Texto publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.
Várias pesquisas têm apontado que o interesse do brasileiro pelo destino da Seleção Brasileira na Copa do Mundo é uma dos mais baixos dos últimos anos. E comentaristas políticos e de futebol apontam uma fileira de argumentos para justificar o desinteresse, três deles têm destaque: o vexame sofrido com a derrota para a Alemanha por sete a um (2014), a corrupção descoberta e exposta pela Operação Lava Jato e a rápida degeneração do governo do presidente da República, Michel Temer (MDB – SP).
Mas, como se sabe, uma pesquisa é o retrato de um momento. Pelo que se sabe, não há nada de errado com a paixão dos brasileiros pelo futebol. Dependendo do desempenho dos jogadores, tudo pode virar uma grande festa pelo Brasil afora. Agora, esse quadro é uma oportunidade para nós, repórteres, ressuscitarmos uma velha discussão entre nós que vem crescendo nas últimas décadas, e o grande público não sabe: sobre o tamanho dos espaços dados pelos noticiários para o futebol. E, na ausência de conteúdos consistentes, enfiamos goela abaixo do nosso leitor matérias com informações duvidosas, beirando a ficção cientifica.
Antes de seguir com a história. Eu trabalhei em redação de 1979 até 2014 e nunca escrevi sobre futebol. Uma ou duas vezes, participei de reportagens investigativas sobre as sacanagens feitas por torcidas organizadas. A minha especialidade é conflitos e crime organizado nas fronteiras. Mas sou repórter e, no meu entendimento, qualquer coisa que noticiamos deve ser tratada como um assunto sério. Não interessa de que área seja. Aprendi isso da pior maneira.
Certa vez, li uma reportagem em um grande jornal de São Paulo sobre uma praia na Bahia. Com a matéria na mão, convenci a família que era bom negócio passarmos as férias lá. Era nada do que estava escrito, e quase fui crucificado pela família. Essa história sempre conto nas palestras que faço para jovens repórteres, para enfatizar que tudo o que noticiamos é sério, porque os nossos leitores organizam suas vidas, e acreditando que a informação que passamos é verdade.
Retomando a história. Para entendermos o que acontece, precisamos recuar meio século no tempo. Na época, a primeira coisa que o novato aprendia na redação era que os assuntos que mais vendiam jornais eram: futebol e polícia (reportagens sobre crimes comuns). Esses dois pilares do jornalismo nacional foram reforçados durante o Regime Militar (1964 a 1985). Nesse período, a censura nas redações foi violenta e varreu dos noticiários os conteúdos sobre política, economia e outros assuntos, como direitos humanos. A censura pegou leve com a cobertura diária do futebol e dos crimes comuns. O que resultou em crescimento enorme das editorias que tratavam desses assuntos.
A democratização do país, que resultou na liberdade de imprensa, trouxe outros assuntos aos noticiários. Mas, na maioria das redações brasileiras, as editorias de esporte continuaram fortes e dando as cartas, porque traziam assinantes e anunciantes.
Mas, nesse tempo, o perfil do brasileiro mudou. Passamos de uma economia rural para industrial. A maioria da população migrou para as cidades. A economia, a política, a segurança pública e a saúde passaram a povoar o cotidiano do nosso leitor. Com o surgimento das novas mídias – trazidas pela internet –, os espaços dos noticiários cresceram. E como é que os noticiários sobre futebol conseguem preencher todo o espaço a sua disposição? Misturando nas notícias fatos reais com ficção.
Tratando o leitor como um imbecil e vendendo para os anunciantes, menos avisados, a ideia de que o futebol é o centro da atenção dos brasileiros. Todo repórter sabe que a realidade não é essa. E o assunto tem sido conversado entre nós, nas redações e nas mesas de boteco. E, constantemente, somos questionados sobre o assunto em palestras. Sempre que sou questionado sobre o assunto tenho dito que existe uma grande confusão. Apresentar uma notícia de maneira criativa e agradável para o leitor é uma coisa.
Misturar fatos reais com ficção em uma notícia é dolo, um desrespeito para o leitor. Essa maneira de tratar as notícias sobre futebol vem sendo apresentada para os jovens que ingressam nas redações como se fosse normal. Não é. O futebol é um assunto sério como qualquer outro. A criatividade na maneira de apresentar um assunto vem de uma apuração profunda sobre o que vamos escrever. Não dá ficção. Isso é dolo, que fique bem entendido. Conheço muitos repórteres e comentaristas sérios, criativos e bons apurados na imprensa esportiva. Hoje eles são minorias. Para o azar dos leitores.
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Carlos Wagner é jornalista.