Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

É o começo da terceira guerra mundial?

(Foto: The Digital Artist/Pixabay)

Desta vez, decidi dar uma olhada no que dizem alguns russos e ucranianos sobre a invasão da Ucrânia. Mesmo porque o presidente do meu grupo de correspondentes, a APES, Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça, conseguiu um contato com o escritor Andrei Kurkov, filho de pais comunistas, nascido, em 1961, perto da fronteira russa e vivendo agora no lado oeste da Ucrânia, onde até domingo não tinha havido ataques russos.

Kurkov, apesar dos seus 61 anos, se diz disposto a ajudar de alguma maneira na resistência ao invasor caso os ataques cheguem até sua cidade. O ataque por dois mísseis Neptuno apoiados por um drone de fabricação turca, responsável pelo afundamento do navio de guerra russo Moskva, deve ter irritado Putin e irá provocar o recrudescimento dos bombardeios.

Kurkov não tem ilusões quanto a duração da guerra. Putin sente-se só e quer terminar sua missão; já morreram seus antigos aliados, por isso não se trata de uma simples guerra de reconquista de um território, mas de uma guerra da Rússia contra seus inimigos ocidentais, em outras palavras, do início da Terceira Guerra Mundial.

Uma jornalista russa da BBC, Farida Rustamova, antes de deixar a Rússia fez uma série de entrevistas com altos responsáveis do Kremlin, que se mostravam negativos com essa guerra. Segundo eles, Putin mostrava uma certa paranóia, não suportando críticas provavelmente diante dos meus resultados obtidos no começo da invasão. Mantendo ainda seus bons contatos, no seu último artigo ela cita dois altos funcionários, segundo os quais trata-se de uma guerra total contra o Ocidente e de que dessa situação já não existe a possibilidade de um retrocesso.

Com relação ao navio bombardeado, nossa associação de correspondentes teve a oportunidade de visitá-lo pessoalmente, em 2016, numa viagem feita em 2016 a Sebastopol, onde o navio estava atracado. A Rússia não reconheceu ter perdido o navio por ataque ucraniano, mas divulgou nota dizendo ter sido um acidente interno ocasionando explosão nas máquinas.

Crimes de guerra

O escritor russo autor de livros de ficção científica de sucesso, Dmitry Glukhovsky, publicou um alerta aos russos: “Logo nós seremos considerados como autores de crimes de guerra”, denunciando os ataques contra civis na Ucrânia. Para ele a burla de “uma operação especial” contra a Ucrânia era para evitar a palavra guerra, que assusta, esperando-se uma rápida vitória, como anunciou, no dia da invasão, a televisão russa.

O jornal suíço Le Temps publicou uma página dupla sobre a invasão da Ucrânia, na qual Glukhovsky conta como o governo e a imprensa oficial russa explicaram a necessidade da “operação especial” na Ucrânia. Essa operação era necessária, diziam, para “desnazificação” da Ucrânia e para “libertar” as cidades de Kharkiv, Mariupol e Mykolaiv, em mãos de tropas nazistas. A vitória teria sido rapidamente obtida se os nazistas não tivessem tomado a população civil como refém, fazendo explodir suas casas e hospitais. A enxurrada de mentiras continua: eles matam mulheres e crianças para jogar a culpa nas costas dos soldados russos e assim conseguir continuar recebendo dinheiro e armas dos países ocidentais.

A narração de Dmitri das mentiras prossegue: não foi a Rússia que atacou a Ucrânia, ela foi obrigada a lançar uma ação preventiva, pois se não o fizesse teria sido atacada primeiro dentro de seis horas. Kiev estava colocando em posição uma bomba atômica para ser disparada contra Moscou. Ao mesmo tempo, os americanos estavam preparando uma nova cepa de coronavírus capaz de infectar só os russos e transportada por pássaros migradores.

Como as pessoas podem acreditar em tais absurdos, pergunta Dmitri?

O processo de desnazificação

Nem todos os escritores russos são contra Putin. Por exemplo, o escritor Timotei Sergueitsev, considerado o Steve Bannon russo junto a Putin, justifica, em nome do antinazismo, a purificação da Ucrânia. Ele é o autor de um texto violento sob o título “O que deve fazer a Rússia com a Ucrânia?”, publicado na agência oficial Novosti.

O texto explica que depois da atual fase militar o processo de desnazificação deverá prosseguir em diversas etapas em tempo de paz, quando deverão ser realizadas mudanças irreversíveis.

Isso implica na formação de um governo e de uma polícia que “proteja o povo contra o terror dos grupos nazistas”. A informação ficará a cargo dos russos: mudança de todo material educativo nas escolas, investigação sobre pessoas ligadas ao nazismo, seguida de prisão e trabalhos forçados aos culpados, prisão ou pena de morte.

De acordo com essas iniciativas, caberá à Rússia criar leis e regulamentos contra a nazificação, assim como datas comemorativas e monumentos dedicados aos heróis antinazistas.

O documento é um completo desvario, fala nos esforços frustrados da Rússia para salvar o Ocidente, mas que a partir de agora a Rússia seguirá seu próprio caminho sem se preocupar com o Ocidente, num processo de descolonização mundial.

Enquanto esse apelo fala em descolonização, ocorre uma tentativa de russificação da Ucrânia, contra a qual se mobilizam os países ocidentais. Esse confronto indireto dos países ocidentais com a Rússia, seja por ajuda militar ou para socorrer a população ucraniana, levará fatalmente ao confronto direto de uma guerra mundial, como acredita Kurkov?

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.