Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Anotações sobre o uso da inteligência artificial no âmbito da advocacia e atividades correlatas

(Imagem de Gerd Altmann por Pixabay)

I. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

I.1. Importância socioeconômica

De início, cabe uma palavra sobre as tecnologias de propósito geral (TPG). A transversalidade é um dos seus traços característicos. São flexíveis, versáteis e adaptáveis para resolver inúmeros problemas e desempenhar várias funções em diferentes cenários ou contextos. Assim, impulsionam mudanças profundas na sociedade com: a) transformação radical de processos; b) inovações especialmente significativas; c) melhoras de eficiência econômica e d) criação de novos negócios e ocupações laborais. Em regra, o resultado da aplicação das TPGs envolve um significativo aumento na qualidade de vida das pessoas.

Mencionar as principais TPGs surgidas (ou desenvolvidas) ao longo da história revela a importância socioeconômicas dessas criações humanas. Não é exagero qualificá-las como revolucionárias, por contas das mudanças radicais e paradigmáticas operadas. Provavelmente, as principais TPGs observadas na sociedade humana são: a) eletricidade; b) internet e c) computador. No momento atual vai se formando um consenso de que a AGI (inteligência artificial geral) será incorporada nesse seleto grupo com potencial transformador ainda maior do que as anteriores.

Vale registrar que as inteligências artificiais (IAs) atualmente em uso não podem ser rigorosamente caracterizadas como AGIs. Uma AGI seria capaz de lidar com uma ampla variedade de tarefas e aprender novas habilidades de maneira semelhante a um ser humano. Assim, as atuais IAs seriam as precursoras da Inteligência Artificial Geral, algo ainda distante, considerando as pesquisas em andamento.

Recentemente, foi divulgado que empresa OpenAI, criadora do ChatGPT, desenvolveu um algoritmo chamado Q*. Esse instrumento permite que as atuais IAs raciocinem matematicamente, planejem suas produções pela comparação de alternativas e treinem a si mesmas. Trata-se, segundo os especialistas, de um passo decisivo rumo à construção de uma AGI.

O boletim The Shift, de 19 de abril de 2023, registrou: “IA Generativa: a nova fronteira para os negócios/Vários analistas estimam o mercado de IA Generativa em US$ 200 bilhões até 2032. Um aumento considerável no volume de gastos com IA hoje. Dito de outra forma, o mercado provavelmente dobrará a cada dois anos na próxima década. Ela ajudará as empresas a automatizar a criação de conteúdo, personalizar as experiências do cliente, melhorar a tomada de decisões e criar novas formas de trabalhar./Segundo os analistas da consultoria (Deloitte AI Institute), organizações podem começar a usar IA Generativa aproveitando APIs abertas e/ou SaaS foundation models para ajustar casos de uso independentes do setor (por exemplo, contratação, TI, marketing) e casos de uso específicos, todos construídos sobre a arquitetura de GPU avançada”.

A peculiaridade da AGI como TPG, e mesmo suas precursoras atuais, e onde reside seu imenso potencial transformador, está no fato de que é a primeira incursão da tecnologia (informática/processamento de dados) em um campo até agora exclusivamente humano. O ChatGPT e outros menos conhecidos atuam no campo da linguagem, coração da conformação da cultura humana. Perceba que as outras TPGs, até agora, atuavam indiretamente no campo da linguagem/cultura. Nenhuma delas tinha capacidade de construir textos, imagens, vídeos e outros tantos artefatos. Mesmo que atualmente “limitadas” a cálculos probabilísticos para compor textos (a palavra seguinte é uma variável estatística) e criações congêneres, é inegável e espantoso que estamos, pela primeira vez na história, diante de produtos culturais, em larga escala, que não são oriundos da consciência/inteligência humana diretamente. Essa diferença crucial projeta, ao mesmo tempo, ganhos ou vantagens enormes e riscos ou dificuldades igualmente de elevadas magnitudes.

O aclamado historiador Yuval Noah Harari fez, em artigo recente, uma precisa consideração exatamente na linha acima exposta. Disse, com invulgar propriedade: “A inteligência artificial ganhou algumas habilidades notáveis para manipular e gerar linguagem, seja com palavras, sons ou imagens. A inteligência artificial, portanto, hackeou o sistema operacional da nossa civilização. A linguagem é o material de que quase toda a cultura humana é feita. Os direitos humanos, por exemplo, não estão inscritos no nosso DNA. Em vez disso, são artefatos culturais que criamos ao contar histórias e ao escrever leis. Os deuses não são realidades físicas. Em vez disso, são artefatos culturais que criamos ao inventar mitos e ao redigir escrituras” (fonte: ihu.unisinos.br).

I.2. O que é? No plano estritamente operacional, é um complexo software que calcula a probabilidade de emprego da próxima palavra, mas …

“Em termos muito simples, o texto elaborado por ele é como um que seja produzido com o bloco de notas de um celular, caso o usuário digite uma primeira palavra e em seguida clique naquela sugerida pelo corretor como sendo a mais provável para sucedê-la: será criado um texto inédito, que fará algum sentido, mas completamente aleatório e, no caso, com pouca conexão com a realidade. 

No caso do ChatGPT trata-se de algo muitíssimo mais complexo, que leva em conta a probabilidade de palavras sucederem a todas as usadas no prompt e na janela de contexto (e não só a última usada, como no caso do celular), e tem como parâmetro para definir essa probabilidade de palavras todos os textos disponíveis na internet até 2021 (e não só as palavras usualmente empregadas pelo usuário do celular em mensagens anteriores)” (O poder do ChatGPT: os segredos de uma revolução silenciosa. 13 de setembro de 2023. Por George Marmelstein e Hugo de Brito Machado Segundo).

I.3. Até que ponto é inteligente? Até que ponto “produz” algo original e útil?

“Mas não deixa de ser uma forma de criar textos organizando palavras de forma probabilística, desprovida de consciência e de intencionalidade. Seja como for, o que é produzido não é um reflexo do que já foi dito ou feito. É algo novo, diferente, inédito e original. É esta capacidade de criar que define o ChatGPT e o diferencia de tudo o que já foi desenvolvido até agora.

Por outro lado, justamente por não ser um simples eco do conhecimento existente, mas um remix de padrões enriquecidos pelos inputs do usuário, o ChatGPT também é, por natureza, uma máquina de alucinações. Rigorosamente falando, todo texto extraído do ChatGPT é uma alucinação, uma construção probabilística que pode ou não corresponder à realidade. Isso é o ponto forte e o ponto fraco do ChatGPT. É o que vai diferenciar o usuário experiente do usuário amador” (O poder do ChatGPT: os segredos de uma revolução silenciosa. 13 de setembro de 2023. Por George Marmelstein e Hugo de Brito Machado Segundo).

I.4. Qual seu limite de processamento? Terá consciência?

As bases de dados consultadas aumentam de tamanho e de atualidade. A qualidade dos resultados cresce continuamente. Mas consciência (vontade própria, livre-arbítrio decisório) é outra história …

I.5. Perguntas e mais perguntas …

As indagações filosóficas e práticas relacionadas com o uso das inteligências artificiais crescem sem parar em quantidade e complexidade. Tudo indica que vivenciamos os momentos iniciais de uma revolução com problemas e desafios não totalmente identificados e dimensionados.

II. FERRAMENTAS

II.1. ChatGPT

https://chat.openai.com/auth/login

II.2. Bing

https://www.bing.com/

II.3. Bard

https://bard.google.com/chat

II.4. JusticIA

https://jus.com.br/chat

“O site Jus.com.br anunciou o lançamento do JusticIA, um assistente jurídico com inteligência artificial. A nova ferramenta tecnológica tem por objetivo tornar o Direito mais acessível, adotando uma linguagem apropriada para todas as pessoas./Integrado à extensa base de dados do Jus, o assistente é capaz de interpretar e simplificar termos jurídicos, responder perguntas e auxiliar na elaboração de documentos. As informações fornecidas incluem referências às fontes, incentivando escolhas apoiadas. (…) O JusticIA é o primeiro serviço jurídico de IA disponível para amplo acesso público no Brasil e é gratuito. Desenvolvido por especialistas com grande experiência, o JusticIA é um marco inovador para a empresa Jus Navigandi, que tem a marca do pioneirismo, pois neste mês celebra 27 anos como referência em informações jurídicas na internet brasileira” (fonte: conjur.com.br).

II.5. ChatGPT vs Bing vs Bard – Qual é a melhor IA?

III. UTILIZAÇÕES “FORTES” E “FRACAS”

III.1. Não é forte, pelo contrário, na pesquisa de dados/informações específicos. Nesse quesito, os mecanismos de busca gerais e específicos são infinitamente mais eficientes e confiáveis

“Apesar de não ser proibido, não é recomendável usar IA como ferramenta de busca e pesquisa. Caso seja utilizada para essa finalidade, todos os resultados devem ser verificados e confirmados pelo responsável” (política de uso de ferramentas de inteligência artificial pelos colaboradores do Grupo Estado).

III.1.1. Cuidado extremo na pesquisa de legislação, doutrina e jurisprudência

III.1.2. Casos de elementos inventados e “misturados”

“Por isso, o usuário experiente sabe que nunca pode confiar no modo extrativo para buscar informações factuais. Pedir fatos, nomes, datas, números, leis, precedentes, referências bibliográficas, cálculos ou qualquer resposta que exija precisão é a linha de produção da fábrica de alucinações. Toda informação factual fornecida pelo ChatGPT, no modo extrativo, é potencialmente falsa, mesmo quando solicitamos respostas precisas, verdadeiras e conservadoras.

Então para que serve o modo extrativo? Basicamente para gerar conceitos, explicações, ideias, argumentos e informações gerais ou muito conhecidas. Ou seja, só vale usar esse modo como ponto de partida para obter respostas mais abstratas que não exijam um elevado grau de especificidade, de atualidade ou de precisão. E que não se reportem diretamente à realidade fenomênica, exterior à linguagem e apenas referida por ela” (O poder do ChatGPT: os segredos de uma revolução silenciosa. 13 de setembro de 2023. Por George Marmelstein e Hugo de Brito Machado Segundo).

“Em todas as etapas de produção de Conteúdos que utilize IA, é obrigatória a revisão humana antes de sua publicação, veiculação ou divulgação, para garantir precisão e integridade das informações” (política de uso de ferramentas de inteligência artificial pelos colaboradores do Grupo Estado).

III.2. É forte …

“A proposta do curso é ensinar a usar o ChatGPT como uma extensão da própria mente, possibilitando que as ideias sejam produzidas num fluxo acelerado, criando tempo e energia mental para que possamos dedicar ao pensamento mais profundo, mais humano e mais personalizado. É aqui que o ChatGPT pode servir como uma asa para o pensamento, elevando nossas capacidades a novas alturas e abrindo diversos horizontes cognitivos, como se fosse um parceiro intelectual sempre disposto a ajudar e a nos poupar de tarefas mais burocráticas.

Se bem usado, o ChatGPT é capaz de nos fazer enxergar nossos pontos cegos, ampliando nosso campo de visão com insights inovadores, contra-argumentos inesperados e pontos de vista diferentes. Do mesmo modo, ele é capaz de colocar em ordem as nossas ideias mais caóticas, tornando-se um instrumento valioso para clarificar a mente, sistematizar o conhecimento e planejar o passo seguinte. E talvez o mais importante: a sua capacidade de decodificar textos complexos, em qualquer língua, e traduzi-los e explicá-los em uma linguagem mais simples, desempenha um papel libertador no acesso ao conhecimento, tornando-nos potenciais consumidores de uma biblioteca universal, sem barreiras linguísticas e sem os naturais ruídos de comunicação que impedem a plena assimilação do saber. E isso já é realidade” (O poder do ChatGPT: os segredos de uma revolução silenciosa. 13 de setembro de 2023. Por George Marmelstein e Hugo de Brito Machado Segundo).

IV. UTILIZAÇÕES PRÁTICAS NO MBITO DA ADVOCACIA E ATIVIDADES CORRELATAS

IV.1. Revisão ortográfica, gramatical, consistência e clareza

IV.2. Argumentos e ideias

E isso vai muito além da melhoria da redação jurídica, correção de erros gramaticais ou produção de minutas. Dominando a ferramenta de modo adequado, sobretudo no modo interpretativo e interativo, é possível usar o ChatGPT para orientar na formulação de quesitos, propor possíveis perguntas em audiência, ajudar na valoração de provas textuais, mapear argumentos, estruturar o pensamento com layouts configurados pela finalidade, fornecer análises jurídicas preliminares, gerar ementas ou relatórios de modo automático, inserir figuras de estilo e de retórica para melhorar a elegância do texto, aprimorar o poder de persuasão, construir hipóteses contrafactuais e mostrar diversas perspectivas de um problema” (O poder do ChatGPT: os segredos de uma revolução silenciosa. 13 de setembro de 2023. Por George Marmelstein e Hugo de Brito Machado Segundo).

IV.3. Prompts

“Mas veja: a máquina responde a comandos humanos. Se a resposta é insatisfatória, o problema não é da máquina; é de quem pergunta! A rigor, o ChatGPT é como um pincel que pode gerar rabiscos toscos ou pintar a Capela Sistina. O resultado depende de quem o manipula.

Para dominar a ferramenta, é preciso entender como ela funciona. Ao contrário do que se pensa, o ChatGPT não é uma ferramenta de busca como o Google. Enquanto o Google processa informações em um modo “fotográfico”, entregando uma resposta que é um retrato do conhecimento produzido no passado, o ChatGPT opera de uma maneira inteiramente diferente. Ele não reproduz o passado; ele cria o futuro. A resposta que ele fornece é uma simbiose entre o vasto conhecimento que serviu de base para sua aprendizagem e o comando específico alimentado pelo usuário” (O poder do ChatGPT: os segredos de uma revolução silenciosa. 13 de setembro de 2023. Por George Marmelstein e Hugo de Brito Machado Segundo).

IV.3.1. Indicações

a) estabeleça a identidade de contexto

b) defina o objetivo

c) deixe clara a ação a ser realizada

d) regra de ouro: seja o mais específico possível

IV.3.2. Exemplos

a) Atue como um especialista em direito disciplinar. Apresente argumentos no sentido de que a falta de treinamento ou capacitação não afasta a responsabilidade disciplinar do servidor público por faltas cometidas no exercício do cargo

b) Revise, corrija erros de ortografia e gramática. Dê sugestões para melhorar a clareza. Aponte separadamente os erros e as correções: <texto>

c) Quero aprender sobre <assunto>. Identifique e compartilhe os aspectos 20% mais importantes de aprendizado sobre este tópico que me ajudarão a entender 80% dele

d) Resuma o texto abaixo em 500 palavras ou menos. Crie seções para cada ponto importante com um breve resumo desse ponto

e) Atualmente estou aprendendo sobre <assunto>. Transforme as principais lições deste tópico em histórias e metáforas envolventes para ajudar na memorização

f) Atualmente estou aprendendo sobre <assunto>. Faça uma série de perguntas que testarão meus conhecimentos

IV.3.3. Cuidados

Não inserir dados específicos de pessoas (físicas ou jurídicas) e processos. Não se sabe, com segurança, como esses dados serão armazenados e manipulados.

“Não é permitido inserir, total ou parcialmente, dados ou base de dados proprietárias do Grupo Estado que contenham quaisquer dados pessoais em ferramentas de IA, sejam dados de clientes, colaboradores, fornecedores ou terceiros” (política de uso de ferramentas de inteligência artificial pelos colaboradores do Grupo Estado).

V. ADVERTÊNCIA FINAL

Este texto reúne elementos reputados relevantes pelo autor. Eventualmente, por limitações de conhecimento, foram considerados importantes aspectos que não são efetivamente significativos ou foram não foram apresentados temas fundamentais no trato do assunto.

O objetivo das anotações é realçar dois pontos: a) a enorme importância do assunto como fenômeno socioeconômico e b) a imensa utilidade prática como ferramenta de trabalho.

O texto terá cumprido seu intento se despertar a atenção do leitor para a análise do assunto e contribuir para o aprimoramento das atividades de estudo e trabalho.

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Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito e procurador da Fazenda Nacional