Previsões são comuns ao final de um ano, sempre com a tentativa de entrever o que encontraremos na próxima etapa. Alguns desses prognósticos são baseados em fatores que – combinados – ajudam a tecer um cenário para uma situação qualquer. No final de 2015, aconteceu o mesmo e circularam diversas leituras antecipadas da política, economia, artes e tecnologia. O jornalismo não ficou alheio, e o Nieman Lab (Universidade de Harvard) convocou diversos especialistas para desenharem os contornos de 2016.
Algumas das tendências até podem se verificar nos próximos doze meses. Mas não se deve ignorar que muitas dessas “previsões” são menos projeções ancoradas na realidade e mais desejos, atrelados a interesses pessoais e corporativos.
Já que o começo de um ano permite certas extravagâncias – como um regime novo e metas pessoais ambiciosas – pensei: por que não fazer uma lista de desejos para o jornalismo em 2016? Vou poupar o leitor da ilusão de que eu esteja oferecendo previsões. O que vem a seguir é uma lista de desejos, a mera manifestação do que eu gostaria de enxergar nos profissionais, organizações, produtos e serviços de informação neste ano. Talvez alguns itens coincidam com a vontade do leitor, outros fugirão disso, o que é esperado também. De qualquer forma, fique à vontade para fazer a sua lista. Afinal, sonhar é o primeiro passo para realizar…
Foco
Se 2015 foi um período politicamente conturbado, não é prudente esperar que este seja um ano mais sereno, até porque teremos no Brasil eleições municipais. Serão dezenas de milhares de cargos em disputa, acirrando os ânimos já exaltados em todas as partes. Embora as votações aconteçam só em outubro (dias 2 e 30, se e onde houver segundo turno), os debates vão ocupar quase todo o ano. Espero que as coberturas das eleições sejam menos concentradas nos planejamentos dos partidos e em suas agendas de campanha e mais nas demandas dos eleitores, refletindo as esperanças de melhora nas cidades.
Equilíbrio
O ano terá Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, evento inédito que vai mobilizar exércitos de repórteres, editores, técnicos e produtores. A julgar pela tradição nacional das redações, é muito possível que estejamos todos expostos a doses cavalares de patriotismo exagerado e euforia desmedida. O civismo não é um mal em si, mas restringir o sentimento de pátria a disputas esportivas (sem qualquer implicação na melhoria das condições de vida nacionais) é uma perda incrível de oportunidade e energia. A euforia também não é um problema, a não ser que ela nos embace a vista diante da realidade e nos prive de senso crítico. Meu desejo para 2016 é que os jornalistas se contagiem menos com esse espírito olímpico e nos ofereçam uma cobertura mais abrangente, mais aprofundada e mais equilibrada.
Diversidade
Já que mencionamos os Jogos Olímpicos, espero que – depois do evento de agosto – a cobertura esportiva brasileira de 2016 vá além do tradicional acompanhamento de partidas de futebol e que outros esportes igualmente importantes sejam mais visíveis. As redações são costumeiramente dedicadas ao futebol masculino e profissional, e se pensássemos fora dessa caixinha? Existe suor e competição nas ruas, nas quadras dos bairros, nos ginásios, nas escolas, universidades e quartéis, na larga costa brasileira, nos sertões, enfim… Minha esperança é ver em 2016 um jornalismo esportivo mais heterogêneo, plural e verdadeiramente dinâmico.
Menos banalidades
Diversidade é importante, mas ela não pode estar desprovida de filtros de qualidade, de peneiras que possam triar o que é relevante, oportuno, útil e adequado. Por isso, neste novo ano, os portais de notícia brasileiros poderiam insistir menos nos mexericos e nas bizarrices, deixando morrer à míngua o circo de horrores que se tornou a seção de Mais Lidos. Não se trata de privar os públicos da ruidosa separação de Chimbinha e Joelma, mas de não considerar que o entorno desse episódio mereça uma cobertura ostensiva e que se reivindique jornalística. Meios jornalísticos não podem se eximir da tarefa de selecionar fatos e priorizar notícias, oferecendo um panorama mais orientador da vida social. Deixar que a idiotia impere nos portais é abrir mão dessa função social do jornalismo.
Independência e credibilidade
Que em 2016 o jornalismo econômico seja menos impressionista e submisso a conglomerados, fundos de pensão, agências de classificação de risco e outros núcleos de poder. Que repórteres, editores, redatores e produtores sejam menos aderentes à ladainha queixosa dos poderosos, e que vejam os indicadores econômicos como sinais da realidade que afeta a todos os seres. Que esses profissionais sejam mais claros e simples em seus relatos e que não usem a linguagem cifrada como um recurso de poder e opressão sobre os ignorantes… Que ao fim e ao cabo os meios jornalísticos encarem o compromisso de assumir e corrigir seus erros publicamente, sem temores ou vergonha. Credibilidade é o nome do jogo.
Dados!
No ano que passou, os brasileiros viram nascer um punhado de projetos jornalísticos especializados na checagem de informações e na visualização de dados. Esses meios não só assumiram lacunas na dieta informativa como também permitiram a emergência de temas importantes para os debates públicos qualificados. Meu desejo é que em 2016 mais projetos como esses surjam e que essa modalidade ocupe mais espaço e tenha mais relevância na paisagem jornalística nacional.
Alternativas
Que neste ano os projetos jornalísticos alternativos prosperem e encontrem formas próprias para se auto sustentar. O financiamento coletivo tem sido apontado como um caminho, mas envolvimento dos públicos, gestão eficiente e perenidade dos apoios são desafios para gestores e jornalistas, que nesses casos ocupam as mesmas cadeiras. Atuar em escalas hiperlocais, investir em relacionamentos duradouros com as audiências e se distanciar dos meios convencionais também precisam estar no horizontes desses empreendedores.
Não ao caminho único
Em 2015, o cada vez mais poderoso Facebook fechou acordos com influentes meios para difundir seus conteúdos diretamente naquela rede social. Em uma frase: terceirizaram a distribuição das notícias, diante do gigantesco sucesso do newsfeed de Mark Zuckerberg. Pode ser prático para as redações, mas ninguém pode negar que é perigoso demais demonstrar ser tão vulnerável e recorrer a uma única solução. Meu desejo é que as organizações jornalísticas encontrem outras formas de distribuir seus conteúdos para além do Facebook, porque concentrar não é necessariamente bom… Que em 2016 as plataformas de difusão e circulação tenham menos importâncias que os conteúdos e seus públicos. Uma app é apenas uma app.
Resultados
Que engenheiros, programadores, gestores e jornalistas sentem à mesma mesa e desenvolvam métricas que ajudem a medir satisfação, impacto social e relevância informativa. Tiragens e circulação, índices de audiência, tempo de leitura, números de visitantes únicos, cliques em anúncios e engajamento dos públicos são nomes diferentes para a mesma coisa: atenção. Desde sempre, o jornalismo quis convencer seus financiadores de que era relevante pelo número de olhares que era capaz de atrair. De muitas maneiras isso já não funciona hoje como antes. Que as métricas deixem de ser fetiches e argumentos numéricos em 2016, e que elas possam também auxiliar a medir o quanto o jornalismo está sendo útil e imprescindível.
Histórias
Espero ainda que neste ano os jornalistas realmente exagerem no desenvolvimento de novas formas narrativas, informando, aprofundando, envolvendo e instigando seus públicos. Que a reportagem venha com força! Que o jornalismo reencontre um lugar para si como uma modalidade narrativa distinta das demais, incompleta por natureza, mas ainda válida e que agregue razões à vida social.
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Rogério Christofoletti é Professor da UFSC e pesquisador do objETHOS