nação. Temos regras, decretos, provões e provinhas. Mas o jovem, como dizem os franceses, está déboussolé, sem uma bússola, sem saber o norte e o oriente.

Precisamos reaprender a olhar e ler as estrelas.

Precisamos voltar a ser contemplativos.

Para reaprendermos a agir.

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Doutor em Educação pela USP e escritor