Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Suíços aprovaram casamento entre homossexuais

Foto: David McNew/Getty Images

O povo suíço aprovou, em referendo por 64, 1% contra 35,9%, a legalização do casamento entre homossexuais ou o chamado Casamento para Todos. Mostrando uma enorme evolução no pensamento da população nos últimos anos, nenhum cantão suíço votou contra. Mesmo o cantão de Appenzell, considerado o mais conservador, votou a favor por 50,8%. Entre os maiores cantões, foi o de Basel com maior percentagem de votos favoráveis, 74%.

Duas mulheres poderão se casar legalmente e inclusive ter filhos por inseminação artificial, com todos os direitos e deveres próprios do casamento, inclusive relacionados com posse e partilha de bens, herança e participação na aposentadoria no caso de morte. Igualmente, dois homens poderão também se casar legalmente com todos os direitos e deveres próprios do casamento; a única diferença é a de que não poderão ter filhos.

A unanimidade dos cantões no referendo garante uma total legitimidade à modificação agora feita na Constituição suíça. Há 16 anos, quando houve uma votação em favor do direito dos homossexuais de registrarem sua união, num contrato de parceria, a aprovação tinha sido de apenas 58%. Foi marcante a aprovação nas áreas urbanas de língua alemã, de religião protestante, beirando os 70%, enquanto no lado de língua francesa, com maioria católica, cidades como Genebra e Friburgo, a aprovação foi por 65% e 62%.

Na Suíça, o homossexualismo só deixou de ser considerado um delito, passível de punição, em 1942. A vitoriosa modificação constitucional demorou oito anos para chegar ao referendo, pois tinha sido proposta, em dezembro de 2013, e não foi pelos socialistas, como se poderia pensar, mas por uma conselheira nacional do partido Verde-liberal (direita), Kathrin Bertschy.

O fator religioso não teve influência preponderante, pois a Federação das Igrejas Protestantes aprovava essa abertura e mesmo a Igreja Católica não opõe obstáculo à celebração religiosa do casamento na igreja entre dois homens gays e entre duas mulheres lésbicas. Apenas grupos minoritários de evangélicos eram contra, identificando-se nessa posição com o chamado Partido do Povo, qualificado como de extrema-direita. A imprensa suíça destacou a existência de cartazes homofóbicos espalhados pelo país, na campanha contra o casamento para todos.

O Papa Francisco já havia declarado, no ano passado, no filme Francesco, apresentado no Festival de Cinema de Roma, ser favorável a que os casais homossexuais tivessem o direito de viver numa união civil, que os proteja legalmente. Mas, quando arcebispo de Buenos Aires, tinha se oposto ao casamento entre homossexuais que Cristina Kirchner queria propor. Essa diferença proposta, união civil e não casamento, teria o objetivo de evitar uma crise dentro da Igreja Católica.

Foram mais de quarenta anos de tentativas, até os casais do mesmo sexo conquistarem, na Suíça, o direito de se casarem com os mesmos direitos dos casais heterossexuais. A Suíça é um dos últimos países da Europa ocidental a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Agora só não permitem esse casamento a Itália e o principado de Liechtenstein.

De acordo com a organização Anistia Internacional, a Suíça é o vigésimo nono país no mundo a reconhecer o casamento para todos, com a aceitação decorrente das minorias de gênero. Nos países onde já existe esse reconhecimento, diminuíram as agressões contra homossexuais e os suicídios entre eles. Entretanto, segundo a Anistia, ainda existem medidas a serem adotadas para proteger os homossexuais.

O Brasil está na frente da Suíça desde 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça aprovou a resolução 175, que “veda todos os cartórios do País a recusa de habilitar e celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo e converter a união estável homoafetiva em casamento. Isso estabeleceu o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo Brasil”. A decisão está em vigor desde 16 de maio de 2013. Quem presidia o Brasil nessa época era Dilma Rousseff.

O reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo tinha sido permitido por decisão do STF em 5 de maio de 2011. “A Corte entendeu que a Constituição assegura a casais homoafetivos o direito de se casarem e que o Código Civil vigente não impede o casamento de pessoas do mesmo sexo”.

A primeira Conferência Nacional LGBT, com base nos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e foi aberta em 5 de junho de 2008 pelo presidente e sua esposa Marisa Letícia. Entre os temas debatidos estava a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, pela qual Lula tinha se declarado favorável.

Apesar desse avanço, a presença de um religioso fundamentalista no STF, como pleiteiam os evangélicos, com a candidatura do pastor André “terrivelmente evangélico” Mendonça, poderia representar um risco de regresso na matéria e mesmo uma ameaça ao Estado laico atual, diante da pressão feita por pastores como Silas Malafaia e Marcos Feliciano.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.