O Festival Internacional de Cinema de Locarno anunciou o ganhador do prêmio Leopardo de Ouro com a frase: “filme “Zona Crítica”, de Ali Ahmadzadeh, um hino à resistência iraniana e à liberdade”. Uma mensagem enviada a todos, às iranianas e aos iranianos, que combatem a ditadura teocrática xiita. Mas sentida também, de maneira forte por todos quantos viveram em seus países, o peso e a violência da censura. Assim, o Festival de Locarno confirmou mais uma vez sua vocação de defensor da liberdade e dos direitos humanos.
No ano passado, o Leopardo de Ouro entregue ao filme libertário de Júlia Murat, “Regra 34”, era uma mensagem aos reacionários religiosos bolsonaristas, empenhados em acabar com o cinema como expressão de ideias e comportamentos por cineastas livres e independentes. Um filme político, como havia definido o diretor do Festival, assim como é político o filme iraniano.
Este ano, o Leopardo de Ouro com suas unhas e dentes desafia a ditadura teocrática xiita iraniana e passa mesmo um sabão na diplomacia alemã por ter negado, há alguns meses, visto de entrada na Alemanha ao realizador do filme iraniano Ali Ahmadzadeh. Depois da divulgação da seleção do filme iraniano “Zona Crítica” para a competição internacional do Festival em meados de julho, Ahmadzadeh passou a ser pressionado pelas autoridades policiais e pelo governo iraniano a fim de retirar seu filme da competição. E foi impedido de sair do Irã para apresentar seu filme em Locarno e, portanto, não pôde conceder entrevistas, durante a competição internacional, e nem receber pessoalmente o Leopardo de Ouro, que foi entregue ao produtor do seu filme, o iraniano Sina Ataeian Dena, seu representante junto à imprensa em Locarno.
Dena é também realizador e seu filme “Paradise” esteve, em 2015, na competição internacional do Festival de Locarno. Depois desse filme, não retornou ao Irã e levou sua família para Berlim, onde passou a viver. Falando para a imprensa internacional em Locarno, criticou o regime iraniano, responsável pela execução de pessoas, e afirmou esperar uma queda dessa teocracia, porém “sem saber dizer quanto tempo e quanto sangue ainda terá de correr”.
“Zona Crítica” foi filmado clandestinamente nos arredores de Teerã e enviado também de maneira clandestina para o Festival de Locarno, onde se tornou um dos 17 participantes da competição internacional, concorrendo ao Leopardo de Ouro. Sua exibição ocorreu no penúltimo dia do Festival.
O prêmio ao filme iraniano “Zona Crítica” foi concedido onze meses depois do assassinato pela polícia iraniana da jovem Masha Amini. Mas as filmagens tinham terminado alguns dias antes desse assassinato praticado pela polícia iraniana de costumes.
“Zona Crítica” conta os trajetos de um dealer orientado pelo som do seu sempre presente GPS nos arredores de Teerã, dirigindo seu automóvel pelos túneis das vias expressas das autoestradas periféricas e, na estrada, em noite escura. Embaixo do aeroporto encontra-se com uma jovem vinda de um avião que, com pouco combustível quase se espatifou porque os russos não queriam autorizar nem pouso e nem fornecer combustível. “Veja onde está o prestígio do nosso país diz ela” que recebe um pacote de ópio para levar a Amsterdã.
Depois de ter distribuído biscoitos de maconha para velhinhos, atende o pedido de uma mãe desesperada com seu jovem filho numa crise por consumo de droga. Consome cocaína com uma jovem passageira sem o véu exigido pela teocracia, assustam-se com o aparecimento de um carro que os persegue, provavelmente da polícia. Livram-se da perseguição, mas a jovem ainda sob o choque passa a gritar “fodam-se, fodam-se”, mostrando não poder mais suportar o regime e as restrições a quem tem de se submeter como mulher.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.