O dia 21 de janeiro de 2024 marcou os 100 anos da morte de Lênin, um dos principais líderes da Revolução Russa. A data foi mencionada em diversas reportagens e textos, que destacaram curiosidades, como o fato de seu corpo embalsamado estar até hoje exposto na Praça Vermelha. Outras matérias ainda destacaram recentes falas de Putin, que questionam o legado deixado por um dos principais teóricos da Revolução Russa. Em nosso texto, abordaremos a relevância de seu pensamento frente às desigualdades brasileiras e refletiremos sobre o sentimento anticomunista, bastante difundido no país atualmente, o que alimenta a atuação da extrema direita na sociedade brasileira.
Em relação ao pensamento de Lênin, merece destaque sua concepção de partido, como ferramenta para organizar as classes subalternas para a defesa de um programa voltado aos interesses dos trabalhadores, fomentando a ação revolucionária. No pensamento do autor, o partido revolucionário seria capaz de colocar a classe operária na vanguarda da luta pela democracia política na Rússia, criando as condições necessárias para o crescimento cultural do país e para o enfrentamento das desigualdades inerentes ao sistema capitalista (LÉNINE, 1975).
Ou seja, Lênin admitia que, diante da revolução burguesa de 1905, era preciso tornar o capitalismo o mais democrático possível para criar condições concretas mais adequadas para a transição para o socialismo. Para entendermos esta postura é necessário resgatarmos o pensamento de Marx, que afirmava que: “Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram” (MARX, 2011, p. 25). Portanto, a atuação da classe trabalhadora é influenciada, não só pelas práticas políticas e econômicas, mas também pela questão da consciência influenciada pela força da ideologia burguesa. O grau de difusão destes valores e comportamentos idealizados pela burguesia gera pressões conservadoras no pensamento dos próprios subalternos, sem, contudo, retirar a possibilidade desses sujeitos participarem ativamente da construção de suas próprias histórias. No Brasil, não é raro observamos uma parte considerável da classe trabalhadora apoiando políticas neoliberais que atendem aos interesses do grande capital, como ocorreu na aprovação da reforma da Previdência e da reforma trabalhista, para exemplificar.
No pensamento de Lênin, caberia ao partido de vanguarda contribuir para que os subalternos se organizassem para assumir o processo revolucionário, uma vez que as ideias revolucionárias não surgem do vácuo, elas são frutos da experiência, da realidade política e social vivida pelos trabalhadores. Porém, para que a classe trabalhadora pudesse atuar na vanguarda do processo revolucionário, Lênin defendia que era necessário refletir sobre o desenvolvimento das forças produtivas, para colocar fim à oposição entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, o que seria um dos principais motivos da desigualdade social inerente ao sistema capitalista (LÊNIN, 2010).
Nesse sentido, em um contexto de precarização do trabalho, com a reforma trabalhista, com o processo de uberização e pejotização, notamos que a oposição entre o trabalho manual e o intelectual é cada vez maior no Brasil. Embora a teoria leninista tenha sido produzida em um contexto histórico específico e voltado para a prática revolucionária, sua reflexão sobre os motivos da desigualdade social ainda parecem muito relevantes para o a realidade social brasileira na atualidade.
Ao refletir sobre o desenvolvimento das forças produtivas, Lênin refaz a ideia do determinismo econômico na qual a base econômica é a responsável por todas as outras esferas da vida social, colocando o trabalhador como ser fundamental do processo revolucionário. A leitura e a compreensão das estruturas do funcionamento do mundo fizeram a ação e a práxis de Lênin diante da famosa frase de Marx que diz: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo” (1845). Seu legado para a luta política dos trabalhadores passa pelas análises profundas da teoria imperialista de Marx, que consiste na expansão e dominação econômica, financeira, política, cultural e territorial dos países desenvolvidos sobre os subdesenvolvidos. Dessa maneira os Estados com maior poder de ação, sobretudo bélica, exercem suas forças não só para conquistar novos territórios, mas também para aumentar seu poder de influência sobre eles.
Evidentemente que muito de seus escritos e de suas atuações estão ligadas ao período histórico do capitalismo financeiro e, portanto, sua práxis, não seria compatível com o atual estágio de desenvolvimento do sistema capitalista e com a globalização. Mesmo assim, as questões abordadas por ele se manifestam até hoje dentro do núcleo do sistema capitalista, com um grau de complexidade ainda maior, gerando a necessidade de revisões sob o enfoque da realidade social, econômica e política atual.
Muitos historiadores observam que o Estado de Bem-Estar Social europeu (no Pós Segunda Guerra Mundial), idealizado por Keynes (1883-1946), que rompe com a visão de livre mercado em favor da intervenção estatal na economia, jamais teria existido sem que houvesse a Revolução Russa. O medo da “ameaça comunista” fez o Estado adotar práticas de intervenção na economia para garantir condições dignas de existência para todos os cidadãos através da distribuição de renda e a prestação de serviços públicos de qualidade em áreas como a saúde e a educação. Essas práticas intervencionistas passaram a ser denominadas de “capitalismo de Estado”, ou seja, o Estado assume importantes funções econômicas, mas não implanta o socialismo, pois não acaba com o mercado.
No Brasil, inversamente, tivemos um Estado atuando em benefício dos setores mais privilegiados. A partir da década de 1950 é possível observar claramente os reflexos do capitalismo de Estado na economia, já que neste período o capital internacional teve maior preponderância na economia brasileira. Já o capital estatal passou a atuar principalmente junto aos setores extrativo e de infraestrutura, justamente para produzir matéria-prima e insumos, muitas vezes a custos subsidiados, para a produção industrial do capital privado nacional e internacional. Desse modo, notamos que a economia brasileira ficou subordinada aos interesses do capitalismo financeiro, ou monopolista, com o objetivo de adquirir lucro por meio dos ativos financeiros, investimentos e especulação.
Com o Golpe de 64, a Ditadura Civil Militar teve um importante papel na consolidação da hegemonia do capital monopolista sobre a sociedade brasileira, uma vez que a penetração do capital externo na economia brasileira ampliou-se de forma notável. O considerável crescimento econômico do período, o ganho exorbitante, tanto para a classe industrial nacional quanto para a estrangeira, a violenta repressão política aos opositores, o aparelhamento do Estado, bem como a ampliação da capacidade de intervenção na economia levaram o país a possuir uma das maiores desigualdades sociais do mundo. Segundo os relatórios da Oxfam, somos um dos países mais desiguais do mundo, uma vez que, 63% da riqueza do Brasil está nas mãos de 1% da população e que os 50% mais pobres detêm apenas 2% do patrimônio do país (2024).
Vale lembrar que as desigualdades brasileiras possuem diversas explicações, no entanto é indiscutível que uma de suas causas fundamentais é o fato de a economia ter sido estruturada dentro desse padrão, que promoveu um processo de grande concentração de renda entre as empresas privadas nacionais e internacionais que juntas controlam o grande comércio, a grande indústria, o agronegócio e o setor financeiro.
Vejamos alguns exemplos:
– Setor bancário: os 5 maiores bancos – Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú e Santander – concentram 81,4% do mercado de crédito (2022).
– Telefonia: concentrado nas empresas Vivo, Tim e Claro.
– Chocolates: Nestlé e Kraft dominam mais de 70% do mercado.
– Bebidas: Coca-Cola Brasil, AmBev e Brasil Kirin abocanham juntas quase 90% do faturamento do setor.
Segundo Nassif (2023), ao refletir sobre a organização do mercado brasileiro, “a cada dia que passa mata-se a possibilidade do pequeno empreendedorismo, gerador de empregos e laboratório para futuras grandes empresas”.
Como a maioria dessas empresas, tradicionalmente, foram financiadoras de campanhas eleitorais, criou-se um círculo vicioso onde estas companhias passaram a ser beneficiadas pelos políticos financiadas por elas. A proibição do financiamento de campanhas por pessoas jurídicas não alterou este quadro, já que os empresários mantêm a prática, por meio de doações feitas por pessoa física. Diante desse cenário, o pensamento de Lênin é uma alternativa importante para refletirmos sobre o desenvolvimento das forças produtivas brasileiras, pois suas ideias e sua práxis perante a Revolução Russa o colocam como alternativa diante da economia e das desigualdades existentes no Brasil.
Certamente Lênin provoca ojeriza principalmente ao pensamento neoliberal e entre os setores mais conservadores do país, pois em seu manuscrito de 1913 o autor já trazia elementos que revelam as contradições do sistema capitalista, no qual os trabalhadores não conseguiam acessar a riqueza e tão pouco os bens por eles produzidos. Além disso, preconizava que “ao fazer aumentar a dependência dos operários relativamente ao capital, o regime capitalista criava a grande força do trabalho unido” (LÊNIN, 1913).
Além de defender que o poder econômico deveria ser gerido pelos próprios trabalhadores para se romper essa estrutura concentradora de capital, Lênin também defendia a ideia de “paz, pão e terra” como medidas de combate às desigualdades históricas. Para tanto proclamava a ideia de uma ampla reforma agrária.
Observe o leitor que em apenas dois parágrafos, as propostas de Lênin caem como uma bomba nos pilares que sustentam a economia brasileira na atualidade. A começar pela agricultura, onde o país amarga a triste realidade de possuir uma das maiores concentrações de terra do mundo, tendo pouca gente com muita terra e muita gente sem terra alguma. A concentração de terras é uma das principais causas do Brasil encontrar-se entre os piores do mundo no ranking da distribuição de renda.
A prática do agronegócio inverte a função social da terra, preconizada pelo artigo 12 da Constituição, que diz que à propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo. No agronegócio, o uso da propriedade atende aos interesses individuais ao invés dos interesses coletivos, impedindo dessa maneira o acesso de milhares de trabalhadores que poderiam estar vivendo e produzindo nessas áreas.
O agronegócio, financiado pelo Estado, receberá este ano R$364,22 bilhões (2023), o maior recurso da história do país, o que torna o setor o grande responsável pelos índices positivos do crescimento da economia brasileira. Interessante notar que a propaganda diz que “o agro é pop, o agro é tudo”, mas não diz que as exportações só foram possíveis graças ao dinheiro subsidiado pelos impostos pagos pelo povo brasileiro. A despeito disso, boa parcela da população não possui acesso aos bens produzidos e ainda tem dificuldade de colocar comida em sua mesa.
Ao analisar a questão, Girardi afirma que:
“A concentração da terra é uma das características do capitalismo no campo que agrava a questão agrária. Assim, se assumirmos que a propriedade coletiva da terra é uma possibilidade muito remota na conjuntura política do país, deve-se pelo menos tentar atenuar a concentração da terra para que, mesmo com a permanência da propriedade privada, o uso da terra seja mais democrático e menos explorador” (GIRARDI, 2008).
Uma das possibilidades para um uso mais democrático e menos explorador, como defende Girardi, é um amplo processo de reforma agrário, assim como defendeu Lênin em seus trabalhos. Vale lembrar que a própria Constituição Federal reconhece a Reforma Agrária como um instrumento legítimo para a busca por uma sociedade mais justa.
Ao pensar em um modelo de sociedade mais justo, Lênin também adotou medidas como o combate ao analfabetismo através da universalização do ensino t como forma de diminuir as desigualdades, pois, para vencer a resistência da classe burguesa só existia um meio: “[…] encontrar, educar e organizar para a luta, na própria sociedade que nos rodeia, às forças que podem e, por sua situação social, devem formar a força capaz de varrer o velho e criar o novo” (LENIN. In: SHISKHIN, 1966, p. 404).
Já no Brasil, temos uma escola e um modelo educacional completamente dissociado dos ideais leninistas. Lênin preconizava o método dialético, ou seja, uma escola que provoque ações educativas que levem os estudantes a estabelecerem uma relação significativa com a realidade. Afinal para mudar a realidade é necessário conhecê-la, pois nada ocorrerá se continuarmos a agir da mesma forma.
Em contrapartida, a prática da educação burguesa utiliza-se da estratégia de uma pedagogia conteudista para manter e reproduzir a dominação do capital sobre o trabalho. A escola conteudista tem suas práticas centradas na figura do professor, onde o aluno, independentemente de sua realidade, tem por objetivo absorver toda a informação fornecida. Também temos, dentro da realidade brasileira, muitas escolas voltadas a ensinar, por meio de seus manuais didáticos, conteúdos voltados exclusivamente aos vestibulares.
A escola conteudista desta forma acaba por estabelecer um posicionamento acrítico aos estudantes, o que acaba contribuindo como um dos fatores determinantes da grande desigualdade social do país. Uma vez que os jovens advindos de famílias mais abastadas economicamente, graças aos instrumentos intelectuais de que gozam no seio familiar, acabam por ter à sua disposição os elementos necessários para o bom desenvolvimento escolar. O saber ser, o saber se comportar, o saber se comunicar nas diferentes formas de linguagem, agora se encontram como saberes escolares, o que faz o sistema escolar legitimar a dominação desses grupos dominantes (ALFREDO, 2005). Indo além, o modelo de escola burguesa é organizado de maneira a privilegiar o repertório cultural da elite, o que contribui para o fracasso escolar das classes subalternas, que já iniciam sua vida escolar em desvantagem. Isso porque o repertório cultural das camadas populares não é levado em conta no modelo de escola vigente, ocasionando desinteresse e dificuldades maiores aos estudantes oriundas destas classes sociais.
O desenvolvimento desigual, seja ele no campo econômico ou educacional é a figura central dos estudos e do pensamento de Lênin. Enquanto houver desigualdade e consequentemente existir propostas para superá-las, as práticas leninistas estarão presentes como alternativa, ao mesmo tempo em que as forças conservadoras, que defendem o grande capital, tentarão combater estas alternativas, difundindo o discurso anticomunista. Sobre o assunto, Souza (2022) ressalta que apesar de não haver “[…] qualquer registro de uma experiência comunista efetiva em toda a história do país, o movimento anticomunista ainda é expressivo na atualidade”.
Podemos entender o anticomunismo, no Brasil, como um fenômeno com raízes históricas. Vale lembrar que já na década de 1930, o combate a uma suposta ameaça comunista justificou a instalação da Ditadura do Estado Novo, por Getúlio Vargas. A criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) intensificou as propagandas oficiais que difundiam o medo contra o comunismo, retratado como uma ameaça para todas as famílias brasileiras.
Com o final da Segunda Guerra Mundial e com o início da Guerra Fria, a difusão do anticomunismo no Brasil foi intensificada, já que estávamos na área de influência estadunidense, que realizava a defesa do capitalismo frente ao avanço do comunismo em diversas regiões do mundo. Vale lembrar que a grande desigualdade e a presença da extrema pobreza, além da exploração da classe trabalhadora sempre foram o combustível para as revoluções socialistas ocorridas em países como a Rússia e Cuba. Todos estes elementos sempre estiveram presentes na sociedade brasileira, o que despertava a atenção dos EUA, especialmente após a Revolução Cubana.
Dentro deste contexto, as propostas das reformas de base, feitas por João Goulart, contrariavam os interesses do grande capital, que passou a articular a difusão de uma suposta ameaça comunista, representada por Jango. A grande mídia, controlada pelo grande capital, convenceu boa parte da população que o país poderia ser alvo de um golpe comunista, o que culminou na “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”. Ocorrida em São Paulo, no dia 19 de março de 1964, foi a primeira de diversas manifestações civis que foram utilizadas como justificativa para o golpe, que supostamente atenderia aos anseios da população organizada nestes movimentos conservadores.
É interessante notar que o discurso articulado pela extrema direita, que organizou tais movimentos, colocava o comunismo em oposição à religião e à família, ao mesmo tempo em que identificava Jango com a suposta ameaça comunista. Como afirma Janaína Martins Cordeiro: “Uma ampla frente de grupos de direita e conservadores conclamavam a sociedade a defenderem a família, a Pátria, a democracia, a Constituição e a religião, que consideravam sob ameaça pelo governo trabalhista de João Goulart” (CORDEIRO, 2024, p. 3).
Desse modo, tais setores, com grande apoio midiático, conseguiram identificar o governo trabalhista de Jango com o comunismo, levando milhares de pessoas a apoiarem o golpe militar, movidas pelo, já difundido, anticomunismo. Mesmo com a instauração de um regime de terror institucionalizado no país por 21 anos, o anticomunismo permaneceu vivo na sociedade brasileira, até porque a propaganda oficial do regime e a Grande Mídia identificaram a atuação de grupos comunistas ao terrorismo em todo este período.
Com a Nova República e a candidatura de Lula que ameaçava a eleição de Collor à presidência da República, o discurso anticomunista voltou a ser a ser um poderoso instrumento frente a uma população com pouco acesso à educação e a cultura. Por mais que a constituição LIBERAL brasileira de 1988 garanta o direito à propriedade e à liberdade religiosa, o discurso anticomunista evocou que caso ocorresse a eleição de Lula as igrejas iriam ser banidas do Estado, bem como as casas da classe média e da elite seriam desapropriadas para serem divididas entre a maioria da população desprovida de recursos.
Interessante lembrar ao leitor que em 16 de março de 1990, Collor, um dia após sua posse como Presidente da República, anunciou que além da retenção das aplicações financeiras e recursos em conta corrente iria também confiscar as cadernetas de poupança. “Estima-se que o governo tenha confiscado cerca de US$ 100 bilhões, o equivalente a 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil naquele ano”. Também é importante destacar que o sistema financeiro, com o aval do Estado Liberal, possui a prerrogativa de confiscar tanto os bens como os imóveis da população que não conseguem muitas vezes quitar suas dívidas devido às elevadas taxas de juros cobradas por essas instituições.
Após 26 anos do impeachment de Collor, em pleno século XXI e com a subida do PT (Partido dos Trabalhadores) ao poder com ações políticas muito moderadas, longe de terem a intenção de implantar o comunismo ou até mesmo socializar os meios de produção, os discursos anticomunistas, difundidos pelos setores conservadores, por mais esdrúxulos que possam parecer, voltaram a dominar o cenário político do país. Diante da hegemonia eleitoral de partidos progressistas na primeira década de 2020, setores conservadores da sociedade brasileira, aliados a grandes veículos de comunicação, passaram a resgatar o sentimento anticomunista historicamente presente no Brasil, identificando esses partidos a uma suposta ameaça comunista.
Durante as manifestações de 2013, grupos reacionários como os movimentos Vem pra Rua, MBL, entre outros, passaram a utilizar, com sucesso, as redes sociais para se apropriar das mobilizações que ocorriam em diversas cidades brasileiras, identificando a esquerda a uma suposta ameaça comunista e resgatando uma linguagem do período da Guerra Fria para convencer a população que os governos progressistas eram uma ameaça à liberdade da população brasileira.
Embora a esquerda tenha vencido as eleições de 2014, o sentimento anticomunista cresceu de forma considerável no país, assim como a representação da esquerda como uma ameaça de implementação do comunismo. A extrema direita ganhou terreno, articulando uma complexa relação entre conservadorismo, liberalismo econômico, defesa da família e religião.
Utilizando as redes sociais, tais setores procuraram ressignificar o período da Ditadura Civil Militar, resgatando o discurso daquele período que difundia que o comunismo era uma ameaça às famílias e à religião. Desse modo, por meio da proliferação de fake news e por meio da atuação de lideranças religiosas, uma verdadeira realidade paralela envolveu milhares de brasileiros movidos pelo anticomunismo e aglutinados no bolsonarismo.
Para o cientista político e professor da Unicamp André Kaysel, “uma das possíveis chaves de interpretação é que o anticomunismo fornece um ponto de unificação das direitas na sua heterogeneidade” (2022). Apesar da demanda dos grupos conservadores serem muito diferentes, o anticomunismo torna-se o “inimigo comum que as unifica” (2022).
Como o anticomunismo é uma tradição bem estabelecida em um país como o Brasil, a “direita sempre pode apelar para a memória coletiva com pautas vinculadas a propriedade privada, família e Deus, pois estas acabam atuando como um amálgama e consolidando-se como estratégias de organização em momentos de crise econômica ou de polarização política” (KAYSEL, 2022).
Dessa forma, no ano que marca os 100 anos da morte de Lênin, o Brasil permanece um país marcado por injustiças sociais e por desigualdades. Embora o pensamento de Lênin tenha tido o objetivo de enfrentar as mazelas inerentes ao capitalismo e parte considerável da população brasileira sofra com a miséria, com a fome e com a falta de acesso a condições dignas de existência, o anticomunismo parece ser extremamente vigoroso em nosso país.
Apesar do fato de o Brasil ter, na atualidade, um governo progressista, é possível perceber que a extrema direita ainda é muito forte e tem milhares de adeptos em toda a sociedade, como podemos perceber na manifestação do dia 25/02, na Avenida Paulista. O apelo religioso que identifica a esquerda com o mal e a manutenção do sentimento anticomunista são os grandes combustíveis para a atuação dos militantes da extrema direita. Cabe à sociedade como um todo encontrar meios para combater a desinformação, a proliferação de fake news e a atuação de grupos extremados que representam uma ameaça à democracia brasileira.
Referências
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SOUZA, Greice Caroline. Anticomunismo: o espectro imaginário que ronda o Brasil, 2022.
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Diogo Comitre é professor do IFSP, mestre e doutorando em História Social da USP.
Mauricio Alfredo é professor de Geografia e mestre em Educação.