Texto apresentado originalmente no simpósio da FAPESP em homenagem a Alberto Dines em 2012.
Sempre acreditei que o jornalismo teria a ganhar se obedecesse um pouco mais às exigências da precisão científica e que as ciências sociais também, se deixassem um pouco de lado o pedantismo e a afetação que frequentemente fazem as vezes do rigor científico e colocassem em seus trabalhos um pouco do estilo jornalístico.
Em outra sociedade, talvez fosse possível escrever estudos alentados sobre jornalismo fora da universidade e, portanto, sem que o autor tivesse de se submeter a todos os protocolos e formalidades necessárias para a obtenção de um título acadêmico. Nos Estados Unidos, por exemplo, sempre foi comum um jornalista tirar seis meses de seu trabalho normal para se dedicar a um ensaio alentado sobre qualquer assunto e depois publicá-lo na forma de livro. As próprias editoras pagam pelo seu trabalho. Ou, então, fundações, entidades científicas, instituições de divulgação do saber, os próprios veículos de comunicação.
No Brasil, as condições econômicas da indústria cultural impediram e ainda impedem que isso aconteça, a não ser com raríssimas exceções (a Folha instituiu períodos sabáticos há alguns anos, que resultaram em diversos livros de boa qualidade e acaba de criar uma nova editora apenas para publicar estudos sobre o jornalismo).
O intelectual que deseje estudar a fundo qualquer fenômeno encontra sérias dificuldades para arrumar tempo e dinheiro que lhe permitam desenvolver sua pesquisa e, depois, oferecê-la ao conhecimento do público. A universidade acaba sendo uma das poucas instituições em que isso é possível acontecer, mas os autores têm de arcar com o ônus de seguir os rituais acadêmicos necessários.
Existência de um corpo teórico consistente nos estudos sobre jornalismo
É claro que já se têm feito no Brasil estudos de boa qualidade que ajudam o universitário ou interessado nos problemas do jornalismo a entender melhor o processo. Mas é impossível deixar de reconhecer que tais pesquisas apenas arranham a superfície e que ainda há muito o que fazer. Para início de conversa, é preciso documentar, registrar os fatos, acumular conhecimento empírico da realidade para poder interpretá-la corretamente. Antes de mais nada, é preciso superar a fase da falta de dados sobre os quais se possa relacionar.
O que Alberto Dines fez durante boa parte de seus 60 anos nesta profissão foi criar, só ele e Deus sabem a que custo, condições e oportunidades para se fazer jornalismo com método e para se refletir o jornalismo com método, “uma tentativa de “somar experiências com reflexão resistindo à tentação de fazer ciência”, como ele mesmo disse.
Os Cadernos de Jornalismo e Comunicação foram uma das principais expressões deste esforço incansável, que permanece até agora.
Etapa de sedimentação da imprensa como negócio
Jornalismo não podia ser indústria no Brasil porque as condições econômicas mão o sustentariam como tal. Ler José do Patrocínio sobre Cidade do Rio, que em 1887 pretendia ser uma versão tropical do New York Herald (pág. 58 de “Adiantado…”).
Essas condições só se estabeleceram a partir dos anos 1950, mas especialmente depois dos 1970. Infelizmente, mesmo depois disso, foram muito poucas as situações em que empresários permitiram que se fizesse alguma coisa que fosse além da obtenção de bons resultados financeiros. Poucos investiram, ainda que modestamente, na implantação de métodos rigorosos para fazer ou conhecer os jornais. Praticamente, apenas duas situações ocorreram: o JB nos anos 60 e a Folha nos anos 80.
O início da fase industrial da imprensa brasileira pode ser relacionado, no Rio de Janeiro, especialmente, a três jornais: Última Hora, Diário Carioca e Jornal do Brasil.
Sintonizados com as exigências do capital, esses veículos desenvolvem uma série de transformações editoriais e gráficas na produção jornalística capitaneadas pelos jornalistas Samuel Wainer (na UH), Danton Jobim e Pompeu de Souza (no Diário Carioca) os três depois de algum período nos EUA (Pompeu trabalhou de 1941 a 1943 na Voz da América, Wainer se asilou em 1944, Jobim passou o ano de 1953 na Universidade do Texas).
Esses veículos foram responsáveis por introdução de novidades relacionadas às técnicas americanas de reportagem e redação jornalísticas – como o lide, a pirâmide invertida, a função do redator e a produção de um manual de redação e estilo. Outros antes haviam passado pelos EUA e de lá trazido ideias para o jornalismo brasileiro, desde Hipólito, que em 1798 se estabeleceu na Filadélfia (páginas 71 e 72) por alguns anos, passando por Quintino Bocaiúva (A República), Gilberto Freyre (A Província e o primeiro Manual de Redação).
Dines sofreu grande influência do jornalismo americano mesmo no Brasil, quando trabalhou na revista Visão, que era americana (não havia proibição a isso na época) e recebia com frequência jornalistas americanos. Em 1964, passou seis meses na Universidade Columbia e em visitas ao New York Times e ao Herald Tribune.
É dentro deste contexto de modernização que Alberto Dines, que assume a direção do jornal, em janeiro de 1962. Consolidando as reformas iniciadas por Odylo Costa Filho e Amilcar de Castro, Dines introduziu várias inovações à produção do JB: relacionadas à sistematização de rotinas e práticas de produção de notícias e desenvolve a criação dos Cadernos de Jornalismo e Comunicação, em maio de 1965.
Os Cadernos
Concebida por Dines, a publicação Cadernos de Jornalismo e Comunicação foi criada em maio de 1965 e, de periodicidade irregular, circulou em apenas 49 edições. A ideia era estimular um “processo de aprimoramento técnico dos jornalistas” (Cadernos de Jornalismo, 1965: 7).
A publicação circulou com três nomes: nas seis primeiras edições saiu como Cadernos de Jornalismo. Em seguida, como Cadernos de Jornalismo e Editoração e, finalmente, como Cadernos de Jornalismo e Comunicação. Nas palavras de Dines, no texto de apresentação da primeira edição do veículo: “Como cumprir com a função educativa e de difusão cultural se ao próprio jornalista não forem fornecidas oportunidades para o seu aprimoramento. Esta é a motivação número 1 desta publicação ainda que a meta seja grande demais para um grupo de jornalistas isolados alcançar”.
A inspiração de Dines para a produção dos Cadernos vinha de uma experiência que observara durante época em que esteve em Columbia: a publicação Winners and Sinners, do jornal New York Times, criada como estratégia de circulação interna na qual os jornalistas discutiam de forma crítica os erros e gafes que tinham saído no jornal: “o Winners and Sinners era um jornalzinho interno, não me lembro a periodicidade, em que eles elogiavam e criticavam os erros do jornal. Não chegava a ser um ombudsman, era mais a coisa técnica, mas havia um espírito crítico. Achei aquilo muito bom”.
No primeiro trimestre de 1968 a publicação passou a ser vendida nas livrarias e distribuída em escolas, com a pretensão de abarcar um público maior: jornalistas, educadores, publicitários e sociólogos, publicando artigos sobre comunicação e também economia, arte, política, além de pesquisas e reportagens artigos do corpo editorial do jornal e artigos traduzidos da imprensa norte-americana.
Os Cadernos de Jornalismo e Comunicação podem ser considerados uma iniciativa precursora de criação de um espaço para a análise e discussão do desempenho da mídia. Para Marques de Melo, por meio da experiência dos Cadernos, Dines e seus colegas demonstravam uma inquietação intelectual que ultrapassava o interesse pela prática em si. Dines, mais tarde, avaliaria aquela como uma tentativa de “somar experiências com reflexão resistindo à tentação de fazer ciência”.
Até então, análises relacionadas a fenômenos comunicacionais eram realizadas somente por institutos profissionais especializados em pesquisas de mídia e mercado, como o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) e limitava-se à “computação de audiência da mídia e tendências da opinião pública atendendo estratégias das empresas comerciais ou dos grupos industriais”
Ao longo de oito anos a publicação incorporou algumas novidades: organizou os textos em seções específicas (artigos, reportagens, opinião, entre outras); apresentou edições especiais — a de nº 28, em 1971, tratava exclusivamente sobre a missão, limitações e desafios da TV Educativa no país —, incluiu uma seção com mini-resenhas de livros sobre comunicação e outra com depoimentos, em textos na primeira pessoa, de personagens relacionados à área, e criou a coluna Sinais com notas curtas sobre notícias de jornais e jornalistas brasileiros e estrangeiros.
Os Cadernos de Jornalismo e Comunicação assumiriam um papel que Damas e Christofoletti denominam de “alfabetização midiática”.
Não tinha caráter militante ou ideológico, contrariamente a muitos veículos de crítica de mídia recentes, em especial na internet.
A experiência do JB inspirou, na época, outros órgãos e entidades ligadas à imprensa a desenvolver iniciativas semelhantes, entre eles os Cadernos de Jornalismo (1967), publicação do Sindicato dos Jornalistas de Porto Alegre, o Caderno de Jornalismo (1967), publicado pelo Jornal do Commercio de Recife, e a Bloch Comunicação (1968), da Bloch Editores, Cadernos de Comunicação Proal (1977), Crítica da Informação (1982), FiloFolha (1988), Cadernos de Jornalismo da Tribuna de Santos.
Instituições de ensino superior também lançariam publicações de análise de fenômenos comunicacionais: em 1967 surge a Revista da Escola de Comunicações Culturais, da Universidade de São Paulo e, em 1968, o Centro de Pesquisa de Comunicação Social, da Faculdade Cásper Líbero, edita os Cadernos de Ciências da Comunicação.
Nos EUA, é farta a oferta das publicações especializadas em media criticism ou em estudos científicos específicos sobre o jornalismo (o autor cita Columbia Journalism Review, Washington Journalism Review, Journalism Quarterly, Gannet Center Journal, Public Opinion Quarterly, Journal of Comunication, The Bulletin of The American Society of Newspaper Editors, Newspaper Research Journal, American National Press Association News Research Report, News Research for Better Newspapers).
A mais ambiciosa experiência do gênero foi Brill’s Content, que durou de 1998 a 2001, e contou com um investimento de 20 milhões de dólares de Steven Brill e George Soros, com circulação inicial de 400 mil exemplares mensais e acabou com 250 mil trimestrais.
Sobreviventes americanos
American Journalism Review (AJR)
Magazine covering all aspects of print, television, radio and online media. AJR analyzes ethical dilemmas in the field and monitors the impact of technology on how journalism is practiced and on the final product.
Columbia Journalism Review
Respectable magazine offering a mix of reporting, analysis, criticism, and commentary, aimed at the improvement of journalism.
Nieman Watchdog
Dedicated to asking the questions that other media outlets don’t have the time to develop. The goal is to see that the people in power provide information that the public should have.
On the Media
National Public Radio program devoted to media criticism and analysis.
Online Journalism Review (OJR)
Web-based journal looking at trends in online news reporting.
The Quill
A magazine for professional journalists that often includes critical commentary.
**
Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista.