Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Mulheres na mídia

A inversão do jogo de forças entre as mulheres e o marketing das empresas. Elas ditam como querem ser representadas e não aceitam modelos rígidos e prontos. Mas até que ponto as empresas e as agências estão entendo isso?

Já é chavão afirmar que a mulher é ora representada como objeto sexual pelas propagandas de cerveja, ora dona de casa pelos produtos de limpeza. Mas poucas analistas têm dado importância à emergência de uma virulenta (e inédita) reação a essas propagandas. Como as mulheres, e mesmo os homens, por meio das redes sociais, estão respondendo rápida e criticamente a essas representações simplórias e desencaixadas da mulher nas sociedades contemporâneas. O que pode, em médio e mesmo curto prazo, forçar o realinhamento das empresas na representação feminina — caso queiram agradar as responsáveis por mais de 80% das decisões de compra.

A própria Dove, pioneira na representação da ideia de uma “mulher real”, cometeu recentemente um desastroso equívoco. Em um anúncio apresenta uma sequência com imagens de uma mulher negra que ao tirar a camisa marrom dá lugar a uma mulher branca, sugerindo que seus produtos poderiam “limpar” e esbranquiçar a mulher. A visão preconceituosa da cor é rápida (e violentamente) criticada pelo público que passa a atacar a empresa em sua Fanpage e a replicar a crítica nas redes sociais. Os preços das ações da Unilever chegam a sofrer queda após a reação. O que obrigou a empresa a pedir desculpas.

A retratação da Dove não é um caso isolado. Uma propaganda do sabão em pó da marca Ariel da P&G, replica o chavão infeliz: “a mulher esquenta a barriga no forno e esfria no tanque”. A reação também não tardou. Além de desculpas a marca disse que ficaria mais atenta às reações das consumidoras em sua fanpage. Outra propaganda polêmica foi aquela veiculada pela Cerveja Cristal, onde o homem trazia sua cerveja gelada e uma mulher de “brinde” do polo Norte. Irritando o público.

Tensões essas que são sintomáticas de um momento social, no mínimo, interessante. Se antes essas propagandas eram tomadas com naturalidade há agora um contrapasso das mulheres. Ao invés de tentarem se moldar e caber dentro da expectativa do padrão estético e moral eleito pelos meios de comunicação, elas querem o contrário: que as propagandas se adaptem e representam com mais realismo as suas vidas. E não são só as feministas que estão reagindo. Há um entendimento crítico generalizado entre as mulheres que não “compram” mais as imagens tão facilmente. Uma inversão do jogo de forças das representações que pode oferecer, dentro em breve, resultados para lá de complexos e ricos.

Mulheres que se deram conta, inclusive, de sua ingerência sobre as marcas. Há um novo entendimento de suas forças, especialmente vocalizado pelas redes sociais. E nessa queda de braço suspeito que as mulheres vencerão. Não tanto por uma boa vontade ética das empresas ou das agências de publicidade, mas por um fator econômico. No país elas movimentam mais de 1 trilhão de reais ao ano e podem muito bem boicotar marcas que estereotipam as mulheres. Será um risco grande (e desnecessário) das empresas continuarem insistindo em uma representação em preto e branco diante de mulhere(s) em HD.

Há mulheres, no plural. Negras, mais velhas, ricas, pobres, lésbicas, que não querem ter filhos, mas que não se veem representadas na mídia para além da dicotomia empobrecedora das suas possibilidades. Elas, inclusive, bebem cerveja, viu! E tem desejos sexuais, assim como os homens. Pouco tem se falado das mulheres do entretenimento, especialmente do nicho sertanejo que passam a vocalizar esse outro lado. Nas letras elas traem, tomam a iniciativa, bebem. Recentemente uma delas foi questionada em sua página por uma internauta, afirmando que um amigo lhe disse que é feio mulher beber e expor isso publicamente. No que rapidamente a cantora respondeu: “diz para o seu ‘amigo’ que é ele que fica feio se você não beber”.

É essa mulher que não aceita facilmente o patrulhamento moral — que deixa, exatamente por isso, de ter efeitos coercitivos sobre seu comportamento — que as empresas negam-se a ver. Como se a propaganda (que deveria ser vanguarda) parasse no tempo e não conseguisse perceber o novo lugar da mulher na sociedade. Tanto que não há diferença substancial entre as propagandas do século XIX e as atuais. Mulheres casadas serviçais ou jovens com corpos esculturais submetidas ao desejo masculino perpetuam-se como uma fórmula que deu certo, mas que não se sustenta mais.

Se a propaganda gosta da subversão, do politicamente incorreto, do humor, porque não mostram essa mulher que rompe esses padrões? Não estariam os publicitários sendo muito sem graça?! Reproduzindo piadas antigas que já não fazem (ninguém) rir. Mais beiram o desrespeito, o preconceito e o moralismo, e que, por isso, sequer tocam a sombra da mulher contemporânea.

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Isabelle Anchieta é doutora em Sociologia pela USP, mestre em Comunicação Social, foi escolhida como Jovem Socióloga brasileira pelo prêmio da Associação Internacional de Sociologia, com apoio da UNESCO. Também foi premiada nacionalmente como Jornalista Cultural pela seleção do Rumos Itaú Cultural. Foi jornalista pela Rede Minas e âncora na Rede Globo Minas, além de professora universitária e colaboradora de diversos jornais e revistas como Estadão e Mente & Cérebro. Atualmente é seguida por 175 mil pessoas de várias nacionalidades em sua rede social no Facebook.