Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Jornais do interior vão bem, obrigado

Há um consenso geral em nosso meio de que o jornal de papel já não atende aos anseios do mercado (este senhor que manda em nossas vidas e é bipolar) e que, portanto, teremos menos emprego (ou quiçá sua extinção) num futuro perigosamente próximo.

Sem dúvida, é algo que nos atormenta. Mas ouso dizer que o provável fim do jornal me parece mais distante desse futuro próximo quando pensamos em seu papel (olha ele aí) fora do perímetro das grandes metrópoles.

Quis o destino que eu me mudasse para um município do estado de São Paulo, com cerca de 200 mil habitantes, vizinho à divisa do Mato Grosso do Sul, e voltasse à redação de um jornal. E, aí, qual não foi minha surpresa ao constatar que a empresa de comunicação e o habitante da cidade vivem uma relação incrivelmente estreita.

Aqui o cidadão muitas vezes se encontra dentro das páginas do jornal, seja numa imagem capturada no centro, ali na praça, próximo à igreja matriz, seja vendo seu nome em uma citação na coluna social, ou até em uma página da editoria de polícia. E se ele não é o personagem, com certeza conhece o dono da história. De um jeito ou de outro, todos que aqui vivem estão envolvidos com o jornal. E o jornal com eles.

Outro hemisfério

A relação jornal-leitor é muito mais quente, digamos assim, numa cidade com uma população pequena. Em cidades com esse perfil, o jornal é ainda o único veículo em que o cidadão de fato se informa sobre as coisas de seu universo. Alguém já disse que não moramos em um estado ou país, mas sim em uma cidade. Essa é uma grande verdade.

Os sites noticiosos, os grandes portais, acessados pelos celulares da geração Y – que dizem vai nos abandonar em breve –, também não contemplam esse jovem leitor, quando procura notícias de sua cidade. É no jornal, e só nele, que também esse público encontra as coisas de seu mundo.

Por aqui, o jornal também cumpre um papel social. É o único caminho onde as comunidades mais carentes pedem socorro para pressionar o poder público a resolver seu dilema. Eis um número: nosso telefone para o cidadão reclamar da falta de algum serviço municipal recebe o dobro de chamadas recebidas pelos telefones da prefeitura e de suas secretarias. O que demonstra que a população confia muito no jornal.

É no jornal que o morador vai saber sobre a festa que ocorreu na madrugada de dois dias atrás e à qual ele não pode comparecer. E as rádios só noticiam o que o jornal publica sobre a cidade.

Evidente que não se pode baixar a guarda, como se vivêssemos fora desse mundo globalizado. Também temos nossos problemas. Mas, com certeza, o jornal ainda é o meio que merece todo nosso foco. É preciso continuar a investir, modernizá-lo, sem nos esquecermos do mundo online, dando a este a devida importância.

Por esses lados, a vida ainda segue seu presente sem mudanças muito significativas quando o tema é jornal de papel. O tal do senhor mercado, apesar de bipolar, entende bem isso. Nas metrópoles, talvez aquele futuro próximo, que não queremos, esteja, de fato, muito perto.

Aqui ainda está distante. Fica a dica: ao se discutir o futuro dos jornais, há um outro hemisfério que é preciso levar em conta, longe d’O Globo, Folha de S.Paulo e Estadão.

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Helder Bertazzi é coordenador de comunicação na Folha da Região, em Araçatuba (SP)