Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

BR-101: Um abismo entre os diferentes ‘brasis’

Proponho com este texto algumas reflexões, especialmente, na compreensão do enunciado narrativo fundamentado pelas histórias e seus respectivos personagens na obra BR-101: uma rodovia de diferentes brasis. Aqui reside o foco principal da inquietude.

A proposta é refletir os diferentes “brasis” – em alusão ao depoimento do repórter Murilo Salviano e título da obra – que evidencia o tamanho descaso do poder público, diante de tanta mazela social, revelada com angústia em seus depoimento.

A obra

Produzida e exibida pelo canal fechado GloboNews no dia 04 de agosto de 2018. A obra audiovisual também está disponível para o assinante, por meio do aplicativo GloboPlay. Além disso, a produção pode ser contemplada, gratuitamente, pela plataforma YouTube, revelando nesta última, uma audiência interessante, quase duas mil visualizações.

Qual a ideia? Percorrer uma estrada de ponta a ponta. No estilo deixa a vida me levar. Sem dúvida, uma aventura daquelas para ficar guardada na memória. A odisseia talvez remeta a uma alegre peripécia. Talvez.

A estrada em questão, trata-se de uma rodovia federal, isto é, uma BR. A proposta, consiste em percorrer, na totalidade, a BR-101, que corta o país, do Norte ao Sul, percorrendo doze estados. O marco zero está localizado na cidade de Touros, Rio Grande do Norte. E seu quilômetro final, na cidade de São José do Norte, estado do Rio Grande do Sul, a longínquos 4765 quilômetros. É justamente por aí que se inicia a obra.

A narrativa

Para introduzir os apontamentos, recorro ao momento final da reportagem. Ocasião em que, o repórter Murilo Salviano, diz ao ser indagado sobre o seu aprendizado com a viagem:

“O que eu aprendi? Eu achava que eu tinha uma ideia do brasileiro, que o brasileiro tinha uma identidade: o brasileiro. E o que eu saio daqui, terminando a reportagem, acreditando que existem vários ‘brasis’ dentro de um Brasil. E a única voz uníssona que existe nisso tudo, em todos esses brasis, é de que a representação desse Brasil, em Brasília, não abarca, não abraça e não representa de verdade… E não executa de fato o que o brasileiro precisa. Eu vejo que… Eu já sabia, trabalhando em Brasília, que Brasília era distante do Brasil, agora eu descobri que tem um abismo. Existe um abismo entre Brasília e Brasil. É isso… tem muito a descobrir ainda nesse país, muito, muitooo, muitooooo…”

A proposta é refletir os dilemas enfrentados pelos personagens. Para isso foi construída uma metodologia que distingue os personagens em quatro diferentes grupos: 1) brasileiros excêntricos – destaque para os personagens mais curiosos ou caricatos; 2) brasileiros sofridos – personagens com maiores dificuldades ou com forte apelo emocional em seus discursos, reforçando assim, a mazela social em que vivem. Chama atenção também para a ausência do poder público, resultando no descaso com o povo, isto é, no “abismo” formado entre Brasília e Brasil; 3) brasileiros em luta – personagens que apresentam igualmente problemas, como no grupo anterior. No entanto, as problemáticas deste grupo possuem menor intensidade, bem como, menor apelo emocional; 4) brasileiros no rumo certo – personagens que nos fornecem uma espécie de trégua, em meio a tantos problemas e angústias. Desta forma, as falas proporcionam um caminho de esperança.

Vale ressaltar que a metodologia foi adotada para humanizar e personificar as falas.

Que país é esse?

Evoco com singularidade esse subtítulo – Que país é esse? – em uma referência, clara e óbvia, a música homônima da banda Legião Urbana. O líder, Renato Russo, muito além de músico e cantor, um verdadeiro poeta que exteriorizava sua poesia em forma de música. O cânone, em especial, assume aqui uma referência significativa, pois dialoga com profundidade e imensa atualidade, nossa cólera diante de tantos problemas sociais. A música foi escrita por Renato em 1978. Mas só foi gravada em 1987, em álbum homônimo. Mesmo após 40 anos, ela se mantém com um frescor absolutamente contemporâneo. Enfatiza por meio de sua composição, um cenário nacional assombroso, descaso em diversas áreas, sinalizando uma problemática maior: a falta da representatividade pública aos anseios do povo.

As problemáticas sugeridas pela música, também foram destacadas pela reportagem, como: a) o desemprego, situação, infelizmente, corriqueira no percurso realizado pela equipe, comprovado no depoimento de alguns personagens; b) falta de conservação da BR, ao invés da reforma e solução do problema, é mais fácil colocar uma placa de alerta, como ilustrado no RS; c) a burocracia para tirar a carteira profissional de pescador, impedindo assim, o trabalho legal dos pescadores na cidade de São Sebastião-SP; d) a falta de segurança, comprovado até mesmo no pedágio próximo a Vitória – ES, que é protegido, de forma que o motorista não tenha contato com funcionário da cabine; e) um trecho de trinta quilômetros da BR 101, em Guarapari-ES, com diversos acidentes, vitimando inclusive, várias pessoas de uma mesma família em três diferentes acidentes, em épocas também distintas, em 1991, 2007 e 2013; f) mais burocracia e problemas, desta vez num posto fiscal, na divisa entre Alagoas e Pernambuco. Os caminhoneiros reclamam da demora e também da violência, com roubos e assaltos; g) descaso com a educação em nosso país, como o dilema da única professora que leciona, na mesma sala de aula, para quatro turmas diferentes.

Um outro recorte que pode ser extraído da reportagem é que os desafios e a gravidade dos problemas sociais, se acentuam, especialmente na região nordeste do país. O que não quer dizer, que não há problema nas outras regiões. Porém, nesta região, as dificuldades são mais gritantes, emergenciais. O sofrimento do povo é mais acentuado.

Fugindo das problemáticas, a BR-101 também nos presenteia com algumas poucas boas notícias, é verdade! Quase sempre, associada com as belíssimas paisagens e com a história de nosso país. Vale menção: a) ao sítio arqueológico localizado em Jaguaruna-SC; b) as ruínas de uma das primeiras igrejas do Brasil (1549), localizada em Peruíbe; c) o Forte São João (1560) em Bertioga, período do Brasil Império e Colônia; d) em uma praça, na cidade de São Cristovão – SE, a quarta cidade mais antiga do Brasil, acontecia o primeiro concurso de poesia falada; e) o quilombo mais representativo do país, o quilombo dos Palmares, onde viveu o Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra no Brasil.

Retomando aos personagens encontrados pela equipe ao longo do percurso da BR-101 – é fundamental destacar o pedido de socorro em seus discursos, que clamam por ajuda, nas mais diferentes intensidades. O pedido nem sempre vem de modo explícito, pela fala ou discurso, mas de modo ainda mais grave, suplicam na forma simbólica, no detalhe, praticamente na invisibilidade. Vamos conhecê-los?

Brasileiros excêntricos:

VILMAR GODIN. Eremita. Sem dúvida o personagem mais excêntrico. Mora há quase 30 anos em uma caverna, em um morro na cidade de Palhoça-SC. Ele revela a sua moradia rústica. Quando questionado sobre as eleições, por estarmos em um ano eleitoral e pela imensa polarização, revela com absoluta serenidade que não negligencia a sua cidadania, apenas que “não acredita no processo”. Quando perguntado o que era o Brasil, na sua ótica, Vilmar, após um longo e desconcertante silêncio, sinaliza que o país representa para ele apenas “um território”. Aqui talvez repousa um pensamento absolutamente descrente, do entendimento de uma pátria que não acalenta seu povo.

PEDRO BERTELLI: Professor universitário aposentado. Divorciado e sem filhos. Resolveu pedalar pelo país, num exercício solitário de autorreflexão. A motivação ocorre para aproveitar, segundo ele, a quarta e última etapa da vida, após os 60 anos. Desfez do carro e da casa, vivendo desde então, na estrada na companhia de sua bicicleta. Sua fala nos indaga para a necessidade de também pararmos, mesmo que por pouco tempo, para uma autorreflexão.

MARIA DULCE NEVES: Aposentada. Trabalha voluntariamente nos cuidados com a Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, fundada em 1848. Entre as ações, a criação de um livro de visita. O primeiro a assinar o livro, é justamente o repórter.

ADRIANA FIRMINO DA SILVA: Guia de turismo em Peruíbe-SC. É crédula ao relatar que já viu um óvni – objeto voador não identificado.

JOÃO MARIA ALVES BONIFÁCIO. Auxiliar de serviços gerais. Mora na cidade de Touro-RN, quilômetro zero da BR-101, no destino final da equipe. Bem próximo a rodovia, vive a sua avó, dona Helena Francisca da Silva, nascida em 1905. Ou seja, com exatos 113 anos.

Brasileiros sofridos:

PEDRO FRANCISCO ROSA: Pescador desempregado. Está caminhando pela BR-101, sozinho e sem abrigo, há 46 dias. Iniciou o percurso em São José do Norte – RS. Iniciativa foi tomada após flagrar adultério da sua esposa com seu sobrinho. Desabafou que para não fazer “bobagem”, começou a caminhar. Não avisou ninguém sobre o seu paradeiro. Seu destino final é Itajaí, distante mais 110 quilômetros, onde pretende recomeçar a vida. Seu olhar é devastador, perdido e sem esperança.

ELIANE DE JESUS ALVES: Professora. Leciona na Escola Municipal Manuel José Fernandes, constituída por uma única sala de aula e uma professora. O desafio é grande para atender as crianças. São quatro turmas, com crianças de diferentes séries (Infantil um e dois, 1° e 2° ano). E tudo isso é feito ao mesmo tempo. Infelizmente, mais um reflexo de como a educação é tratada em nosso país.

JUCIMARA SILVA SANTOS: Estudante. Aluna dedicada, ficou em segundo lugar no concurso de poesias na cidade de São Cristovão-SE. O poema refletia a profissão do pai, isto é, a vida do pescador. A premiação lhe rendeu trezentos reais. A realidade da família apresenta uma dicotomia forte: de um lado o sofrimento, as más condições da moradia alugada, o pouco dinheiro; e do outro, a esperança pelo estudo e educação, no objetivo claro de proporcionar maior conforto aos pais e irmãos. Chama ainda mais atenção o senso de responsabilidade da jovem de 14 anos, que chora ao falar dos seus sonhos: “Eu sonho em dar um futuro melhor para os meus pais, tirar eles da maré, futuro assim que me dê pra ficar com meus pais todo dia, cuidar deles, nem que eu chegasse meia tarde, ficar um pouco com eles… é um futuro assim que eu quero, pra não ver eles na maré, se acabando, porque dói muito ver o meu pai todo dia trabalhar e não poder ajudar, só estudar… vê minha mãe… minha mãe já tem os problemas dela, ela sofre com dor nos dentes, aí eu vejo ela chorando pelos cantos e não poder ajudar, não poder contribuir, dar um dinheiro pra senhora se tratar… eu não consigo… eu vejo meu pai com as mãos cheia de micose… e ele precisa ir, mesmo com o risco de perder as coisas dele…”. O pai, José dos Santos, ganha com a pesca, menos de um salário mínimo e precisa garantir a sobrevivência da família formada por seis pessoas; a mãe sofre com dor nos dentes e não tem dinheiro para um simples tratamento dentário. Sem dúvida, a personagem mais emblemática da reportagem.

JOSÉ DOS SANTOS: Pescador. Pai da Jucimara Silva Santos. A vida de luta e sofrimento está estampado em seu rosto. Por conta do trabalho, não pode estudar e é analfabeto. Se emociona ao falar da dedicação da filha aos estudos. Quando indagado pelo repórter se ele era tratado com dignidade, o pai envergonhado responde: “e rapaz, agora você me pegou nessa palavra…” O repórter Murilo pergunta se ele sabia o que significava dignidade, mas o pescador responde que não, reforçando o gesto pela cabeça. Talvez, o senhor José dos Santos não saiba o entendimento do conceito de dignidade, porque não tenha sido tratado com ela ainda.

VERÔNICA MARIA DA SILVA: Comerciante. Analfabeta, nasceu e viveu às margens da BR-101. Foi cuidada pelos caminhoneiros e fiscais. Possui uma barraca, próximo ao posto fiscal e sobrevive da venda de alimentos, especialmente, aos caminhoneiros. Sua fala revela uma total desesperança de obter um futuro diferente, isto é, de sair daquela vida, às margens da BR-101.

SEVERINA ISABEL DOS SANTOS: Marisqueira. Com 65 anos, trabalhando há 55 anos como marisqueira, vive no povoado São Lourenço, distrito de Tejucupapo, em Pernambuco. 500 famílias vivem exclusivamente da pesca no povoado. Dona Severina e sofrida, desgastada pela profissão que aprendeu com os pais. Seus filhos e netos, realizam a mesma atividade. Chama atenção, o ciclo do trabalho sofrido e pouco remunerado, que perpassa diferentes gerações e, infelizmente, sinaliza para uma continuidade.

JUCIARA DA SILVA. Marisqueira. Tem 19 anos e uma bebê de 1 ano. É neta da dona Severina. Parou os estudos no ensino médio, para se dedicar exclusivamente ao trabalho. O repórter questiona sobre o vestibular. Ela, com um riso absolutamente constrangedor, revela que “Dá não… acho que não”. É, mais uma vez, o ciclo continua…

Brasileiros em luta:

SHEILA BELLAVER: Caminhoneira celebridade nas redes sociais. Mãe de 4 filhos, sendo um bebê. Talvez seja a única personagem que foi previamente consultada para a entrevista. A razão justificada pelo constante movimento pelas estradas do país. O contato se inicia logo no primeiro dia, mas a entrevista só ocorre no décimo dia da jornada, em Curitiba-PR. Sua fala destaca o dia o dia da profissão, a saudade dos filhos, os perigos da profissão. Enfatiza, categoricamente, a necessidade de continuar trabalhando para sustentar os filhos, “não dá pra viver de brisa”, justificando com pesar, sua ausência física, na criação ao lado dos filhos, exercendo assim, o seu papel exclusivo de mãe.

MALIGK GAE: Senegalês, vendedor ambulante da praia de Torres-RS. Relata o preconceito sofrido por ser negro e não ser brasileiro. Embora não sendo brasileiro, assume uma postura de luta em nosso país, razão de ter citado no texto.

DANIELA SURDI: Vendedora ambulante de queijo assado. Vende seus produtos na mesma praia em Torres-RS. Seu carrinho apresenta um diferencial semântico para atender aos turistas gringos.

CARLA DANIELA DE SOZA: Pintora industrial. Mãe solteira de três filhos, desempregada há cinco meses e com dívidas. Vive em São José do Norte – RS, uma cidade que ilustra um retrato da crise do país, pela escassez do trabalho.

PAULO SILVA DA COSTA: Pescador. Tenta, sem sucesso, tirar a carteira profissional de pescador desde 2013. O problema ocorre por conta de uma fraude no seguro defeso, uma espécie de seguro desemprego para os pescadores. O documento é necessário para exercer com regularidade a profissão.

MAYARA CRAVO RISTHIE: Professora e Diretora da escola. Utiliza para contar a história do país e da cidade, o teatro, enquanto importante ferramenta didática aos estudantes. A encenação narra a chegada dos Portugueses em São Sebastião-SP, da vila até a construção da cidade. Destaque para o povo caiçara, da miscigenação dos portugueses com o índio e o negro.

ANDERSON MOTA DA SILVA: Artista em Paraty-RJ. Seu personagem é um escravo negro. Utiliza da arte para resgatar a memória, revelando, infelizmente, o cenário nacional escravista (abolida há mais de 120 anos, será?). Sua fala é notória, ao afirmar a importância da história (que deve ser contada e não escondida). Para o brasileiro, interessa muito mais a foto: “o gringo não, se preocupa com a essência, ele chega aqui e a primeira coisa que ele quer é saber da nossa história, ele não quer ficar tirando foto de qualquer jeito… o brasileiro não, pra ele tanto faz”. Esse depoimento sinaliza algo que já conhecemos bem: uma sociedade carente em educação e cultura.

CAXILÓ PATAJÓ. Liderança indígena. Aldeia localizada em Monte Pascoal-BA. Influência direta do contato com o homem (inclusive dos portugueses, no processo de “colonização”), percebida, por exemplo, na casa do indígena, com diversos aparelhos eletrônicos e moto na garagem. Chama atenção o cocar usado por ele, construído com canudos de plástico, para preservar a fauna brasileira (é necessário matar 4 papagaios para construir um).

Brasileiros no rumo certo:

VALDIR LUIZ SCKWENGBER. Antropólogo. Responsável pela pesquisa dos sambaquis na cidade de Jaguaruna-SC, na investigação de povos ancestrais que ocuparam aquela região.

SKOJUN CKAGAS. Leigo Budista. Atua no primeiro mosteiro budista da América Latina, localizado as margens da BR-101, em Ibiraçu-ES. Lá, são realizadas várias atividades, com o intuito de fortalecer a “musculatura mental” para encarar as enfermidades mentais. Se trabalha na reflexão das coisas mundanas e também, a autorreflexão. “Ah, eu quero vir no mosteiro pra buscar a paz anterior…é interior… você não tem como buscar lá fora uma coisa que você tem que construir aqui dentro…”

EDITE MAX DE SOUZA: Irmã da Boa Morte. Igreja de Nossa Senhora D`Ajuda, na BA. Festa tradicional conhecida como “Boa Morte”. Um grupo de 23 mulheres negras, pertencentes aos terreiros de candomblé, que anualmente, ritualizam a morte e a assunção de Maria, mãe de Jesus Cristo.

THIAGO FRAGATA: Poeta e Historiador. Fazia parte da comissão julgadora do primeiro concurso de poesia falada na cidade de São Cristovão-SE. Sua fala é interessante por reforçar a necessidade de valorizarmos mais a nossa cultura. O concurso, que era realizado na praça São Francisco, estava vazia, não havia público. “Cidadão é quem vive a cidade, as pessoas precisam encher as praças, as pessoas precisam sair das telas e vir para as praças, para as ruas”.

SCOTT ALLEN. Arqueólogo. Não é brasileiro, mas realiza um importante trabalho de conservação do sítio arqueológico, dentro do quilombo dos Palmares, no estado de Alagoas.

ANA CLÁUDIA SALTES. Arqueóloga. Absolutamente feliz e empolgada com a pesquisa realizada no sítio arqueológico. Se emociona e narra com grande alegria cada descoberta do seu trabalho, que revela fragmentos de uma historicidade cultural para o nosso povo.

Quem paga a conta?

Diferentes histórias. Diferentes personagens. Mesmos problemas. Os relatos revelam esses díspares “brasis” ao longo de quase 5 mil quilômetros, cortando o país de Norte ao Sul. Os personagens, em sua maioria, carregam na fala, um discurso de sofrimento e luta.

Em especial, gostaria de chamar a atenção, para dois personagens e uma perspectiva: a da educação. A estudante, Jucimara Silva Santos, de 14 anos e a marisqueira Juciara Silva, de 19 anos.

Em comum, além do sobrenome mais popular do nosso país, vivem em condições precárias e marginalizadas financeiramente. Carregam desde cedo um peso de responsabilidade. Jucimara sonha em dar uma vida melhor a sua família. Juciara, trabalha como marisqueira, profissão ainda exercida por seus pais e avó. Jucimara, uma boa aluna, vence um concurso de poema falado e recebe como prêmio trezentos reais. Juciara parou os estudos no ensino médio. Tem uma filha de 1 ano.

Jucimara, mesmo diante de um ambiente conturbado, em razão das dificuldades econômicas, compreendeu ainda jovem, que a solução para conseguir o seu sonho – de ajudar os pais e retirá-los da maré, proporcionando uma vida melhor – virá dos estudos. Seus pais sabem disso também e tentam ajudá-la, com precariedade, a prosseguir nesse caminho.

Juciara, enfrenta também grande dificuldade, especialmente porque já tem uma filha, mesmo sendo jovem e em idade escolar. A referência de seus pais e avó, como marisqueiros, proporcionou a ela um caminho idêntico: é marisqueira. O repórter perguntou sobre o futuro da filha e, rapidamente, Juciara responde que não quer que a filha trabalhe com isso.

O caminho de estudo será longo e absolutamente desafiador para Jucimara. Fatores externos que poderiam facilitar a caminhada, infelizmente não estarão disponíveis para ela. O que não significa que ela não conseguirá trilhar, apenas será mais tortuoso.

Da mesma forma será para Juciara e sua filha. O ciclo familiar de trabalho com o marisco foi e é sua referência há mais de três gerações. Subterfúgios para romper esse circuito serão desafiadores, mas não impossíveis.

Não há segredo. Sabemos como mudar isso. Sabemos o que pode ser feito. Sabemos o que deve ser feito. Infelizmente, sabemos também, que isso não é feito. Esse é o Brasil que queremos? Por que tantos problemas? Cadê a representatividade do nosso povo? É com essa indagação que finalizo o texto. Por que os representantes do povo, de fato não os representam? Enquanto isso, o abismo cresce. Infelizmente!

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Ulisflavio Oliveira Evangelista é jornalista e professor do curso de Comunicação Social (Jornalismo) da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT.