Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Alguma paz em meio a rumores de golpe, dois anos após o assassinato do presidente Jovenal Moïse?

Sexta-feira, 7 de julho de 2023, o Haiti declarou ser este um “dia de luto”. No dia 5, a Secretaria Geral do Gabinete do Primeiro-Ministro emitiu um comunicado à imprensa informando o público sobre os motivos dessa decisão oficial. “O 58º Presidente da República do Haiti, Jovenel Moïse, foi assassinado na noite do dia 6 para 7 de julho de 2021, em sua residência particular em Pèlerin 5, por um grupo composto principalmente de mercenários colombianos”.

Para marcar esses dois anos, foi declarado um dia de luto nacional em todo o país. “A bandeira nacional será hasteada a meio mastro […] discotecas e outros estabelecimentos similares permanecerão fechados”. No sábado, dia 8, um dia após a comemoração, as Nações Unidas anunciaram a visita a Porto Príncipe do “chefe da ONU”. De acordo com o comunicado de imprensa da ONU, o secretário-geral Antonio Guterres pediu ao Conselho de Segurança que autorizasse o envio imediato de uma força de segurança internacional robusta para ajudar a Polícia Nacional do Haiti em sua luta contra as gangues. “Cada dia conta”, declarou ele, “se não agirmos agora, a instabilidade e a violência terão um impacto duradouro sobre gerações de haitianos”. A situação de fato ultrapassou o limite da gravidade. O Estado se liquefez. Os responsáveis intelectuais pelo assassinato do presidente Jovenel ainda estão soltos. Não identificados, eles gozam de total impunidade. Isso incentiva rumores e acusações, com o risco de polarizar antagonismos políticos e pessoais.

O atual chefe de Estado, Ariel Henry, não tem legitimidade democrática. Nomeado primeiro-ministro em 4 de julho de 2021 por Moïse, ele ainda não havia assumido o cargo em 7 de julho, quando do assassinato do Presidente. Ele foi finalmente empossado em 20 de julho, dezesseis dias após sua nomeação e treze dias após a trágica morte de Jovenel, que o havia nomeado 23º chefe de governo. O primeiro-ministro interino que estava deixando o cargo, Claude Joseph, disputou com ele o direito de governar. Em 14 de setembro, o chefe da promotoria pública de Porto Príncipe pediu ao juiz que investigava o assassinato do presidente que acusasse Ariel Henry de envolvimento no crime. Em 1º de janeiro de 2022, o primeiro-ministro escapou de uma tentativa de assassinato. De acordo com a ONG Fondasyon Je Klere, seus escritórios e os de outras instituições foram ocupados por “criminosos”. Em 7 de fevereiro de 2022, chegara ao fim do mandato de Jovenel Moïse. Isso deveria ter posto fim ao governo interino de Ariel Henry. Portanto, na ausência das eleições, a Assembleia Nacional deixou de existir em 13 de janeiro de 2020.

E qual é a posição dos haitianos em tudo isso? O assassinato de Jovenel Moïse acirrou ainda mais as disputas entre partidos e movimentos políticos no país. Houve muitas reuniões do Alto Conselho de Transição, todas elas encerradas com o anúncio de uma próxima reunião, isso tudo devido à total falta de compromisso com os interesses do povo haitiano. Essa dificuldade persistente em definir um curso coletivo sinaliza essa desconexão com as ruas e com o povo. As eleições para presidente, deputados e senadores, a condenação dos assassinos de Jovenel Moïse e a participação na vida partidária claramente não são as principais preocupações desse Alto Conselho de Transição.

Guterres resumiu o quadro atual do país da seguinte forma. “Um em cada dois haitianos vive em extrema pobreza […]. Uma em cada duas pessoas enfrenta a fome e não tem acesso regular à água potável”. Entre janeiro e março de 2023, de acordo com o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR), 531 pessoas foram mortas e 277 sequestradas. “Todos os direitos humanos são violados […]. As gangues continuam a reinar por meio do terror, especialmente na capital, Porto Príncipe, que se tornou uma zona sem lei. Mulheres e meninas continuam a ser estupradas”. De acordo com fontes oficiais, a cólera está latente desde outubro de 2022.

A comunidade internacional está multiplicando regular e repetidamente seus compromissos e suas intenções por meio de bonitas palavras. No entanto, novamente de acordo com a ONU, “o plano de resposta humanitária, que prevê US$ 720 milhões, […] encontra-se ainda na casa de apenas 23% desse valor arrecadado”. O Secretário Geral reiterou a necessidade de “abordagens novas e integradas que combinem questões políticas e de segurança, o estado de direito e questões humanitárias e de desenvolvimento”. No entanto, toda crise repete o mesmo cenário: intervenção militar estrangeira. Desde outubro de 2022, o presidente Ariel Henry vem fazendo apelos à ONU, aos Estados Unidos, ao Canadá, à OEA, à CARICOM (Comunidade do Caribe), ao Brasil, à Ruanda, à França, à Francofonia e à União Europeia. Colocar as gangues sob pressão militar provavelmente daria aos haitianos um pouco de alívio e imporia a legitimidade do primeiro-ministro pela força das armas.

A ONU, os Estados Unidos, o Brasil e a França concordam. No passado, eles favoreceram o uso de armas no país. É mais fácil de implementar e menos dispendioso do que apoiar o restabelecimento do Estado de Direito. Porém, com a saída das Forças de Paz, as feridas do Haiti estão rapidamente se abrindo novamente e recuperando sua força letal. Em junho, no entanto, os países “amigos” deram sinal verde para a retomada de um cenário militarizado familiar. Os Estados Unidos querem delegar a responsabilidade aos governos parceiros. O Secretário de Estado, Antony Blinken, garantiu isso a Ariel Henry em 5 de julho. Washington tem um controle firme da situação. Os diretores norte-americanos do WFP (Programa Mundial de Alimentos) e do UNICEF visitaram Porto Príncipe em 20 de junho. O Escritório Integrado das Nações Unidas no Haiti é chefiado por um diplomata norte-americano.

Em 5 de julho de 2023, à margem da 45ª reunião anual dos chefes de estado e de governo do Caricom, Paul Kagame declarou que seu país, “Ruanda (estava) pronta para contribuir para a constituição da força multinacional especializada solicitada pelo Haiti, assim que as condições fossem atendidas”, e a Jamaica fez uma declaração semelhante. A moral da história, conforme proposto pelo CETRI (Centro Tricontinental), é que “a equação é relativamente simples: status quo ou mudança. A situação continuará a piorar se nada […] mudar, […] esse é o preço (imposto) pela oligarquia internacional e (local) pago, cada dia, pelo povo haitiano” [1].

Notas

Texto publicado originalmente em francês, em 11 de julho de 2023, no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Haïti: apaisement en bruits de bottes, deux ans après l’assassinat du président Jovenal Moïse?”. Disponível aqui. Tradução de Andrei Cezar da Silva e Luzmara Curcino.

[1] Frédéric Thomas, “Haïti, État des gangs dans un pays sans État”, Louvain, CETRI, 7 de julho de 2022.

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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.