Foram só 61 dias a mais na decisão do Conselho de Ética, mas a punição imposta ao deputado Fernando Cury (Cidadania) simboliza uma vitória inédita contra o assédio e um reforço à dignidade das mulheres que atuam na política brasileira dominada por homens. Depois da divulgação do vídeo sobre o momento em que Cury abraça a deputada Isa Penna (PSOL), a deputada o acusou de importunação sexual e exigiu uma punição, que veio de forma disfarçada, quase um período de férias de 119 dias remunerados. Ontem a penalidade aumentou dois meses e um dia mas teve efeito triplicado por se tratar de uma suspensão inédita na Assembleia Legislativa de São Paulo, coletando 86 votos a favor, nenhum contra, e nenhuma abstenção ou voto em branco.
O mandato e o gabinete de Cury paralisam nesse período, sem remuneração, e o suplente Padre Afonso (PV) toma posse com direito a formar sua equipe própria. Para Cury, trata-se no mínimo de um vexame público. Não deixou dúvida a cena filmada em dezembro do ano passado durante o processo de votação na ALESP. Fernando Cury alega ter feito um gesto de carinho, mas a passada de mão por trás junto ao seio da deputada Isa Penna (PSOL) não foi tão inocente. O vídeo mostra o colega que conversava com Cury minutos antes tentando impedi-lo do que parecia uma aposta de machos no momento em que Isa conversava com o presidente da mesa, portanto distraída. Foi totalmente inapropriado e nem se tratava de uma conquista. Isa seria mais uma mulher apalpada naquele templo como objeto sexual, uma redução de status e um rebaixamento humilhante que devora um século de conquistas femininas.
Nunca antes na história da ALESP um deputado havia sido suspenso, muito menos por um gesto habitual que na verdade não envolve um desejo real de carinho, um verdadeiro afeto, uma paixão incontrolável. E as mulheres sabem distinguir uma coisa da outra.
Isa Penna e Emidio de Souza (PT) brigaram pela cassação de Cury que, segundo a professora de Direito Penal Janaína Paschoal (PSL) seria pertinente de acordo com as duas Constituições, Federal e Estadual. A princípio o parecer do Conselho de Ética da ALESP optou pela pena branda, suspensão de 119 dias porque com menos de 120 dias o suplente não receberia seu salário nem ocuparia seu lugar. Os deputados acionaram a Justiça e ontem tiveram a resposta do consenso no Colégio de Líderes com unanimidade dos votos. Não conseguiram a cassação, fato que só aconteceu uma vez em 199 na ALESP pela acusação de envolvimento do ex-deputado Hanna Garib na “Máfia dos Fiscais”. Mas comemoraram a decisão como vitória contra o assédio. A pedido do Ministério Público de São Paulo corre em paralelo uma investigação contra o deputado estadual pela cena do vídeo que pode sugerir uma infração criminal “de importunação sexual”.
Isa Penna redigiu uma nota sobre a decisão que considerou “um momento histórico dentro da história do Parlamento Paulista”.
“Deixamos um recado para a sociedade: a ALESP não aceitará assédio, nós, mulheres, não iremos aceitar assédio, seja ele moral, sexual ou psicológico! Estaremos lado a lado com todas as mulheres.”
***
Norma Couri é jornalista.