Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Observatório da Imprensa: Sempre vai valer a pena

Texto publicado originalmente no ebook “Observatório da Imprensa: uma antologia da crítica de mídia no Brasil” de 1996 a 2018”, publicado em abril de 2018.

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Por Alberto Dines, em depoimento a Norma Couri

Quando me preparava para começar a escrever minha coluna “Jornal dos Jornais” na Folha de S.Paulo, que estreou em 6 de julho de 1975, o velho Octavio Frias de Oliveira pôs a mão no meu ombro e disse: “Você vai arranjar muitos inimigos”. Dito e feito: eu os arranjei, e dentro da própria Folha. A coluna foi a matriz do ombudsman, tanto que, mais adiante, quando a Folha foi obrigada pelos militares a dar um recuo em sua ousadia editorial, em 1977, a minha coluna desapareceu. Por quê? Ela dava estímulo a certa rebeldia dentro do jornal.

Mais tarde, a Folha criou a coluna do ombudsman e o fez na mesma página 6 da minha coluna, aos domingos. E todos os ombudsmen tiveram boa relação comigo, muitos viraram amigos; mas eles hoje têm uma proteção que eu não tinha.

O jornalista brasileiro não está preparado para ser criticado. Nos Anos de Chumbo, a Veja não publicou a notícia da morte da Zuzu Angel e as ameaças ao Vladimir Herzog; os dois estavam sendo ameaçados e recorreram a mim. Antecipei na minha coluna as ameaças. Muitos jornalistas se chatearam comigo e uma colega me disse: “Você critica a censura, mas está sendo um censor também”. Eu respondi: “Não, estou sendo um sensor”. Não há censura; ao criticar você não está censurando ninguém.

Uma das razões por termos escolhido o termo Observatório da Imprensa foi a inspiração do pensamento de um importante físico alemão, Werner Heisenberg (1901-1976), o criador da mecânica quântica. Ele dizia que, ao observar um fenômeno, você interfere no fenômeno. Ao observar a imprensa, você interfere nela, sem mandar, sem controlar.

Preocupa perceber que a crítica da mídia desenvolveu-se no Brasil, mas ganhou um certo viés ideológico. A nossa crítica no Observatório é não ideológica. É a crítica do comportamento da imprensa do ponto de vista puramente técnico-ético. Os colaboradores assumem o que escrevem. O grande perigo da observação da mídia hoje é confundir o viés.

O Observatório tem grande preocupação com a concentração da mídia; tínhamos uma pobreza enorme de mídia regional, de mídia comunitária — a concentração em cima empurrando a concentração para baixo. E a imprensa comunitária morrendo aos poucos, principalmente quando a TV Globo entrava e ninguém podia competir com ela. Nossa briga ganhou pontos, deu frutos. Ainda há muito campo para brigar.

O Observatório da Imprensa nasceu na internet, mas não nos ajoelhamos diante dela. Subordinamos a tecnologia ao texto, e não o contrário. É ferramenta, não deusa. O jornalismo existe há tanto tempo, desde a criação da imprensa por Gutenberg, em mil e quatrocentos e lá vai pedrada, porque ele é periódico, tem seu ritmo. Depois que acabou uma edição, começa outra. A internet não conseguiu até hoje se periodizar, com algumas exceções. Enquanto isso, nasceram experiências jornalísticas discretas e de alto nível, como a piauí e a Serrote. As empresas jornalísticas poderiam estar produzindo muita coisa desse nível. Há espaço para esse tipo de publicação.

No Observatório decidimos publicar tudo o que achamos importante sobre mídia, pode ser da Folha, do Estado, do Globo, de onde for, e se estiver em língua estrangeira, traduzimos. Já ouvi de muito leitor que nunca mais leu jornal do mesmo jeito. Discutir a mídia é uma coisa que uma pessoa simples pode fazer, para o bem e para o mal. O que nós criamos aqui foi uma agenda de debates. Na América, pelo menos, fomos os mais avançados de todos.

Há um caminho que é o de oferecer alternativas de pensamento e marcar presença, fazer história. Pensar grande. Ou fazer pensar. Se conseguimos isso até aqui, nessas duas décadas de Observatório, valeu a pena. Sempre vai valer a pena.