As mulheres, em sua atuação política, têm identificado situações de violência e assédio vividas no âmbito eleitoral e institucional, reivindicando seu combate e dando contornos mais nítidos à chamada “Violência Política de Gênero”. Essa movimentação e o destaque midiático crescente a casos emblemáticos têm fomentado o debate público e acadêmico nos últimos anos.
Situações como o assédio contra a deputada Isa Penna (PSOL-SP) ocorrido na Alesp, os ataques sofridos pelas senadoras na CPI da Covid (com destaque para o que o Ministro da Controladoria Geral da União dirigiu à Simone Tebet, líder da bancada feminina, chamando-a de descontrolada) assim como as inúmeras agressões e ameaças dirigidas continuamente nas redes sociais a Tábata Amaral, Manuela D’ávila, entre outras lideranças femininas, são alguns dos episódios que se sucederam ao longo de 2021 e que exemplificam expressões do fenômeno em nossa realidade política.
Cabe destacar que a categoria ‘Violência Política de Gênero’ é subsidiária da formulação das organizações e movimentos feministas, estando a discussão acadêmica ainda a construir interpretações de referência sobre o fenômeno. De um modo geral, a violência política de gênero se manifesta através de ações que visem impedir as mulheres de exercerem seus direitos políticos (votarem, serem votadas, exercerem mandatos), sendo essas ações caracterizadas por agressões físicas, sexuais e psicológicas.
Em geral, tais agressões assumem formas já conhecidas pelas mulheres que se adensam no campo político: terem suas posições ignoradas, serem julgadas por sua aparência, questionadas por sua vida privada, colocadas em posições de menor relevância, terem suas vozes e argumentos descredibilizados e/ou interditados etc. Além de agressões, a violência política se expressa também em dimensões econômica, moral e/ou simbólica que incidem sobre a atuação política das mulheres.
A experiência da violência política transpassa a trajetória de mulheres em vários lugares do mundo. A União Interparlamentar (2016) realizou um levantamento em 39 países, consultando deputadas sobre o tema, e obteve os seguintes dados: a) 81,8% das mulheres entrevistadas relataram ter sofrido violência psicológica; b) 44,4% indicaram ter vivido episódios de ameaças de morte, estupro, espancamento e c) a violência política no espaço do parlamento foi relatada por cerca de 25% das entrevistadas. Por fim, 39% das deputadas reconheceram que tais experiências comprometem a plena efetivação de seus mandatos.
No Brasil, pesquisa realizada com deputadas e senadoras revelou que 80,8% das entrevistadas já sofreram algum tipo de ataque que prejudica sua atuação parlamentar. Quando questionados os tipos de violência, as menções são: 60,3% psicológico; 52,1% verbal (xingamentos); 16,4% sexual; 13,7% econômica; 4,1% física. Entre as situações relatadas: questionamentos sobre a vida privada (45,2%); interrupções durante as falas (39,7%); questionamento à aparência (34,2%); foi tratada como “louca” (34,2%) e foi excluída de debates (30,1%).
A pesquisa revela ainda que entre os ambientes em que as congressistas mais vivenciam as agressões estão a internet (63%) e o Congresso Nacional (54,8%). Chama atenção também o fato de a Mídia (45,2%) ser mencionada como espaço onde ocorreriam os episódios de violência.
Diante deste reconhecimento das parlamentares sobre a atuação do trabalho jornalístico na reprodução da violência política, nos questionamos acerca da cobertura da imprensa sobre o fenômeno. Numa breve observação, durante este ano de 2021, observamos que as publicações ainda são poucas e basicamente se orientam por três tipos preferenciais: a) entrevistas com mulheres que vivenciam experiências de violência política; b) divulgação de pesquisas sobre o fenômeno; e c) artigos de opinião de pesquisadores/as analisando o tema.
No último dia 5 de agosto, foi sancionada a Lei 14.192/21, que estabelece normas para coibir a violência política de gênero no Brasil. Sua implementação abre uma avenida para o aprimoramento do debate público sobre o fenômeno. A mídia, e a imprensa em particular, tem uma excelente oportunidade para ampliar a visibilidade em torno deste debate, contribuindo para o melhor entendimento do fenômeno e rompendo com a percepção, partilhada pelas próprias mulheres, de que a mídia ainda atua como esfera reprodutora da violência contra elas na política.
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Monalisa Soares Lopes é doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Docente do Departamento de Ciências Sociais – DCS/UFC e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia – PPGS/UFC. Coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia – LEPEM. E-mail: monalisasoares@ufc.br
Gabriella Maria Lima Bezerra é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande de Sul – UFRGS. Docente do Departamento de Ciências Sociais – DECISO, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, UFRPE. Pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia – LEPEM, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, UFC. E-mail: gabriella.bezerra@ufrpe.br