Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Uma bem-sucedida rede de veículos comunitários digitais

A rede chilena de veículos locais digitais “Mi Voz”, que inicialmente era chamada de Rede de Diários Cidadãos, foi fundada em 2005. Em pouco tempo, transformou o modo como o jornalismo é produzido, consumido e sustentado em pequenas cidades e vilarejos chilenos, muitas vezes esquecidos fora de Santiago, a capital do país.

Nesse processo, ficou provado que uma rede de jornalismo local pode ser lucrativa. O modelo de negócio inovador depende acima de tudo de uma mistura de publicidade e venda de estudos de mídia digital, treinamentos e inteligência. “A cada ano estamos crescendo e é isso que torna o negócio interessante”, diz o cofundador Jorge Domínguez.

A “Mi Voz” é formada por uma rede de 20 meios de comunicação dedicados a levar notícias de qualidade a todo o interior do país, formado pela estreita faixa de terra que vai da fronteira com o Peru, no norte, à Patagônia, no sul. Dos 20 veículos, 15 são diários locais e cinco são revistas temáticas que cobrem questões como alimentação e esportes. Juntos, eles geram um tráfego combinado de 3 milhões de visitantes únicos por mês, o que é expressivo em um país de 17,5 milhões de habitantes.

O objetivo inicial não era criar um negócio, mas contar histórias e relatar fatos de regiões fora de Santiago, que raramente eram ouvidas no Chile – onde a cobertura noticiosa era limitada e em geral envolvendo escândalos ou crimes. Jorge Domínguez, que tinha uma base de conhecimento em trabalhos de comunicação digital com organizações sem fins lucrativos, a partir do monitoramento do sul-coreano Oh My News – um veículo que estimula os moradores a contar suas próprias histórias –, quis fazer algo semelhante no Chile. Ele juntou-se com Paula Rojo, uma designer, para lançar a “Mi Voz” em 2005.

Quando Rojo e Domínguez apresentaram seu plano para trabalhar histórias locais em uma rede nacional, a repercussão inicial foi negativa, com a alegação de que não haveria uma receita de sucesso sem cobertura de crimes, sexo e escândalos. Mas a “Mi Voz” se manteve firme a seus princípios, provando que as pessoas estavam interessadas em outros tipos de histórias e que tal empreendimento poderia ser lucrativo. “Queremos criar um espaço onde os cidadãos, líderes locais, governantes e funcionários públicos podem conversar e discutir o futuro coletivo da cidade”, diz Rojo.

Sede em Santiago

Mesmo que o foco desses sites locais sejam as regiões negligenciadas pelos grandes meios de comunicação da capital, Domínguez e Rojo optaram por manter a sede da rede em Santiago, o que lhes permite um trabalho acessível a grandes empresas, ONGs e órgãos governamentais. Ao mesmo tempo, eles descobriram que seu grande diferencial competitivo é o conhecimento de áreas fora da capital. A fórmula parece estar funcionando. Ao completar 10 anos de fundação, a “Mi Voz” já fatura US$ 2 milhões por ano e não depende de fundações ou apoio do governo.

Chave para o desenvolvimento da rede foi tratá-la como um negócio e não como uma entidade sem fins lucrativos, disse Domínguez. “Minha opinião é que, se tivéssemos sido uma entidade sem fins lucrativos, não teríamos aprendido como é difícil competir nesse mercado. Não teríamos sido obrigados a inovar, a lutar.” Ao mesmo tempo, ele garante que o objetivo de conduzir o negócio com a missão de dar respostas à comunidade é um fator que energiza e dá foco para a empresa.

Esse foco está assentado em quatro pilares:

>> o crescimento do negócio;

>> a organização, seu crescimento e satisfação dos funcionários;

>> o propósito e visão do projeto em termos de criação de valor para o Chile;

>> a satisfação do cliente.

Cerca de metade da receita da empresa, em torno de US$ 1 milhão, vem da publicidade. Desse montante, 60% vêm de anúncios vendidos em toda a rede e 40% vêm de anúncios vendidos individualmente para os sites. Os 15 membros da equipe de vendas da empresa são divididos, igualmente, entre em Santiago e regiões fora da capital.

De acordo com Domínguez a outra metade da receita, US$ 1 milhão, vem da pesquisa em mídias sociais, da internet, da realização de media trainings e de estudos internos sobre mídia e inovação tecnológica. O centro de estudos de mídia social produz a sua própria investigação e depois a vende para empresas. A “Mi Voz” criou recentemente, por exemplo, um relatório de 200 páginas intitulado “O que o Chile comenta no Twitter”. O estudo foi então dividido por temas, com diversos relatórios, como “O que o Chile diz sobre a água?” Esses relatórios foram vendidos para 40 clientes, incluindo empresas e organizações não governamentais.

Enquanto isso, os treinamentos acontecem nos vilarejos e nas pequenas cidades em que os veículos locais diários estão localizados. Grandes empresas chilenas, em particular de mineração ou reflorestamento, pagam para treinar seus trabalhadores a usar a internet e os diversos canais de mídia. Domínguez credita essa oportunidade ao fato de as empresas estarem conscientes de que terão trabalhadores mais satisfeitos se eles souberem como usar a internet e puderem usar os sites locais para divulgar informações para eles. “Esta área envolvendo os processos de acesso de pequenas comunidades a uma rede wifi e novas plataformas está em crescimento”, disse ele.

Equipe

A menor das áreas da organização é a voltada para a estratégia digital. Essa área foi criada originalmente para servir diferentes sites da empresa e ajudá-los a trabalhar juntos para fazer a rede crescer. Mas, quando as companhias locais tomaram conhecimento dela mostraram-se interessadas em comprar esse tipo de know-how. Hoje, a empresa vende seus materiais de estratégia digital para 10 clientes, incluindo uma rede de vídeo e um grupo de saúde pública.

No total, a equipe da rede é formada por cerca de 70 funcionários em tempo integral, juntamente com cerca de 30 pessoas em tempo parcial e outros trabalhadores contratados. A maioria das cidades tem um editor local que vive na cidade. Os repórteres são pagos pelo seu trabalho. “Mi Voz” também se orgulha de ter treinado 30.000 correspondentes comunitários não pagos ao longo desses 10 anos – pessoas que contribuem principalmente com textos em primeira pessoa e colunas, e que também arranjam anúncios. Além de filtrar histórias e revisar os textos, os editores também são responsáveis pela mobilização e formação de moradores, por vezes até ajudando a criar um espaço de trabalho para pessoas com capacidade de operar na internet.

Rojo disse que nunca recebeu uma denúncia sobre falta de pagamento de seus colaboradores: “Eles se sentem [são] os proprietários dos meios de comunicação”, disse ela. “Eles podem ter influência.”

Parte da filosofia de “Mi Voz” é não impor limites para contribuições à rede. A empresa recebe inscrições de funcionários públicos, representantes de organizações da comunidade e até mesmo de companhias. Em uma área onde a mineração é controversa, por exemplo, tanto podem fazer postagens as empresas de mineração como moradores que se opõem à mineração. Cabe ao editor tentar facilitar a discussão e certificar-se de que uma voz não seja dominante. “Estamos interessados na conversa, na discussão”, disse Rojo.

Planos para o futuro são continuar crescendo. Para 2015, o objetivo é uma expansão de 10% a 15% por cento nas vendas. “É ambicioso, dado o contexto do país e do mundo”, disse Domínguez. Mas, a ambição é claramente crucial para o seu sucesso: “Nós sempre quisemos ter uma rede nacional, e ser os melhores.”

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Daniela Gerson dirige a “Civic Engagement and Journalism Initiative” na University of Southern California’s Annenberg School for Communication and Journalism. Seus relatos, ensino e pesquisas estão voltados à investigação de mídias digitais para diversas populações; como as notícias locais podem impactar positivamente a participação cívica.