Saturday, 29 de June de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1294

Balão de ensaio e plantação: os interesses no jornalismo político

(Foto: UX Indonesia na Unsplash)

Há duas expressões que são recorrentemente usadas por jornalistas e agentes políticos: “balão de ensaio” e “plantação”. A primeira podemos definir como aquela informação estrategicamente vazada com a finalidade de avaliar antecipadamente os possíveis efeitos de uma determinada medida. Isso acontece, por exemplo, quando uma fonte do governo diz, na maioria das vezes sob sigilo, que haverá uma alta de impostos para verificar qual a reação do mercado.

Dito de outra forma, o “balão de ensaio” é uma “plantação” de uma informação cujo objetivo da fonte é ter conhecimento antecipado do que irá “colher”. Entretanto, nem toda “plantação” é um “balão de ensaio”, isto porque nem sempre ao “plantar” uma informação a intenção da fonte é conferir de antemão os possíveis efeitos.

Um ator político que repassa a um repórter uma denúncia (verdadeira ou não) contra seu adversário tem como finalidade apenas prejudicar seu oponente. Dessa forma, podemos dizer que a “plantação”, diferentemente do “balão de ensaio”, tem finalidades diversas. A plantação, inclusive, pode ser em benefício do próprio “agricultor”, ou seja, do autor da informação. Já anotou o escritor francês Honoré de Balzac, em Os Jornalistas, que, diante da concorrência por um cargo desejado, “pode impedir a nomeação de seu rival fazendo badalar a sua com elogios por todos os jornais”.

A prática de “plantação”, caracterizada pela disseminação de informações com um propósito específico, possui pelo menos três objetivos distintos: 1) avaliar a reação a uma medida específica; 2) causar prejuízo a algo ou alguém; e 3) favorecer a si mesmo ou a terceiros.

Encontrar uma fonte verdadeiramente altruísta é possível. Porém, no âmbito da política, onde a luta pelo poder é intensa, isso se torna mais desafiador. Como bem observou a jornalista Cristina Serra, durante participação no podcast Repórteres do Poder, a maior dificuldade para quem cobre política é desvendar o interesse de cada ator político. “O jornalista está no cruzamento de todo tipo de interesse que atravessa a política institucional brasileira. Quando falo que está no meio deste cruzamento de interesses, é porque a gente sabe que os lobbies do poder econômico atuam fortemente fazendo seu lobby, pressão para legislações que atendam seus interesses. Ou contra legislações que contrariam seus interesses. Então, quando se está em Brasília cobrindo o Congresso, tem que entender, dentro dos 513 deputados e 81 senadores, quem representa o quê, representa que força política e quais os interesses econômicos que as forças políticas representam e defendem”, afirmou ela.

É preciso salientar que o fato de a divulgação de uma informação interessar à fonte ou a um grupo específico não a torna impublicável ou, em outras palavras, sem interesse público. Por outro lado, a maneira correta de agir jornalisticamente seria fornecer uma explicação clara ao leitor sobre quem se beneficia com tal notícia.

Agora, é necessário distinguir uma interpretação equivocada do repórter de uma “plantação”. Imaginemos que uma determinada fonte informou ao jornalista que o prefeito de uma cidade tem se queixado do secretário da Casa Civil. E, na avaliação dessa fonte, o prefeito acabará exonerando o auxiliar. Se a reportagem é construída da seguinte forma – “Prefeito avalia exonerar secretário da Casa Civil” -, há um erro. Por quê?

Em momento algum, a fonte informou que o prefeito avalia exonerar, mas sim que ela – a fonte – tem a impressão de que, diante das insatisfações, o secretário acabará exonerado. O certo, portanto, seria: “Aliados acreditam que prefeito está insatisfeito e irá exonerar secretário”. 

No exemplo mencionado, é importante frisar que, se a fonte informou ao repórter sobre a suposta insatisfação com o secretário e a iminente exoneração dele, mas não há queixas nem o prefeito cogitou tal exoneração, então trata-se de uma informação incorreta, conhecida no jargão jornalístico como “barrigada”. Neste caso, há apenas um interesse da fonte em prejudicar o secretário.

Antes de concluir, é necessário destacar mais um ponto. A não concretização de uma “plantação” não significa, por si só, que houve uma “barrigada”. Por exemplo, quando três nomes são considerados como possíveis candidatos a governador e uma reportagem destaca qual deles parece estar à frente como favorito, mas essa informação não se confirma, não necessariamente indica um erro na apuração. Pode ser simplesmente que houve uma mudança de planos entre os responsáveis pela definição do candidato. Afinal, já dizia o ex-governador mineiro Magalhães Pinto que política é como nuvem: você olha, está de um jeito; e olha de novo, já mudou. No entanto, é essencial que o jornalista seja capaz de explicar por que o nome que parecia ser o favorito não foi escolhido.

Decerto, desvendar e dar transparência aos interesses por trás das ações dos agentes políticos é o maior desafio do jornalista que cobre o campo político. Muitas decisões ocorrem nos bastidores de forma oculta e um repórter político tem que ter a habilidade de investigar e compreender o contexto político em que está inserido. Não se pode apenas relatar discursos e promessas.  Também deve expor os reais motivos das ações dos atores políticos.

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Rodrigo Daniel Silva é jornalista e mestre em Comunicação Política pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). É editor de política do jornal Correio