Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Xico Sá

‘O Carnaval pela TV sempre foi muito chato. Aquelas escolas se arrastando horas na avenida, com os narradores, coitados, apelando para tudo quanto é detalhe possível para segurar a onda.

Uma Xuxa aqui, uma Jaqueline Joy acolá, celebridades, pequenos incidentes, uns sambas-enredos cheios de cenários de belezas, imperadores e reis nagôs…

Mas tudo pode ser mais chato ainda quando se trata do Carnaval de Salvador, investimento da Bandeirantes.

Não há nada que combine menos com televisão do que a folia baiana. Ainda mais em tempos de decadência da axé music. Se com um desfile organizado, casos da cobertura do Rio e de São Paulo, o espetáculo é tão entediante quanto a vida eterna, imagine sem desfile algum.

Apenas com um monte de turista vestido de abadás, enquanto o populacho se espreme atrás das cordas, a turma da pipoca, como se celebra folcloricamente, ao ritmo do mulato inzoneiro, a privatização das ruas. Aliás, louve-se o ‘Band Folia’, que teve o cuidado de cobrir inclusive a turma da pipoca, mostrando, por exemplo, como um pai de família faz para livrar as crianças na hora do aperto. Lindo. Quem manda não ter uma pataca para correr direitinho atrás do trio elétrico!

Camarote & Senzala. Pela estatização da praça Castro Alves já.

E ainda com direito a Carla Perez. Com a tarefa de mostrar como se divertem os VIPs. Você que não viu nada, ainda tem a chance neste último dia. Não deixe de perder. Tem também o Xanddy. Se der sorte, você ainda consegue ver o Marcos Mion trabalhando. Já pensou que maravilha?

A Rede TV! pelo menos assume o seu ataque às sub-sub-celebridades. Lembram da índia Aigo? Estava lá, linda, nos barracões da emissora no desfile de São Paulo. E haja travestis. O que deu uma certa graça. Existe um animal mais televisivo do que um travesti? Nasceram para a televisão.’



Mario Prata

‘Toda Quarta-Feira de Cinzas e a internet’, copyright O Estado de S. Paulo, 25/02/04

‘Já notou? Todo ano, há 11, para ser exato, a Quarta-Feira de Cinzas cai no dia da minha coluna. Deve ser o destino. Você aí de ressaca e tal. E eu aqui, tendo de trabalhar em plena segunda. A segunda, sim, é que é de cinzas.

E todo ano eu fico aqui na tua frente pensando em não escrever sobre o carnaval. Nem sobre as enchentes que o antecedem, nem sobre o futebol que não acontece, nem sobre o escândalo político que avisa: tá chegando o carnaval, pausa na confusão. E é carnaval e as pessoas esquecem mais ou menos do rombo na nossa santa dignidade. Bingo!

E, como todo ano, eu me prometo a não falar aqui sobre o carnaval. Não é porque ele foi exatamente igual ao do ano passado que eu tenho de escrever uma crônica idem.

Eu acho que a imprensa, de um modo geral, perde muito dinheiro, muito investimento com as enchentes e os carnavais. Por que não colocam as do ano passado, dêem folga aos colegas jornalistas? Afinal, o que muda no carnaval e nas enchentes de um ano para o outro, de uma década para a outra?

Absolutamente nada. Um silicone a mais, talvez. Poderíamos passar todos os anos muito bem sem estas duas efemérides. E sem a crônica também. Aliás, acho que o Natal podia entrar nesta conta também.

Triste o povo que tem data certa para encher a casa de água (e perder quase tudo), depois para encher a cara (e não ganhar nada), depois para dar presente a amigos ocultos que nem sempre são tão ocultos assim. Um por cento de propina nem sempre é um bom presente. O inferno da chuva, o baco do carná e um Papai Noel com neve na cabeça. E de saco cheio.

Estou sendo chato e velho e ranzinza, né? Vou mudar de assunto.

Juro que pensei mais de dez minutos. E a única conclusão a que cheguei é que na época de Natal, perdão, carnaval, não tem assunto. Fora a chuva, tá tudo parado.

Pronto, abri a caixa de e-mails e achei o assunto. Acho que foi o e-mail de número 50 me perguntando uma mesma coisa. Aliás, faz tempo que estou pensando em falar nisso.

Eu queria falar sobre a polícia brasileira. Não sobre a polícia que trabalhou bravamente durante as enchentes e o carnaval, mas sobre uma polícia que não existe. A polícia da internet. Não existe uma delegaciazinha especializada, né? E os crimes estão rolando. E pra cima de mim. Pra quem eu reclamaria, se não tivesse este espaço aqui, senhora prefeita, senhor governador e senhor Lula?

É o seguinte: alguém soltou um texto pela internet chamado Então cancela!, e assinou o meu nome. E ainda assinou errado, com acento no a do Mario. O problema é que essa pessoa está cometendo um crime, algumas injúrias, usando o meu nome. Entre outras coisas, cai de pau em cima do Banco Real (onde nunca tive conta) e no cartão Visa (que tenho dois). Digamos que isto possa me prejudicar. Não poupa a Net nem os provedores.

Pelo pouco que eu entendo de computador e internet, sei que se pode rastrear os e-mails e chegar ao primeiro, no que colocou o meu nomezinho lá. Mas a quem eu devo recorrer, se a delegacia ali da esquina tem uma Remington (para quem não viveu, é uma máquina de escrever, daquelas que você digita e imprime sem impressora, moderníssima)? E se o Visa cortar o meu barato (que é meio caro), como é que eu vou provar que não escrevi aquilo, prefeita, governador e presidente?

Pensem nisso enquanto curam a ressaca. País do carnaval é isso aí. Um texto a mais um texto a menos, que diferença faz?

Tem alguém aí que pode me ajudar a achar este novo tipo de bandido, usando o meu nome para falar mal dos meus confetes e das minhas serpentinas?’



Leila Reis

‘Empolgação ensaiada desvaloriza carnaval’, copyright O Estado de S. Paulo, 29/02/04

‘Como diriam os Big Brothers, ninguém merece o tipo de cobertura que a TV faz de todo santo carnaval. O maior espetáculo do planeta perde muito do seu brilho ao passar pelo vídeo. Pode soar como lugar-comum, mas por vício ou mania a cobertura é engessada pela cartilha escrita há pelo menos uma década nos gabinetes da emissora.

Os âncoras e repórteres podem até se preparar bem para a empreitada, como garante o pessoal do jornalismo das emissoras, mas escondem esse conhecimento com a maior competência ao baixar no sambódromo. As informações sobre as escolas que passam pelas câmeras são básicas e insuficientes. Como as letras dos sambas-enredo, os comentários são redundantes nos adjetivos. Termos como ‘empolgação’, ‘alegria’, ‘magia’, ‘vibração’ e derivados, desfilam na cobertura no mesmo compasso das alas. E o inevitável convite para mostrar ‘o samba no pé’ ao final de cada entrevista? Quem merece?

Assim como em Copa do Mundo, mais do que reportar, os jornalistas parecem incumbidos de levantar o astral e mostrar para o pessoal do sofá o quanto está comprometido cada personagem – representados pela baiana, mestre-sala, porta-bandeira, passista, pinçados na correria da concentração ou dispersão – com o bom desenrolar do espetáculo. Exageram e, com a redundância que merecem, funcionam como animadores da animação carnavalesca.

Dessa maneira, por mais boa vontade que possa ter, o telespectador experimenta uma certa sensação de assistir a uma empolgação representada, teatralizada especialmente para afastá-lo do tédio que pode gerar a repetição. Ou seja, para desanuviar o clima gerado pela repetição, repetem-se fórmulas gastas.

A atuação do pessoal da imagem é tão marcada quanto a do pessoal do microfone. É assim: panorama da escola inteira, foco nos carros alegóricos, close nas mulheres boazudas rebolando e nos componentes das alas cantando ou tocando (no caso da bateria). Panorama, foco, close, panorama…

É por esse motivo que quando ocorre algo que foge desse script o fato é repetido ad naseaum durante a cobertura do desfile e em todos os noticiários (várias vezes, diga-se). É o que ocorreu com o acidente provocado pelo carro alegórico da Gaviões da Fiel, que derrubou o relógio do sambódromo paulistano e feriu cinco pessoas.

Como gol espetacular em campeonato, o choque da alegoria contra o relógio foi mostrado de todos os ângulos possíveis, várias vezes.

A verdade é que, em meio a tanta alegria, a tragédia vira destaque. Quedas de carros alegóricos, quebra de saltos altos, desmaios e afins fazem parte do cardápio de cada ano.

O pós-desfile também não foge à regra. Tensão da torcida dos integrantes da escola durante a apuração, a explosão de alegria na quadra da campeã na hora do anúncio do título, flashes do samba da vitória durante a programação e por aí vai.

Quer dizer, a batida partitura escrita para o carnaval é seguida à risca. E não sobra qualquer brecha para a criatividade. A vantagem, relativa, é que o telespectador sabe que não corre o risco de ser surpreendido.’



Carla Rodrigues

‘Chique é ser anônima’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 23/02/04

‘Primeiro, foi Luana Piovani. Sem se dar ao trabalho de explicar direito porque, desistiu do lugar de destaque na escola de samba, no Carnaval carioca e na tela da TV. Depois, foi Luma de Oliveira, que arrebatada pela surpresa de uma gravidez, também desceu do posto de madrinha de bateria. Pelo artifício da ausência, as duas já conseguiram chamar mais atenção do que todas as musas que vão bater ponto no Sambódromo este ano. É bem verdade que as musas presentes fizeram no pré-carnavalesco grande esforço de divulgacao, como os outdoors que inundaram a cidade anunciando Deborah Secco na Grande Rio. Na tela da TV, Deborah é a manicure Darlene, que sonha em ser o que na vida real Deborah já é: celebridade. A novela de Gilberto Braga, que nunca foi exatamente bem recebida pela crítica, promete deixar uma marca indelével pelo menos no Carnaval carioca. Ao expor ao ridículo o desejo de fama e holofotes, já fez com que o velho estilo Rubem Fonseca – que nunca dá entrevistas, não faz noite de autógrafos, não aparece – se tornasse uma boa estratégia de marketing. Chique, agora, é desejar o simples anonimato e fazer disso um trunfo de imagem.

É claro que o personagem de Darlene é uma caricatura. A manicure do Andaraí que faz qualquer coisa para aparecer – inclusive ameaçar se jogar do alto de um edifício – bate na testa de homens e mulheres que estão aí, loucos para entrar na casa do BBB4 e sair dali com seus 15 minutos de fama garantidos. O pior, no entanto, Gilberto Braga reservou aos que ‘chegaram lá’: o ex-bombeiro Wladimir (Marcelo Faria) e a ex-manicure Jaqueline Joy (Juliana Paes). Ele tem propostas incríveis para brilhar em festas de debutantes e em eventos importantes como a inauguração de uma lanchonete. Ela foi mais longe: conseguiu um programa de culinária na TV. Embora seja boa de cozinha, a professora Iolanda está em cena para mostrar que falta aprender o resto: educação e boas maneiras, por exemplo.

O melhor da novela é que tem para todo mundo. Se aos aspirantes ao estrelato são oferecidas opções medíocres, aceitas como ótimas – só Wladimir tem senso crítico, que vai sendo aos poucos minado pelo seus agentes e pela noiva Darlene -, os personagens que representam o que no passado se costumava chamar de ‘granfinos’ também têm muitos problemas. Beatriz (Deborah Evelyn), a mulher nascida rica, que viveu anos na Europa, não suporta o sol carioca, só viaja de helicóptero e, a julgar pelo seu comportamento com mãe, é perversa e egoísta. Até aí, nada demais. São notórias as críticas de Braga à elite nacional. Por isso, o mais interessantes são os dois personagens que genuinamente não estão interessados na fama. Ou, melhor ainda, fogem dos holofotes: Maria Clara (Malu Mader) e Fernando (Marcos Palmeira).

Os dois representantes das pessoas comuns, dispostas a viver a vida de maneira anônima porém decente, também não são santinhos. Sobre ela, apesar da generosidade das tardes passadas no orfanato com as crianças, paira a desconfiança de ter enriquecido com musa falsa de uma música roubada. Sobre ele, apesar do desprendimento como documentarista premiado que luta para fazer um filme sobre JK e do bom pai, pesa a pecha de marido infiel e genro desleal. Ou seja, o que há de melhor também tem lá seus defeitos – ocultos apenas porque nem Maria Clara nem Fernando aspiram os holofotes. E, exatamente por isso, estão sempre sob a mira de fotógrafos, numa demonstração de como a vida nas novelas também é injusta.

Nada poderia ser mais adequado para mostrar as qualidades das críticas de ‘Celebridade’ do que a quarta edição do BBB. A fórmula que mistura numa mesma casa gostosonas e fortões, pobretões e pobretonas, ‘brasileiros típicos’, nesta temporada representados pela a paraibana sem-caráter Geris. Ela e a babá Cida fazem o estilo ‘não quero ser famosa, estou aqui porque preciso do dinheiro’. Ao não se renderem à (falta de) figurino fácil das turbinadas que dão sempre um jeitinho de mostrar mais um pouco do corpo e o pouco de cérebro, a dupla apela ao mesmo tipo de estratégia: aparecer se fingindo de discreta.

Para cada Luma ou Luana ausentes do Sambódromo, haverá Deborahs, Galisteus e semelhantes presentes para mostrar samba no pé e manter acesa a chama do glamour do Carnaval carioca. As celebridades de plantão não estão nem aí para o anonimato, até descobrirem uma boa maneira de aparecer pela tática da descrição. Neste mundo de imagens reluzentes, difícil mesmo é encontrar alguém autêntico.

Carnaval no cinema

‘Coisas belas e sujas’, de Stephen Frears, em cartaz desde sexta-feira, 20, é uma ótima opção para quem pretende fugir da folia. O filme de Frears conta uma história de amor – de uma mulher por um homem, e desse homem a seus princípios. Com um argumento original – a história de um gerente de hotel que está envolvido numa rede de tráfico de órgãos -, com personagens improváeis e diálogos de altíssima qualidade, ‘Coisas belas e sujas’ é um filme que faz pensar. Trata da distinção entre as pessoas visíveis e as invisíveis, para as quais o anonimato não é escolha ou estratégia, mas condenação. Dessa invisibilidade brota a chance de passar a vida ao largo de qualquer tipo de valor, o que só reforça a idéia de que a grande desigualdade do mundo contemporâneo não passa apenas pelas diferenças socio-economicas ou culturais. Mas principalmente pela chance que cada um tem de desejar e escolher seu destino.’